Direção: Kenji Misumi
Roteiro: Kazuo Koike
Elenco principal: Itto Ogami (Tomisaburō Wakayama), Daigoro (Akihiro Tomikawa), Yagyu Bizen-no-kami (Fumio Watanabe), Yagyū Retsudo (Yunosuke Ito), Osen (Tomoko Mayama).
Adaptado da série de mangás “Lobo Solitário” de Kazuo Koike e Goseki kojima publicados nos anos de 1970, o longa “A Espada da Vingança” inaugura uma sequência de seis filmes que retratam a jornada do mercenário espadachim e ex-executor do Xogum Itto Ogami e de seu pequeno filho Daigoro. "Lobo" e "lobinho " partem em busca de vingança e redenção, vítimas da inveja e da traição do clã Yagyu, uma outra família de daymios poderosíssima e influente junto ao Xogunato. Através de um roteiro cheio de "digressões" e de um fluxo narrativo descontínuo e não linear acompanhamos a jornada do “amargurado” e “misterioso” samurai que acompanhado de sua pequena cria oferece seus serviços de mercenário e assassino de aluguel, não sem antes "avaliar" a justiça da empreitada e os mínimos detalhes envolvidos para então decidir agir. A trama nos remete a uma realidade histórica, social e cultural de um Japão fechado em suas tradições guerreiras (período Edo, 1603-1869), repleto de intrigas entre famílias feudais poderosas e condicionado por filosofias e códigos de condutas ortodoxos. A exposição quase didática das funções oficiais exercidas pelos clãs e personagens do filme logo no início, favorece uma apreensão e ambientação mais rápida do público (principalmente o ocidental) aos eventos narrados, e no decorrer da história somos submetidos a um contexto propício a toda sorte de disputas por influência e poder, engodos e traições, da mesma forma que presenciamos ao desfile de tipos sociais característicos da época (camponeses, artesãos, prostitutas), em especial a classe samurai, abundante e a mercê dos "estipêndios" por seus serviços guerreiros. A icônica imagem de Itto Ogami empurrando o carrinho de madeira com o lobinho dentro, ostentando o estandarte: “Alugo meu filho, alugo minha espada” ao passo que evoca certo decadentismo moral e repulsivo, acaba propondo, no desenrolar dos eventos, a reflexão sobre a gênese mítica do guerreiro peregrino, inserido num grande processo individual de “ressignificação” existencial. Isto porque, por meio da desgraça pessoal e do luto, Ytto se reencontra consigo mesmo, renegando a opulência material e social do Xogunato, perseguindo o equilíbrio mental e redirecionando sua arte técnica com a espada para um fim ético elevado, mas, sobretudo, convicto da vingança inevitável. “A Espada da Vingança” aborda o início da trajetória do ex-executor do Xogun Tokugawa e seu pequenino companheiro, revelando o assassinato de sua esposa pelas mãos da traidora família Yagyu e consequentemente seu abandono das funções de carrasco real. O embate com a algoz família rival acontece em dois momentos muito bem articulados numa decupagem que privilegia os enquadramentos abertos e contemplativos, e a versatilidade de ângulos de câmera e cortes rápidos, sempre destacando a superioridade técnica, a precisão e a letalidade do lobo solitário no trato com as catanas. O roteiro assinado pelo próprio criador do mangá confere força destemida e intrepidez ao personagem de Itto Ogami, interpretado por Tomisaburō Wakayama (sempre muito sisudo e ardiloso), concebendo a história em flash-backs ou digressões que justificam o modo de vida e a decisão do protagonista em se tornar um mercenário itinerante levando consigo o garotinho Daigoro (Akihiro Tomikawa) que é submetido pelo próprio pai a um teste decisivo e mortal. Esse aspecto até sombrio e carregado do enredo é sensivelmente aliviado pela presença carismática e singela do “pequeno lobo”, com suas sutilezas e peculiaridades de criança. A direção de Kenji Misumi opta por uma abordagem naturalista, centrada em ações e interações orgânicas e realistas, sejam nas cenas mais simples em que o garoto precisa fazer suas necessidades fisiológicas, seja na preocupação em representar o espaço natural de forma espontânea ou ainda quando aborda um estupro no meio da estrada (cena de extrema violência e pouco comedimento). Aliás, uma das coisas que mais impressionam no filme é a violência estilizada, esta sim articulada com mais efeitos cênicos exagerados e concebida como expressão da força e técnica do implacável samurai com seu poderoso estilo “Suio Ryu”. O espetáculo de membros decepados, litros de sangue que jorram dos golpes desferidos pela rápida catana do lobo solitário abundam no decorrer da trama, estilística emulada e referenciada por grandes cineastas da atualidade como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, declaradamente fãs da obra de Misumi. Itto Ogami trilha uma jornada conectado aos preceitos do budismo japonês belamente simbolizados em tela (Terra, Fogo, Água, Vento e Éter) ao final do filme, lançando mão de toda sua perspicácia e destreza na esgrima para superar seus desafetos, cumprir seus contratos e estabelecer a justiça. Destaque para a sequência final extravagante e apoteótica do último ato na casa de banho, cuja intensidade insana das coreografias de combate, superdimensionada pelos efeitos artesanais da maquiagem, encerra o espetáculo de uma carnificina hiperbólica.
Por: Ábine Fernando Silva
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