Direção: Ridley Scott
Roteiro: Dan O'Bannon/História: Dan O'Bannon e Ronald Shusett
Elenco principal: Tom Skerritt, Sigourney Weaver, Veronica Cartwright, Harry Dean Stanton, Jonh Hurt, Ian Holm, Yaphet Kotto, Bolaji Badejo.
Primeiro episódio do que viria a se tornar uma das mais icônicas e influentes franquias de ficção científica/terror da História do Cinema, “Alien – O 8º Passageiro” transformou-se num clássico absoluto do gênero, expressão incontestável da possibilidade de alinhar refinamento estético e criatividade narrativa com um apelo de massas digno da indústria hollywoodiana, catapultando a carreira do então novato cineasta inglês Ridley Scott, cuja estilística monumental atmosférica e a assinatura visual épica, notáveis nesta produção, tornar-se-iam cada vez mais aprimoradas pela obsessão megalômana do diretor em seus trabalhos seguintes, a maioria sucessos absolutos de bilheteria. O rebocador Nostromos segue viagem de retorno a Terra transportando milhões de toneladas de minério até que seus sete tripulantes em estado de criossono são despertados pela Mãe, a inteligência artificial do veículo, que recebe um sinal vindo de um planeta próximo. Obrigados por contrato a averiguarem a natureza da mensagem, Dallas (Tom Skerritt), Kane (Jonh Hurt) e Lambert (Veronica Cartwright) chegam ao local e encontram uma enorme nave “abandonada” contendo uma espécie de ninho repleto de casulos. Uma destas estruturas orgânicas se rompe lançando um parasita tentacular sobre o rosto de Kane, imediatamente levado de volta para a unidade espacial pousada na região, não sem antes contar com a resistência da Tenente Ripley (Sigourney Weaver), inflexível em relação ao cumprimento dos protocolos de descontaminação, indispensáveis para a saúde e a vida dos tripulantes. Não obstante, Ash (Ian Holm) o oficial de Ciência permite a entrada dos três companheiros exploradores atropelando as restrições de segurança e numa fração de tempo relativamente curta, a criatura acoplada à face do Primeiro Oficial desenvolve-se em seu hospedeiro, dando origem ao Alien (Bolaji Badejo), um ser recôndito, sombrio e aterrorizante, artífice do medo e de uma verdadeira carnificina no interior da nave. O roteiro de Dan O'Bannon contextualiza um futuro onde as viagens interplanetárias em busca de recursos naturais e matérias-primas condizem com o modus operandi de grandes conglomerados corporativos à época de produção do filme, sobressaindo-se a lógica inescrupulosa e imoral dos financiadores da empreitada, interessados na realidade, em encontrar e resgatar alguma forma de vida extraterrestre no espaço, mirando futuros projetos bélicos, tudo isto, a revelia da ciência e consentimento dos tripulantes humanos do rebocador (pode-se supor que a empresa idealizadora do projeto já soubesse da existência e localização da nave alienígena com seu antro de ovos). A evidência acerca dos verdadeiros objetivos da missão confirma-se aos poucos no enredo e também à medida que o papel ambíguo e suspeito do personagem interpretado por Ian Holm finalmente se revela, primeiro como um androide frio, insensível e fiel aos interesses corporativos e depois como um garantidor a todo custo do translado da terrível criatura até o planeta Terra. Cabe frisar ainda que além do robô que encarna o oficial de Ciência, a inteligência artificial da Nostromo ou o computador Mãe sabia exatamente a quem deveria prestar obediência, elemento que o roteiro de O'Bannon articula com perspicácia, referenciando, inclusive “2001, Uma Odisseia no Espaço, 1969” de Kubrick ao refletir acerca do perigo das inteligências artificiais e sua instrumentalização desumana e antiética. A trama de “Alien - O 8º Passageiro” investe na caracterização do ambiente cenográfico e em certo mistério da ameaça para desenvolver sua premissa dramática claustrofóbica, tensa, imprevisível e por tanto, aterrorizante, apostando num design de produção labiríntico e pouco iluminado, cuja estética industrial sombria e úmida de alguns setores da nave potencializam o suspense e o terror.
