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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

A Chegada (2016) / Impressões

Direção: Denis Villeneuve

Roteiro: Eric Heisserer

Elenco principal: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker, Michael Stuhlbarg.

Disponível: Netflix

Amy Adams interpreta a linguista Louise Banks em "A Chegada" de Dennis Villeneuve

Adaptação do conto “A História da sua Vida” de Ted Chiang, “A Chegada” de Dennis Villeneuve narra o processo de interlocução entre a linguista Louise Banks (Amy Adams), o físico Ian Donnelly (Jeremy Renner), e dois gigantescos alienígenas dispostos no interior de uma nave em forma de concha, recém-chegada a Terra. Enquanto os cientistas tentam descobrir, sob pressão das forças armadas estadunidenses, as verdadeiras intenções dos inauditos visitantes, a doutora Banks vai gradativamente experenciando uma série de visões a partir da imersão na língua daqueles estranhos seres. Villeneuve parece perseguir ao longo de sua narrativa uma abordagem poeticamente fria e até lúgubre dos acontecimentos, conferindo-lhes uma nuance intimista e testemunhal ao aproveitar a perspectiva e o drama da personagem de Adams como combustível de uma ficção científica parcimoniosa e misteriosa proposta pelo roteiro de Eric Heisserer. Ora, a forma como a trama avança entrelaçando aspectos pessoais da vida da protagonista com a incógnita e perturbadora presença extraterrestre incide justamente no que para mim se apresenta como uma das reflexões mais pungentes do filme: o lugar imprescindível da linguagem e da língua enquanto ferramenta essencial da comunicação e da fixação de um legado cultural, expressão do pensamento e das emoções, mecanismo vivo e potente das relações interpessoais que possibilitam ou não a compreensão e a superação dos conflitos. Nesse sentido, a obra como um todo alude, desde as questões mais íntimas dos personagens, passando por seu argumento central e diálogos, aos riscos e equívocos violentos a que os grupos humanos se sujeitam quando se tornam incapazes de se compreender ou interpretar adequadamente as mensagens advindas de uma esfera cultural e simbólica completamente distinta, seja por insegurança, medo, falta de empatia ou por meros propósitos mesquinhos de dominação. O diretor franco-canadense envolve toda sua cinematografia numa áurea meio estranha e letárgica, especialmente, quando vai explorando esse contato entre os cientistas e a dupla de heptapods, nesse sentido, a fotografia solene em tons frios de Bradford Young, os enquadramentos mais fechados registrando a surpresa ou a perplexidade dos personagens, os movimentos sutis e distorcidos de câmera, o uso de planos abertos mais extáticos evocando aquele fascínio temeroso pelo fenômeno e uma mixagem de som pra lá de “bizarra” funcionam como catalisadores de tensão e suspense, inclusive, porque o roteiro, oportunamente, não perde de vista a pressão, um tanto indulgente é claro, dos militares estadunidenses sobre a linguista e seu companheiro, além de todo um contexto social turbulento para além da zona de pesquisa, evidenciado pela comunicação violenta e sensacionalista das redes sociais e da própria imprensa tradicional. Chama a atenção como esse efeito tenso e estranho proposto por Villeneuve reflete também, e, sobretudo, na própria dinâmica alternada da montagem, resultando numa espécie de “fratura temporal” que introduz certos fragmentos das vivências de Banks e da filha, instigando, num primeiro momento, a emoção e o mistério, para mais adiante proporcionar um “plot twist” inteligente e oportuno que parece incorporar o próprio conceito não-linear da língua dos heptapods na redefinição cronológica dos eventos. Sendo assim, “passado” e “futuro” podem ser "deslocados" e reinterpretados através de uma leitura atenta do espectador. Na contramão de uma tradição da ficção científica voltada às narrativas de invasões alienígenas hostis e belicosas, “A Chegada”, num outro sentido, lança mão do realismo dramático, explorando esse impacto do contato por meio da ótica intimista e subjetiva da doutora Banks e do desenvolvimento de aspectos científicos da investigação, propondo, portanto, não só uma relação mais sensível e emotiva com o público, como também ensejando uma trama cerebral de cunho humanizante e pacifista. Dennis Villeneuve parece capturar as tensões políticas e militares da atualidade diluindo-as numa ficção científica menos “espetacularizada” e mais sensível e “pé no chão”. No fim das contas, todo conflito proposto pelo longa orbita os ruídos da comunicação humana e essa indisposição coletiva à união e ao consenso remetendo ao caos linguístico da mítica Babel bíblica.


Nota: 8 / 10


Por: Ábine Fernando Silva


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