Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: David Kajganich
Elenco principal: Taylor Russell, Timothée Chalamet, Mark Rylance, André Holland, Jessica Harper, Chloë Sevigny.
Disponível: Amazon Prime Video
A adaptação do romance homônimo de Camille DeAngelis, “Até os Ossos” de Luca Guadagnino parece aproveitar de forma bastante oportuna essa “obsessão” audiovisual contemporânea pelas tramas de serial killers, propondo, por outro lado, uma espécie de desconstrução do gênero, seja porque o longa opera sutilmente quebrando expectativas através de uma abordagem mais dramática e intimista centrada numa protagonista canibal que se presta a compreender e a reivindicar seu “lugar no mundo”, seja porque num determinado ponto a obra simplesmente assume uma faceta de “road movie” romântico, explorando consideravelmente conflitos e dilemas durante o envolvimento amoroso entre os “devoradores” adolescentes Maren (Taylor Russel) e Lee (Timothée Chalamet). Esse tom mais íntimo e personalista que Guadagnino empresta à narrativa destacando a perspectiva da jovem “desajustada” funciona bem para produzir certa “empatia” e ao mesmo tempo “confundir” o espectador em relação aos possíveis desdobramentos dos impulsos antropofágicos da garota e seu companheiro (pelo menos a princípio), evidenciando, conforme o enredo avança que o grande foco do filme não é, necessariamente, o “rastro de sangue” e o “terror de vítimas canibalizadas”, mas sim a busca pelo reconhecimento da própria história, o consentimento com a própria natureza e a descoberta da identidade, o acerto de contas consigo mesmo e a necessidade da auto aceitação como um processo de apaziguamento dos “demônios internos” e de adaptação às exigências da vida ordinária. A pegada mais dramática e melancólica que o longa articula advém de um realismo mais formal e sóbrio da direção que se concentra na sutiliza e intensidade das performances, assim como na química da interação entre Russel e Chalamet, ressaltando, quase sempre, através de uma fotografia discreta, apurada e sensível uma espécie de “inocência perdida”, “solidão involuntária” e “fatalidade inevitável”. É muito agradável a forma como o cineasta italiano consegue imprimir naturalidade, autenticidade e até alguma “leveza poética” sem incorrer em julgamentos precipitados num tipo de narrativa cujo escopo bárbaro e violento integra sua própria essência, muito embora, as sequências mais grotescas de horror gráfico sejam pontuais, o que não significam menos chocantes e repugnantes. Maren e Lee “cortam” as estradas estadunidenses estreitando seus vínculos sentimentais, tentando alcançar certo equilíbrio “ético” ao extravasar seus instintos predatórios ao passo em que lidam juntos com esse “legado biológico maldito” e com um horizonte social nada auspicioso, isto porque a atração mórbida constante de outros “devoradores”, sobretudo, do esquisito Sully (Mark Rylance) cuja figura ambígua de mentor/maníaco paira como uma sombra de tragédia sobre o jovem casal. Provavelmente Guadagnino tenha se inspirado na condição vampiresca por excelência para “moldar” a personalidade dos devoradores, uma vez que alegoricamente a simetria tende a ser um tanto evidente: a natureza predatória, as barreiras da socialização, a melancolia do alheamento, os instintos aguçados de atração da espécie, etc. A mensagem de que só o amor é capaz de libertar o ser humano de sua natureza hedionda e cruel supera o desfecho aparentemente trágico de Maren e Lee, unindo-os, no final das contas, de forma espiritual e simbólica através de algo que justamente os marginalizava de tudo.
Por: Ábine Fernando Silva
Nota: (7,5 / 10)
Adorei!