O desconhecimento sobre a natureza, os hábitos e métodos do monstro imperam estrategicamente no enredo, estimulando não só a apreensão, a insegurança e a dúvida dos encurralados como também dos próprios expectadores, ansiosos pela manifestação e contemplação gráfica da singular figura do oitavo passageiro. Aliás, a gênese biológica do Alien e seu instinto assassino sugerem a metáfora da tragédia das ambições e ganâncias humanas, uma vez que esta força implacável e parasitária se torna carrasca do seu próprio progenitor que ao buscar poder, conhecimento e fortuna ignorou barreiras ético-morais e desafiou os limites da natureza, que de alguma forma tratou de se vingar, sendo perfeitamente plausível comparar a desgraça da destruição humana presente na narrativa de Scott com a atual crise pandêmica causada pelo Sars Cov – 2. O destaque que a personagem vivida por Sigourney Weaver conquista paulatinamente ao longo dos eventos, muito bem elaborados para despistar este aspecto, constitui um dos grandes acertos e méritos da produção, promovendo um protagonismo feminino singular no gênero e levando ao estrelato a figura de uma atriz até então pouco conhecida, cujos atributos físicos estariam longe dos apelos e estereótipos sexys da época. A Tenente Ellen Ripley desponta como uma espécie de heroína improvável, porém, a única figura ameaçada pelo Xenomorfo verdadeiramente capaz de domar o medo e agir racionalmente triunfando em face do desconhecido que em certa medida, encarna simbolicamente e esteticamente a violência masculina em sua faceta mais hedionda e traumática identificada no monstro, sobretudo, pelo mecanismo oral alongado, empalador (uma alusão direta ao estupro) e gosmento como sêmen. A direção de Ridley Scott constrói uma atmosfera de isolamento, vastidão e mistério, estabelecendo uma decupagem que suscita o fascínio pelos espaços e pela eloquência solene dos avanços tecno-científicos atingidos pela humanidade, expressos na estética industrial do interior e exterior da Nostromo, evocando mais uma vez, mas agora visualmente o grande clássico sci-fi kubrickiano. A cinematografia dentro da nave, o topos por excelência da trama, revela corredores e repartições mais ou menos influenciados pelo jogo de iluminação, cuja perspicaz fotografia sombria e sinistra de Derek Vanlint promove a consolidação do terror e da imprevisibilidade da ameaça. Scott articula com cautela o perigo representado por um ser alienígena desconhecido, optando por envolvê-lo na penumbra recôndita dos cenários e apresentando-o visualmente em pequenas doses por meio de closes estilosos e planos detalhes aterradores. O mesmo recurso de um foco mais fechado e closes sugestivos são aproveitados pela direção para captar o horror espontâneo, a paralisia, o descontrole e o medo das vítimas diante do Xenomorfo e da iminência da morte. A violência goore e os efeitos especiais artesanais envelheceram bem e comunicam com eficiência a fisicalidade e a brutalidade dos ataques do alien, embora a edição de algumas cenas da criatura em ação dificulte a visualização do que acontece em tela, haja vista os cortes secos e a rapidez gráfica dos quadros. A trilha instrumental grandiloquente de Jerry Goldsmith tem seu uso estratégico no longa, causando maior impressão ao embalar cenas que contemplam o mistério da imensidão espacial, da vulnerabilidade humana em isolamento e do fascínio pelos avanços técnico-científicos da nave, além de conduzir de forma épica e sinérgica a ação no desfecho do último ato. Embora o filme submeta seu maior impacto dramático ao aspecto gráfico e atmosférico, como mencionado, a construção dos personagens, suas personalidades, motivações, conflitos e dilemas são muito bem retratados nas interações e diálogos, chamando a atenção em especial, a solidez cerebral, o equilíbrio racional e a presença firme, nada delicada ou estereotipada que Sigourney Weaver empresta a Tenente Ellen Ripley, assim como Ian Holm constrói com instinto a personalidade traiçoeira do androide Ash através do semblante austero, do controle emocional rígido e dos gestos inesperados, concorrendo em crueldade e vilania com o próprio Xenomorfo. “Alien – O 8º Passageiro” mantem seu posto soberano ao longo do tempo como, talvez, o melhor filme da saga, obra importante, influente e visionária para além dos limites da cultura cinematográfica.
Por: Ábine Fernando Silva
Comments