Direção: Juan Antonio Bayona
Roteiro: Juan Antonio Bayona, Bernat Vilaplana, Nicolás Casariego, Jaime Marques
Elenco principal: Enzo Vogrincic, Matías Recalt, Agustín Pardella, Felipe Gonzalez Otaño, Esteban Kukuriczka, Diego Vegezzi, Esteban Bigliardi
Disponível: Netflix
“A Sociedade da Neve” do cineasta espanhol Juan Antonio Bayona é uma adaptação do livro homônimo do escritor uruguaio Pablo Vierci e aborda a luta pela sobrevivência de um pequeno grupo de jovens após o famigerado desastre aéreo de 1972 em plena Cordilheira dos Andes. Bayona articula uma narrativa intensamente dramática e que adota um tom bastante intimista e até poético, tentando rejeitar, por um lado, aquele apelo gráfico mais obsceno da tragédia e por outro, a previsibilidade dos heroísmos individuais, espécie de clichê em tramas desse gênero. O roteiro parece apostar num dinamismo dos eventos e numa apresentação meio célere dos personagens, interessado em evidenciar todo esforço coletivo e heterogêneo dos sobreviventes, muito embora, a perspectiva individual de Numa (Enzo Vogrincic) prevaleça por tempo considerável, atribuindo-lhe certo carisma e protagonismo, que, no entanto, a própria trama utiliza como recurso insinuante, reforçando a comoção e a identificação humana do espectador com a tragédia, e canalizando as expectativas otimistas em torno do destino do personagem para potencializar de forma autêntica e até mesmo catártica um “plot” de superação. Ora, na medida em que o filme rejeita a abordagem sensacionalista do acidente e do canibalismo em si, dando vasão a uma espécie de pacto comunitário obstinado em prol da sobrevivência, os eventos adquirem uma profusão dramática intensa e comovente, uma vez que Bayona lança as bases de sua “sociedade da neve” trazendo para o cerne de sua representação realista o esforço coletivo e organizado na esperança do resgate, o espírito de camaradagem e solidariedade incondicional, e, sobretudo, os duros dilemas morais que induzem àquele grupo a uma revisão íntima radical de certas crenças e valores cultivados na segurança da civilização. É interessante que na contramão dessa ficção pós-apocalíptica e distópica bastante em voga, onde o império do caos social e da barbárie coletiva emerge como consequência quase natural da supressão institucional e da anarquia jurídica, “A Sociedade da Neve”, dentro de sua pretensão verídica e contexto de filme catástrofe, toma um caminho praticamente inverso, isto porque, o que sua mensagem edificante tenta sublinhar é justamente a concepção de uma conexão humana profunda e sincera, quase religiosa, alicerçada bem ali na vulnerabilidade das condições hostis e numa ressignificação um tanto poética do sofrimento e do próprio ato antropofágico. Nesse sentido, a direção do longa lança mão de uma encenação bastante realista e espontânea que ao retratar essa dinâmica propositiva entre os personagens e seus conflitos, e absorver com muita propriedade, o impacto do isolamento e da escassez de recursos frente à vastidão inóspita do gelo, acaba assumindo constantemente um viés mais lírico e intimista, seja através das relações expressivas na composição dos planos e da fotografia (os closes e os efeitos de lente são bem significativos), seja pelo uso de uma voz em off reflexiva e de uma trilha sempre emotiva. Impressionante como Bayona tece seu drama de sobrevivência sem sucumbir à espetacularização da desgraça ou a um apelo excessivamente sentimental, conseguindo imprimir sobriedade e dignidade aos acontecimentos que embora circunscritos num cenário delimitado e claustrofóbico, jamais se tornam desinteressantes e arrastados. A sequência final do resgate e do retorno à civilização arremata de vez essa semântica espirituosa da empatia, do cuidado com o outro e da importância da fraternidade humana, o que por sua vez, encerra e congrega mortos e sobreviventes num unico fluxo vital.
Nota: 9 / 10
Por: Ábine Fernando Silva
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