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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Blade Runner 2049 (2017)

Atualizado: 6 de abr.

Direção: Denis Villeneuve

Roteiro: Hampton Fancher e Michael Green

Elenco principal: Ryan Gosling, Harrison Ford, Ana de Armas, Sylvia Hoeks, Robin Wright, Jared Leto, Dave Bautista.

Disponível: Netflix

Blade Runner 2049 do franco-canadense Dennis Villeneuve

Continuação do aclamado cult-movie de 1982 dirigido por Ridely Scott, “Blade Runner 2049” do franco-canadense Denis Villeneuve propõe um enredo que reverencia e amplifica o alcance mítico do filme anterior, não limitando-se a uma mera inspiração narrativa e visual, ao contrário, articulando um enredo autêntico que se desenvolve com fôlego próprio, mantendo o nível da complexidade temática, das reflexões filosóficas e existenciais da obra visionária da qual descende. Após trinta anos dos acontecimentos retratados no primeiro filme, a trama acompanha K (Ryan Gosling), um modelo replicante atualizado e leal que trabalha para o Departamento de Polícia de Los Angeles “aposentando” unidades Nexus 6 rebeldes, remanescentes da já extinta Tyrell Corporation. Ao “aposentar” o androide Sapper Morton (Dave Bautista) numa espécie de fazenda de proteínas, o caçador descobre no mesmo local, uma mala com os restos mortais de uma replicante que teria gerado um filho, o que intriga a perícia científica da polícia, o próprio agente, assim como sua chefe, a Tenente Joshi (Robin Wright) que secretamente o impele a investigar os desdobramentos do milagroso nascimento, o que coloca a inescrupulosa Wallace Corporation, herdeira do império tecnológico de Tyrell, no encalço do detetive, interessada num segredo que poderia ter morrido há três décadas e que acaba transformando de uma vez por todas o destino do protagonista, levando-o a um despertar existencial e ideológico, numa jornada de revelações e descobertas que colocam os androides no centro de uma disputa legítima pela vida e liberdade contra a exploração e ganância humanas. O roteiro de Hampton Fancher (que trabalhou com Ridley Scott no primeiro filme) e Michael Green desenvolve a trama detetivesca de K, explorando simultaneamente sua condição e personalidade como o fiel androide caçador que adentra uma crise existencial profunda à medida que evidências reveladoras sobre o paradeiro e identidade do bebê concebido passa a afetar suas convicções e certezas. O arcabouço contextual do primeiro longa estende-se em “Blade Runner 2049”, cujo futuro de Los Angeles trinta anos depois segue a todo vapor com a colonização interplanetária, o uso da tecnologia de forma clandestina e marginal, a subjugação e controle mais efetivo sobre os modelos de bioengenharia, além da incorporação orgânica destes na vida social do planeta Terra, o que automaticamente fez eclodir tensões e manifestações mais explícitas de intolerância xenófoba (de fato as criações da Wallace Corporation são encaradas como produtos utilitários e objetos de prazer). Há um movimento narrativo de expansão mítica do enredo do filme de 1982 com um foco na resistência organizada dos androides, numa maior caracterização de um futuro caótico, miserável e violento com exploração do trabalho infantil, o uso da tecnologia dos hologramas como inteligências que se adaptam as vontades do programador, assim como a inversão estratégica da identidade orgânica e funcional do protagonista em relação a Rick Deckard, uma vez que K é um androide incorporado à atividade policial. Aliás, o filme dá conta de explorar com maestria a jornada do personagem de Ryan Gosling que vai gradativamente se humanizando do ponto de vista da complexidade dos atributos morais, das emoções e sentimentos. Um dos temas mais bem articulados pela dramaturgia de “Blade Runner 2049” diz respeito à “memória” como elemento fundamental da natureza humana e da cultura, elo de identidade e alteridade do ser.

