Direção: Wolfgang Petersen
Roteiro: Michael Ende e Robert Easton
Elenco Principal: Atreyu (Noah Hathaway), Bastian Balthazar Bux (Barret Oliver), Imperatriz Criança (Tami Stronach), Falkor (Alan Oppenheimer), Gmork (Alan Oppenheimer), Rockbiter (Alan Oppenheimer).
Adaptação da primeira metade do romance de Michael Ende, “A História Sem Fim” de Wolfgang Petersen busca transpor para as telas de forma bastante encantadora e lúdica a trama sensível roteirizada pelo próprio Ende e por Robert Easton, promovendo, acima de tudo, o argumento da importância mítica da ficção fantástica como estrutura fundamental e necessária para o desenvolvimento da subjetividade humana. O diretor alemão lança mão de uma narrativa ágil e imersiva que aproveita a metalinguagem do texto literário, interessando-se pela jornada de superação do solitário Bastian Baltazar Bux (Barret Oliver) através do jogo dos espelhamentos ou das influências recíprocas entre a realidade dolorosa e triste extra livro e a jornada fantástica do jovem guerreiro Atreyu (Noah Hathaway) no interior da "ficção". O texto de Michael Ende e Robert Easton se vale basicamente da estrutura de dois arcos narrativos que se retroalimentam, numa espécie de metalinguagem de pretensão mágica e filosófica, mas também, real e influente, à medida que as peripécias contidas no enigmático e poderoso livro atingem o garoto lá no sótão da escola e também são atingidas pelo envolvimento, anseios e desejos deste. Há de se considerar, por sua vez, a inclusão automática do espectador nesta espécie de terceira via narrativa, já que se assiste em tela a uma história de fluxo semântico que encerra uma tríade agregadora (livro-Bastian-público). “A História Sem Fim” propõe um enredo dinâmico, minucioso e inteligente, seja ao explorar a personalidade de Bastian, sua forma de encarar o mundo e lidar com os problemas, seja na alternância das intrínsecas realidades, na construção psicológica e física de todas as criaturas do reino da Imperatriz Criança (manifestações surreais e oníricas) que se relacionam diretamente com a iminência da devastação e ruína de seu mundo, ou na representação de Atreyu (Noah Hathaway) que funciona como uma espécie de alter ego do protagonista, porém, valente, impetuoso e destemido, valores estes, que o sensível e medroso Bastian a princípio não possui. A simbologia que constrói uma gama vasta de alusões e sentidos para o filme encontram vazão, sobretudo, na representatividade mais explícita ou não dos seres de “Fantasia” – expressa nos nomes, atributos e funções – e também nos personagens fora daquela realidade, como o pai do menino, seus malfeitores e o livreiro. Além da sugestão mais óbvia expressa também na nomenclatura dos substantivos próprios tais como “Fantasia”, “Nada”, “Pântano da Tristeza” e “Esperança”.
Sustenta-se a mensagem sincera e direta de que o “mundo real” tal como ele se encontra sufoca e aponta para o fim do “mundo da imaginação”, levantando o debate acerca de que tipo de mundo os adultos com seu sistema de valores e hábitos têm construído para as crianças ou que tipo de comportamentos e atitudes diante das questões cruciais da vida tem sido ensinado e exigido destas. No mais, “A História Sem Fim” suscita uma série de outras reflexões relevantes, tais como a importância da superação do luto, do amadurecimento individual, da construção de laços solidários, além de lançar luz acerca das funções intelectuais e humanas indispensáveis da arte narrativa (literatura e cinema) sobre a vida social. A direção de Petersen consegue transitar entre os dois mundos (real x fantasia) de forma harmoniosa, articulando uma atmosfera mágica influente e sensível aos detalhes da personalidade dos seres de Fantasia, repletos de presença e carisma, como o esperançoso Falkor (Alan Oppenheimer), o desajeitado Come Pedra (Alan Oppenheimer), o rabugento cientista duende Engywook (Sydney Bromley) com sua impaciente esposa Urgl (Patricia Hayes), a sábia e resiliente Imperatriz Criança (Tami Stronach) e o maléfico vilão Gmork (Alan Oppenheimer). O foco no apelo dramático da encenação com intuito de sensibilizar e comover o espectador destaca-se como uma das preocupações do realizador alemão que consegue extrair emoções fortes e sinceras do elenco mirim em sequencias inesquecíveis do longa, em especial, a dolorosa morte do cavalo Artax no pântano da Tristeza e o espetacular encontro entre Bastian e a Imperatriz Criança na Torre de Marfim. Além disto, a fluidez narrativa da aventura acontece sem prejuízos gráficos, provando o perfeccionismo de uma fotografia estilosa que aborda com detalhes cenários temáticos e bastante lúdicos, plasticamente artesanais, além é claro, do capricho dos efeitos especiais, muito criativos e convincentes, o que por sua vez, não ficam devendo nem um pouco para os modernos CGI. “A História Sem Fim” com sua saudosa e grudenta canção tema “The never ending story" (Limahl) parece congregar o poder de cativar e emocionar através de uma mensagem humana poderosa tanto adultos, quanto crianças, ratificando a aguçada sensibilidade estética e narrativa de Wolfagang Petersen nessa fantasia que se converteu num clássico absoluto do gênero.
Por: Ábine Fernando Silva
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