Direção: George Pal
Roteiro: David Duncan
Elenco principal: Rod Taylor, Yvette Mimieux, Alan Young.
Adaptação cinematográfica do romance homônimo de H.G. Hells, “A Máquina do Tempo” do cineasta húngaro-americano George Pal associa-se a uma tradição recorrente e meio atemporal do gênero scfi quando se debruça sobre as auspiciosas e fantásticas maravilhas tecnológicas supostamente projetadas para o conforto e o bem estar da humanidade, porém, carregadas de um voluntarismo antiético e destrutivo insuspeitos. Pelo menos desde “Frankenstein, 1818” de Mary Shelley, o tema das maravilhosas produções científicas que se tornam nocivas, sobrepujando certa ordem social e rebelando-se, inclusive, contra os próprios mortais que as conceberam vem sendo uma constante no imaginário da cultura popular, principalmente na Literatura e no Cinema. Este trabalho de George Pal carrega este germe, muito embora prefira conectá-lo à ingênua fantasia do gênio criador dotado de boas intenções, o herói libertador que ao longo de sua viagem no tempo, experimenta um porvir tenebroso e trágico para os homens e o planeta, reflexo do contexto sócio histórico da produção do filme, onde os Totalitarismos, a Guerra Fria e a ameaça atômica constituíam a sombra de um terror iminente. Na virada do século XIX para o século XX, o cientista inglês George (Rod Taylor) constrói uma máquina do tempo prometendo relatar a um grupo de três amigos próximos, suas experiências com a invenção cinco dias mais adiante, durante um jantar. No grande dia combinado, o protagonista recém-chegado do futuro narra aos seus interlocutores e aos expectadores (consequentemente) as peripécias e surpresas ocorridas no trajeto com seu veículo especial em forma de trenó, revelando as nuances de um horizonte humano cada vez mais sombrio ao se avançar nas épocas vindouras, resultando no destino obscurantista da Terra no ano de 802.701 D.C., dividida basicamente em dois grupos opostos formados de um lado pelos Morlocks, criaturas tecnicistas, tirânicas, manipuladoras e canibais; e do outro lado pelos Elóis, pessoas jovens, passivas, alienadas e narcisistas. George conta como agiu para ajudar os pacatos Elóis a se libertarem dos Morlocks, assim como se envolveu amorosamente com Weena (Yvette Mimieux), integrante da coletividade habitante da superfície subjugada pelos monstros do submundo. O roteiro de David Duncan se envereda pelo fluxo do relato do herói cientista, não se interessando em explicar a natureza de uma espécie de trenó convertido em máquina do tempo, construindo uma aventura lúdica e ingênua de um sujeito que se torna um “desbravador” e consequentemente um “libertador” do futuro, fascinado por um lado, com todo tipo de transformação que se processa bem diante de seus olhos (físicas, tecnológicas e sociais), mas por outro lado, perplexo com os rumos obscurantistas e decadentes atingidos pela humanidade. É desta forma que George experimenta de forma rápida e dinâmica uma viagem que emula a passividade do ato de consumir a televisão, haja vista o estado inerte do tripulante no veículo em função da velocidade de aceleração temporal que transforma toda cenografia do ambiente ao seu redor (como um mergulho em imagens maravilhosas), desde a casa, o laboratório, a loja de roupas e seu manequim do outro lado da residência, a vizinhança, etc.
Duncan desenvolve as peripécias do protagonista sem problematizar ou pesar as consequências e implicações morais de tal ato, como um gesto espontâneo e bem intencionado de um explorador que desafia a providência, sente o gostinho do proibido e ultrapassa os limites lançando-se ao desconhecido pretensamente em nome da Ciência, algo a la doutor Frankenstein, porém, sem o revés da punição pela insensatez e prepotência de seu gênio. Percebe-se o eco do contexto histórico-político turbulento da década de 60 influindo diretamente no roteiro (Guerra Fria e seus desdobramentos), sendo assim, a concepção de um futuro marcado por conflitos, medo, controle de massas, tecnicismo, desumanização, destruição e violência vão dando a tônica aos diferentes tempos que o viajante decide estacionar até alcançar a famigerada data de 802.701 D.C., caracterizada pela existência dos Morlocks e Elóis. O clichê da jornada do herói individualista e redentor opera numa lógica meio infantil, simplificadora e pretensiosa ao promover o personagem de Rod Taylor como o portador da semente da revolução, agindo para despertar uma juventude narcísica de seu estado alienado e indiferente à própria desgraça, enfrentando criaturas repugnantes e tirânicas (detentoras do conhecimento e devoradoras de carne humana) e vivendo um romance piegas com a jovem e bela Elói Weena. Possivelmente em nome da aventura e do fantástico, o roteiro coloca o protagonista frente a frente e praticamente sozinho na batalha (sem armas ou habilidades) contra os terríveis notívagos do futuro, preenchendo suas peripécias com conveniências e facilitações, não se importando muito com profundidade psicológica e coerência narrativa, já que o viajante libertador opera meio que no automático sem manifestar medo, receio e dúvida em relação a praticamente tudo que o ameace. A reflexão sobre um Estado fascista que se perpetua no poder anulando de todas as formas a capacidade crítica da população, negando e destruindo os recursos do conhecimento (livros), utilizando a tecnologia para o controle e disseminando o medo e a morte aparece na analogia entre dominadores e dominados em “A Máquina do Tempo”, permitindo ao longa não só veicular como também prestigiar a mensagem sobre a valorização da memória histórica, a democratização do conhecimento, a humanização do saber e a iluminação da Ciência no combate à tirania. A direção de George Pal articula uma narrativa simples e dinâmica, sobretudo no ritmo da montagem, embalada pela trilha orquestrada de Russell Garcia bastante sensível às transições dramáticas, focada na aventura e na ação, explorando o potencial criativo e cambiante do design de produção ao longo da viagem de George, chamando a atenção tanto para o deslumbre e fascínio futuristas (um pouco mais simplificado e bucólico no destino final do herói), como para os efeitos especiais em maquetes e slow motion. A caracterização dos cenários, a maquiagem dos Morlocks, os aspectos dramáticos das atuações (simplórias e caricatas), inclusive na ação e no romance, integram bem uma encenação ingênua e maniqueísta do enredo, elementos que tendem a soar datados quando se considera toda a evolução narrativa do próprio gênero no decorrer das décadas seguintes. A cinematografia do filme cobre ambientes e personagens sempre interessada numa dimensão mais ampla e épica na utilização dos planos e ângulos de câmera, além do aprumo fotográfico da iluminação e da paleta de cores no tratamento das imagens e dos padrões gráficos, evidenciando certos elementos tais como monstruosidade e beleza, dia e noite, mundo subterrâneo e superfície. O filme de George Pal tomado sob o julgo de todas as transformações narrativas e avanços técnicos processados pelo cinema de ficção científica a posteriori tende a suscitar algum desdém ou menosprezo por sua forma assumidamente simples, palatável e infantil. No entanto, o longa encerra um estilo, uma fórmula e um conceito de gênero influente e importantíssimo para uma arte que constantemente se reinventa ignorando juízos de valores.
Por: Ábine Fernando Silva
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