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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

A Princesa Mononoke (1997)

Direção: Hayao Miyazaki

Roteiro: Hayao Miyazaki

Personagens principais: San/princesa Mononoke, Moro, Ashitaka, Yakul, Lady Eboshi, Jiko.

Disponível: Netflix

San/Princesa Mononoke personagem que dá nome à animação de Hayao Miyazaki

Ambientado numa espécie de Japão feudal mítico-histórico (período Muromachi), o épico de animação “A Princesa Mononoke” cultiva toda poeticidade das tramas de Miyazaki, apresentando um enredo rico em referências simbólicas budistas e xintoístas, e lançando mão de um estilo gráfico que absorve com bastante naturalidade a fantasia folclórica aos seus traços realistas deslumbrantes (caracterização da natureza e dos cenários). Miyazaki transita sobre uma complexa rede de temas universais e humanos que vão desde o contundente debate moderno em torno do dilema civilização e barbárie, a importância holística da preservação ambiental e o questionamento acerca do real sentido dos avanços tecnológicos, até as implicações de cunho político mais franco e que versam sobre imperialismo e empoderamento feminino. Trata-se de uma fábula de camadas, baseada nas tradições míticas japonesas antigas que amalgamam elementos da modernidade, suscitando reflexões cruciais sobre os homens e a natureza, numa aventura que não economiza na violência e que emociona ao passo em que conscientiza e diverte com seus elementos épicos inspiradores (bravura, coragem, lealdade, sacrifício, amor, etc.). O roteiro do diretor japonês bastante concentrado de elementos históricos, sociais e filosóficos não inibe a imersão do público em seus motivos e dramas, ao contrário, instrui com simplicidade e profusão, oferecendo uma experiência pedagógica fluída, sobretudo, no campo da moralidade e da importância na construção de um equilíbrio necessário e vital entre humanos e as forças da natureza. O roteiro de forma oportuna e inteligente insere novos elementos que enriquecem o aparente arco principal centrado nas peripécias do jovem herói, seja por sua busca pessoal coincidir com a guerra entre homens e deuses da floresta, sendo sua maldição derivada de tal evento (a bala de ferro que transformara o javali em demônio), seja pelo surgimento inusitado e comovente do amor entre Ashitaka e San (a princesa Mononoke) e sem dúvidas, pelo discreto rearranjo de protagonismos, que num determinado momento coloca a jovem criada pela loba Moro, na centralidade dos eventos narrados. Vale ressaltar que a animação estabelece uma lógica de relativização da conduta moral dos personagens, evitando tipificações ou maniqueísmos simplórios (exceção feita talvez ao jovem príncipe). A saga aventureira de Ashitaka e seu cervo Yakul, exilado de sua aldeia após a destruição do deus javali (Tatari-gami) que antes de sucumbir lança uma maldição mortal no jovem príncipe, é marcada pelo altruísmo e pela manifestação de sentimentos nobres e distintos do herói que se encontra em uma situação praticamente irreversível e tomado paulatinamente pela cicatriz demoníaca que avança sobre seu corpo, mas que encontra forças internas e espirituais em sua coragem e perseverança para reverter sua deplorável condição, estabelecendo ao longo de sua jornada, laços afetivos e sinceros com alguns personagens que acabam cruzando seu caminho. É desta forma que o jovem príncipe conhece o caçador Jiko (personagem que tem um protagonismo importante no clímax da história), ganhando sua simpatia e amizade, assim como Lady Eboshi e sua aldeia de mineradores, que logo o aceita prontamente, reconhecendo o valor solidário e a bravura do rapaz (que salvara dois mineradores da morte, conduzindo-os até a Ilha de Ferro).

Personagens Ashitaka e San de "A Princesa Mononoke"

É assim que o jovem príncipe testemunha o motivo que dá ensejo à trama da animação, a terrível e devastadora guerra entre Lady Eboshi e os deuses da floresta, representados pelos lobos, macacos e javalis. A partir deste momento, a importância das personagens femininas ganham corpo e dimensão no longa, uma vez que se desenvolve uma rivalidade e um antagonismo visceral entre San/Mononoke e Lady Eboshi, da mesma forma que as ex-prostitutas, acolhidas e aliadas da governante da ilha tem presença e personalidades forte e marcante, principalmente na defesa de sua aldeia, atacada por asseclas de lorde Asano (da mesma forma que Ebochi deseja conquistar os domínios florestais e expandir o seu poder, o exército do Imperador sob o comando de lorde Asano deseja tomar a Ilha de Ferro). As personagens femininas da trama possuem subjetividades complexas, muita coragem e habilidades guerreiras que dispensam comentários, deixando os poucos personagens masculinos praticamente na penumbra dos acontecimentos. Claro que a mensagem retumbante da narrativa denuncia o comportamento predatório e a relação destrutiva com meio ambiente (fauna e da flora) como aspectos que emanam dos homens que se encontram inexoravelmente cegos em sua ganância e egoísmo sem limites (a caça e a decapitação do grande espírito da floresta é a expressão máxima disto) e mesmo Lady Eboshi capaz de ajudar tanta gente (prostitutas e leprosos, por exemplo), movida por certo oportunismo caridoso e compaixão ambígua (os supostos ajudados lhes são subalternos e empregados) não se dobra ou conscientiza-se frente à insensata guerra que promove visando à dominação e destruição completa do habitat dos deuses animais e a exploração nefasta de seus recursos (há uma referência amarga aos imperialismos e aos grandes processos ditos civilizatórios ocidentais que dizimaram populações nativas e muitas espécies de animais e plantas). Do outro lado, os defensores da floresta representados pela liderança implacável dos deuses lobos, comandados por Moro e sua filha de criação San, assim como os poderosos e selvagens javalis liderados por Okkoto não poupam a corrupção, o desejo materialista e ambicioso dos humanos, massacrando-os impiedosamente, alimentando um ódio e um desprezo irreconciliável pelos mesmos. O jovem Ashitaka passaria a representar o grande ponto de inflexão neste turbilhão de hostilidades, mortes e vinganças, como uma consciência apaziguadora e diplomática que anseia por uma normativa congregante e por uma trégua definitiva. Mesmo o amor e a união sentimental do príncipe (curado, graças a San e Yakul que o conduzem até o grande espírito) com a princesa guerreira Mononoke e sua conexão consistente e legítima com Lady Eboshi e os mineradores da Ilha de Ferro, não são suficientes para o estabelecimento da paz, sugerindo, talvez, uma verdade profunda sobre a relação da humanidade com o meio ambiente (entre progressos e retrocessos, os homens seriam incapazes de estabelecer limites à sua voracidade ambiciosa e destruidora). “A Princesa Mononoke” representa a síntese das aspirações artísticas e humanísticas de um Miyazaki serenamente lúcido e consciente das relações tão complexas entre os homens e a natureza.


Por: Ábine Fernando Silva

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