Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Francis Ford Coppola e John Milius
Elenco principal: Marlon Brando, Martin Sheen, Robert Duvall, Dennis Hopper, Laurence Fishburne, Sam Bottoms, Frederic Forrest, Albert Hall.
Disponível: Amazon Prime Video
Comungando do espírito criativo e subversivo da “Nova Hollywood”, “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola converteu-se num marco do cinema de guerra ao explorar de forma épica, sombria e psicodélica a loucura e a barbárie do conflito estadunidense no Vietnã. O roteiro assinado por John Milius e Coppola é inspirado no clássico da literatura inglesa “No Coração das Trevas” (1899) de Joseph Conrad narrando à jornada atroz do capitão Benjamin Willard (Martin Sheen), designado pelo alto comando militar do seu país a cumprir a “missão confidencial” de assassinar o então “enlouquecido” e rebelado Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando), amotinado numa selva do Camboja com um exército particular de nativos fanatizados. Coppola lança mão de um estilo um tanto “surrealista” desenvolvendo um conceito visual denso, carregado, repleto de nuances “oníricas”, muito embora, o pano de fundo da “Guerra do Vietnã” e a própria encenação dramática e trágica sejam, a rigor, essencialmente realistas. A perspectiva mais personalista dos eventos narrados por um protagonista psicologicamente instável e existencialmente dilacerado parece reforçar essa lógica do “absurdo” que contamina tanto a forma como os personagens lidam com as tensões do combate, quanto à própria configuração das fronteiras físicas onde tudo se desenrola. O virtuosismo de Coppola na composição de sua mise-en-scene, mesclando planos mais clássicos e modernos, recorrendo a uma fotografia estilizada, a uma montagem expressiva e em momentos cruciais, aproveitando o impacto semântico da trilha (A Cavalgada das Valquírias/Richard Wagner e The End/The Doors) concorre para essa construção de mundo que soa “fantástica” e “mística” como uma “viagem lisérgica”, convertendo o mal em banalidade repulsiva e auto ironizando o “modus operandi” da máquina de guerra a serviço do capitalismo estadunidense. À medida que a trama avança, a missão suicida e escabrosa de Willard vai evidenciando, cada vez mais, a “banalização da loucura” e sua naturalização diante do horror da violência brutal produzida pela guerra, cuja razão de ser “espelha”, quase como uma “revelação”, tanto o capitão mercenário quanto o coronel supostamente “ensandecido”. É como se o trajeto rio acima, imbuído dos simbolismos do conceito místico da “travessia” e da “passagem ao inferno” que alude ao mito grego de “Caronte” proporcionassem, sobretudo ao espectador, esse “reconhecimento” e “constatação” da barbárie generalizada traduzida pela presença das tropas americanas no Vietnã. Embora os personagens de Sheen e Brando “se espelhem” enquanto “filhos do horror da guerra”, Kurtz acaba personificando o indomável, espécie de manifestação niilista fora de controle, a “erva daninha” a ser “extirpada”, isto porque sua insubordinação militar e conversão em “divindade anárquica” escancaram, de maneira mais ampla, a hipocrisia demagógica do “papel civilizador” do Império americano e a própria ruína do seu projeto na Ásia. Por outro lado, Willard e seu grupo, inclusive, o excêntrico e psicótico tenente coronel Kilgore (Robert Duvall) encarnam a “alienação legitimada” e “sob controle”, àquela que serve para alimentar e expandir os interesses capitalistas ocidentais. A ambiguidade, o simbolismo e certo anticlímax do desfecho de “Apocalypse Now” não poderiam ser mais geniais em se tratando de uma narrativa ácida e sombria que se desenvolve perscrutando o drama existencial do seu protagonista, rejeitando maniqueísmos, desmascarando heroísmos e revelando a faceta mais cruel e hedionda do homem sob o julgo dos horrores da guerra.
Nota: 10 / 10
Por: Ábine Fernando Silva
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