Direção: Andrew Patterson
Roteiro: Craig W. Sanger, Andrew Patterson
Elenco principal: Jake Horowitz (Everett), Sierra McCormick (Fay).
Homenagem reverente e nostálgica a uma das séries de ficção científica/fantasia mais elogiadas e criativas do fim dos anos de 1950 (The Twilight Zone/Além da Imaginação, Rod Serling), “A Vastidão da Noite” aproveita por meio do suspense e do terror sugestivo, o espírito misterioso, sobrenatural e imersivo da obra de Rod Serling, apostando na construção de um enredo especulativo e tenso que insinua paranoia, conspiração política, experiência militares secretas e invasão alienígena. Através de uma câmera metalinguística que adentra cautelosamente um televisor dos anos de 1950 que transmite o “Teatro do Paradoxo” (Programa televisivo que emula o memorável Twilight Zone) o expectador embarca na história do radialista Everett (Jake Horowitz) e da jovem telefonista Fay (Sierra McCormick), moradores de Cayuga, pequena cidade do Novo México, par romântico platônico (o filme constrói isto de forma sutil e discreta) e testemunhas involuntárias de uma suposta mensagem alienígena transmitida numa noite em que os habitantes da cidadezinha acompanham empolgados das arquibancadas do ginásio local uma partida de basquete colegial. A jovem telefonista, intrigada com ruídos estranhos advindos das chamadas telefônicas bruscamente interrompidas, além de atender a um inaudito relato de uma aparição óvni numa propriedade rural, resolve comunicar os intrigantes fatos ao seu querido confidente locutor (que gravara os sons reproduzidos durante a programação), resultando na constatação de que talvez a pacata cidade estivesse sob a subjugação de forças extraordinárias, humanas ou não. É desta forma, que ambos, após o relato de um possível ex-militar que ligara para a rádio, identificando e revelando a natureza daquela bizarra transmissão, partem numa repentina, frenética e enervante investigação em busca de respostas acerca daqueles extraordinários e chocantes eventos. O roteiro de “A Vastidão da Noite” é solene, nostálgico e circunspecto, aludindo aos clássicos de Spielberg como “E.T.: O Extraterrestre, 1982”, “Contatos Imediatos do Terceiro Grau, 1977” ou já mencionada série da CBS, “Além da Imaginação" (trata-se de um enredo sério, apesar de seu primeiro ato concentrar-se numa espécie de relação juvenil idealizada e de época). São abordadas as ações dos personagens frente ao curioso acontecimento, a partir de seus sinceros interesses, inquietações e personalidades. Há no princípio do longa, uma clara exposição que nos diz muito acerca dos protagonistas, suas relações comunitárias, seus gostos alinhados e uma importante predileção à Ciência, suas espetaculares especulações e projeções que à época soavam fantásticas como páginas de histórias de ficção científica (todas as projeções científicas citadas por Fay se concretizaram ao longo do tempo), destacando a sensibilidade oportuna de Andrew Patterson com o tema, tão relativizado ou tratado com desdém obtuso por certas autoridades da atualidade. Somam-se a isto, as contextualizações históricas pertinentes que ajudam a trama a ganhar complexidade narrativa com os prováveis meandros que explicariam aqueles sons incomuns, alerta eminente de risco à população da pacata cidadezinha (a ameaça soviética por conta da Guerra Fria, o acobertamento de experiências militares governamentais ilícitas e nocivas, utilizando maquiavelicamente, mão de obra negra e latina para tais missões suicidas).
A direção do estreante Patterson é estilosa e elaborada, cheia de recursos semânticos que fornecem à narrativa muito da sua atmosfera misteriosa, carregada de expectativas e suspense. Longos planos – sequencias, a média e longa distância, seguindo os protagonistas preferencialmente pelas costas no início do filme, como um observador discreto, meticuloso, pode até certo ponto incomodar, dificultar a identificação empática com os personagens, no entanto, aufere tato, sensibilidade, desnuda intimidade, expressando o paradoxo daquela relação de amizade ambígua (com a câmera um tanto distante, a personagem da garota telefonista parece ser muito mais jovem). Há algumas transições criativas na gramática das cenas, seja quando acontece a aproximação da câmera no momento em que os dois jovens passam a cumprir suas funções no trabalho, quando há uma perturbação da própria imagem do filme, alertando talvez que se trata do programa do “Teatro do Paradoxo” (a imagem fica ondulada e azul) ou mesmo quando a tela fica toda escura e só se escuta o diálogo dos personagens, intensificando a tensão dramática. Apesar do baixo orçamento de “A Vastidão da Noite”, o design de produção engenhoso e estratégico (toda a trama se passa obviamente à noite) conseguiu construir fidedignamente cenários, automóveis e figurinos dos anos de 1950, mesmo havendo poucas abordagens externas mais amplas. A fotografia preponderante em tom mostarda (principalmente em ambientes internos), além de reforçar o aspecto de época do filme, salienta o equilíbrio modesto, tranquilo, provinciano de Cayuga que tem sua rotina abalada pela invasão óvni. Como não poderia deixar de ser, a sonoplastia de “A Vastidão da Noite” converge e endossa o suspense, tanto pelo trabalho de mixagem de som que equaliza na medida os ruídos abstratos e perturbadores, quanto pela apuração límpida dos diálogos telefônicos ou dos registros sonoros empolgantes do sofisticado gravador (desde o início da trama há uma fixação e um fascínio pelo aparelho que tem uma função fundamental no enredo). A possibilidade dos eventos estranhos que passam a assolar Cayuga (os ruídos bizarros, as chamadas telefônicas cortadas, os relatos de experiências com fenômenos sobre-humanos, desaparecimentos, etc.) ser fruto de paranoia ou delírio impulsivo de Fay e Everett dá espaço à hipótese que se confirma ao final da trama: os habitantes da pacata cidade estão diante de uma visita inesperada, vinda dos céus, cujo propósito, Patterson tratou de ocultar, suscitando o terror e a imaginação. O disco voador que perscruta o local abduz alguns moradores, inclusive os próprios protagonistas, num clímax intenso, emocionante e sugestivo. Sierra McCormick tem carisma, versatilidade dramática, alcançando verdade e intensidade como a telefonista colegial (a atriz consegue transmitir inocência insuspeita, curiosidade, maturidade e decisão). Jake Horowitz interpreta com desenvoltura e naturalidade o articulado, querido e requisitado radialista de Cayuga, num papel que lhe exige irreverência, certa dose de sarcasmo irônico, interesse amoroso reprimido, disfarçado e ímpeto investigativo para descobrir a verdade. Em se tratando de uma obra de estreia,“A Vastidão da Noite” emerge com uma extraordinária verve criativa, grata surpresa, cuja produção alcança os louros da essência cinematográfica a que se propõe: saber contar com profusão, metalinguagem e sensibilidade uma boa história.
Por: Ábine Fernando Silva
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