Ana de Armas (Joi) e Ryan Gosling (K) contracenam em Blade Runner 2049

Claro que a obra de Ridley Scott também discutia a importância da ativação deste mecanismo individual absoluto no desenvolvimento da personalidade dos androides, porém, com Villeneuve acontece a problematização do registro do passado quando resultado de uma experiência pessoal e empírica intransferível, não como um simples implante genérico e recorrente, o que por sua vez, para as necessidades da narrativa, alimenta de forma contundente a crise em que mergulha K que passa a considerar a hipótese de ser a personificação do “milagre”, ou seja, o bebê gerado pela replicante. Além do mais, o ato do nascimento é tomado como símbolo da legitimação de uma nova raça, que resiste aspirando pela independência “biológica”, pela liberdade, e, sobretudo, pela conquista de um direito que a humanidade tratou de restringir apenas para si mesma, que é o direito de nascer com uma “alma”. Toda problemática em torno do excepcional e extraordinário acontecimento da gestação e nascimento remete à fuga de Deckard e Rachel, trinta anos atrás e o fracasso da Wallace Corporation em compreender e alcançar um avanço tão espetacular com seus modelos de bioengenharia se deve ao famigerado “blecaute” que destruiu quase por completo o banco de dados da extinta Tyrell Corporation, assim como seus segredos científicos mais caros. Descobre-se o destino do precavido e velho caçador interpretado por Harrison Ford, escondido por anos numa zona radioativa, da mesma forma que o roteiro explica a separação inevitável do casal em 2019 por uma questão de sobrevivência. Este fator estabelece uma das “sinapses” mais perfeitas entre os dois filmes, ligando os personagens do ex- agente e de K, além de entregar um desfecho apoteótico dos acontecimentos envolvendo os dois protagonistas numa batalha mortal contra a perversa Luv (Sylvia Hoeks), a implacável androide aos comandos de Niander Wallace (Jared Leto) e grande vilã da trama. A direção devotada de Denis Villeneuve aproveita as referências visuais do primeiro projeto, aprofundando ainda mais a contemplação de cenários externos opulentos e megalômanos, reconfigurando a atmosfera desoladora, decadente e caótica de uma Los Angeles sombria, oprimida pela chuva e em alguns momentos pela neve. Há um pouco mais de ênfase em perscrutar a vastidão cenográfica através dos gigantescos hologramas interativos, da arquitetura soberba, das zonas pobres como o orfanato de San Diego ou mesmo as ruínas homéricas alaranjadas do esconderijo de Deckard que lembra uma “Las Vegas” em ruínas. Os ambientes fechados exalam indiferença, solidão e reclusão, numa cinematografia que abarca um design sofisticado, moderno, minimalista e simétrico destes espaços (a residência do herói e as dependências da Wallace Corporation são exemplos), retratados numa paleta de cores frias e dessaturadas, convergentes com o clima da narrativa. A decupagem das interações dramáticas opta por planos abertos e closes com poucos cortes, priorizando as reações simultâneas e individuais dos personagens, interessando-se pela sutileza das reações e das expressões, salientando a indistinção de humanidade. A sensibilidade em captar modulações de emoções acontece também em cenas individuais do protagonista por meio de movimentos de câmera delicados em dolly in, permitindo uma abordagem fidedigna, sobretudo, de seu drama pessoal e de seu processo de humanização. “Blade Runner 2049” possui ritmo envolvente, utilizando uma trilha hipnótica, cirúrgica e pontual, interessando-se muito mais pela investigação e o drama do que pela ação, mais econômica, porém, de um realismo violento e austero. Ryan Gosling entrega uma interpretação circunspecta, fria e contida que lentamente se transforma numa inquietação psicológica e emocional no compasso da humanização de K. Ana de Armas vive o holograma Joi, companheira sincera, sensível e altruísta do caçador de androides, cuja programação complexa a torna a figura mais expressiva e humana do filme. Sylvia Hoeks personifica Luv, a ameaçadora e ambígua replicante, muito segura de sua superioridade intelectual e biônica, deixando uma ponta de incerteza em relação a suas motivações realmente leais a Wallace Corporation. Destaque para o versátil Jared Leto como o enigmático Niander Wallace, uma espécie de ciborg perverso, inescrupuloso e também para Robin Wright, a disciplinada chefe de polícia que nutre certa atração e simpatia pelo seu comandado androide. Um dos cineastas mais importantes e criativos desta geração, Dennis Villeneuve superou as expectativas e qualquer desconfiança, se é que havia, ao apostar num projeto que se propõe dialogar e continuar um clássico cult absoluto da ficção científica, tudo isto, com potência artística e identidade própria, o que torna “Blade Runner 2049” tão bom quanto o original.


Por : Ábine Fernando Silva

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