Direção: John Milliius
Roteiro: John Millius e Oliver Stone
Elenco principal: Arnold Schwarzenegger, Sandahl Bergman, James Earl Jones, Mako, Gerry Lopez, Max von Sydow.
Primeira adaptação cinematográfica das histórias do bárbaro da Ciméria concebidas pelo pai do gênero "espada e magia", o escritor de pulp fictionRobert E. Howard, "Conan, O Bárbaro" de John Milius também bebe na fonte das ilustrações épicas de Frank Frazzeta para construir seu portentoso universo visual, apostando no protagonismo, arriscado a época, do então desconhecido fisiculturista Arnold Schwarzenegger. A aposta vingou e o filme de Milius foi um sucesso absoluto de bilheteria, levando o grandalhão austro americano ao estrelato e premiando a insistência visionária de Oliver Stone, cujo roteiro bastante fiel à literatura de Howard chegou a ser rechaçado por famosos produtores e grandes estúdios. O enredo do longa acompanha um garotinho cimério que após testemunhar a destruição de sua aldeia e o assassinato dos pais pelo cruel Thulsa Doom (James Earl Jones), acaba capturado, levado pra longe de sua terra natal e vendido como escravo a um senhor que o transforma ao longo do tempo num poderoso gladiador. O musculoso guerreiro e espadachim Conan (Arnold Schwarzenegger) após inúmeras batalhas e glórias conquista sua liberdade e passa a vagar pelo mundo vivendo de saques e roubos, juntando-se posteriormente aos novos companheiros de pilhagem, os ladrões Subotai (Gerry Lopez) e Valeria (Sandahal Bergman). Por força maior do destino, o brutamonte e seus amigos cruzam o caminho do misterioso "culto da serpente" cujo supremo líder e sacerdote fora o mesmo homem responsável no passado por semear o terror e trazer a desgraça à vida do herói. Disposto a vingar-se a qualquer custo, Conan ainda aceita a generosa oferta de resgate do rei Osric (Max Von Sydow) que teve a jovem filha aliciada pelo tirânico fanático, partindo numa jornada mística e sangrenta que forjará para sempre sua lenda. Os roteiristas exploram a clássica jornada mítica do herói, passando por sua precoce tragédia infantil com o assassinato dos pais, a perda do vínculo com a terra natal e a escravidão compulsória, até a transformação completa em um poderoso guerreiro livre que supera o mal primordial, tornando-se finalmente um soberano. Em meio ao desenvolvimento do arco do protagonista, o texto do filme açambarca toda magnitude do universo exótico, selvagem, violento e místico da cenografia ostensiva e do design de produção, investindo num fluxo narrativo visual extremamente fascinante e imersivo. Toda esta dimensão contextual épica e gráfica que Stone e Millius imprimem a narrativa carrega uma espécie de legitimação e promoção de certas ideias de masculinidade primitiva indo-europeia, onde a violência extrema expressa nas batalhas, no valor do aço, numa virilidade impositiva e na superação do feitiço e do sobrenatural em forma de “serpente” (símbolo maléfico e fálico) constitui um conjunto de valores resgatados da pregressa literatura de Howard e bastante difundidos na estética do cinema de ação em Hollywood ao longo dos anos de 1980.
A construção do personagem de Schwarzenegger, bruto, silencioso e carrancudo se ancora na caricatura imponente e destrutiva do guerreiro, cujos dotes físicos avantajados e as habilidades com a espada se sobressaem ao pífio tratamento psicológico, aspecto que favorece a canastrona e meio desajeitada performance do carismático fisiculturista, mas inexperiente ator. O propósito da jornada e o fechamento do ciclo se completam no inevitável embate com o mal, algo que a trama se encarrega de estabelecer naturalmente, haja vista que Conan em certo ponto de suas peripécias é puxado por uma espécie de imã do destino que o faz reconectar-se à importância de suas origens culturais e míticas, deixadas um pouco de lado em sua vida bandoleira e amorosa, finalmente acertando as contas com o traumático passado ao decapitar o perverso Thulsa Doom. Aliás, em se tratando do antagonista vivido pelo ilustre James Earl Jones, o filme de Millius brinda o público com um vilão complexo, enigmático e poderoso, possuidor de uma áurea mística que não se revela abertamente e que o torna ainda mais ameaçador e imprevisível. Sua ligação com o musculoso bárbaro é selada desde o início da narrativa ao deixar com vida o garotinho da aldeia do aço, testemunha ocular do brutal assassinato dos pais e da destruição de seu povoado (Thulsa Doom buscava um sentido existencial mais profundo nos segredos da “lâmina de aço”, encontrado finalmente no “culto da serpente”). Além disso, o feitiço e a magia, atributos reais e naturalizados no universo do enredo servem não apenas para tornar a empreitada do guerreiro colossal mais árdua, exceção feita à intervenção do mago Akiro (Mako Iwamatsu), como também para legitimar e fortalecer um fanatismo popular alienante, cego e destrutivo em torno da seita. Para além do protagonismo desajeitadão de Schwarzenegger e da presença impositiva e soberba de Earl Jones, “Conan, O Bárbaro” conta com as presenças simpáticas e marcantes de Gerry Lopez na pele do amigo leal e providencial arqueiro Subotai, de Sandhal Bergman como a ladra que se torna o grande amor do herói, além do já citado Mako Iwamatsu interpretando o hilário e solitário Akiro, o grande narrador e arauto da lenda do ex-escravo gladiador que se torna rei. A direção de John Milius mergulha no universo bárbaro de Conan interessada em retratar a vastidão inóspita, misteriosa e exótica da cenografia por meio de uma mise-en-scene megalômana ancorada em muitos planos abertos contemplativos e movimentos de panorâmicas, produzindo um efeito de fascínio, adoração e mistério por aquela realidade mística, violenta, masculinizada, sensual e fantástica, cujas sequências narrativas encontram uma excelente fluidez condutiva na montagem e na trilha épica empolgante de Basil Poledouris. A obsessão visual e o apelo voyeur do filme recorrem à fotografia estilosa de Duke Callaghan em sua composição de quadros sombrios e lúgubres, mas também incluem as belas e vastas paisagens naturais, o apreço pelas manifestações coletivas, pela diversidade étnica dos lugares, e, sobretudo, pela forma como se representam os corpos e a brutalidade nas cenas de batalha. Chama à atenção a forma como a direção estiliza naturalmente a violência e o sexo, investindo na ação com muito sangue e decepamentos, retratando com certa recorrência gratuita a nudez e a sensualidade dos figurinos. O forte impacto gráfico, inclusive aquele dos efeitos especiais (transformação do vilão em serpente), impõe-se à dramaticidade das interações, muito mais significativa, eloquente e sincera nos monólogos e discursos de Thulsa Doom ou no melodrama de Valeria. “Conan, O Bárbaro” continua sendo a melhor adaptação para o cinema das aventuras do guerreiro cimério criadas pelo gênio de Robert E. Howard, graças ao esforço, ao instinto e a sensibilidade estética de grandes artistas como John Millius e Oliver Stone.
Por: Ábine Fernando Silva
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