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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Conan, O Bárbaro (1982)

Direção: John Milliius

Roteiro: John Millius e Oliver Stone

Elenco principal: Arnold Schwarzenegger, Sandahl Bergman, James Earl Jones, Mako, Gerry Lopez, Max von Sydow.

Arnold Schwarzenegger interpreta Conan no épico de Millius

Primeira adaptação cinematográfica das histórias do bárbaro da Ciméria concebidas pelo pai do gênero "espada e magia", o escritor de pulp fictionRobert E. Howard, "Conan, O Bárbaro" de John Milius também bebe na fonte das ilustrações épicas de Frank Frazzeta para construir seu portentoso universo visual, apostando no protagonismo, arriscado a época, do então desconhecido fisiculturista Arnold Schwarzenegger. A aposta vingou e o filme de Milius foi um sucesso absoluto de bilheteria, levando o grandalhão austro americano ao estrelato e premiando a insistência visionária de Oliver Stone, cujo roteiro bastante fiel à literatura de Howard chegou a ser rechaçado por famosos produtores e grandes estúdios. O enredo do longa acompanha um garotinho cimério que após testemunhar a destruição de sua aldeia e o assassinato dos pais pelo cruel Thulsa Doom (James Earl Jones), acaba capturado, levado pra longe de sua terra natal e vendido como escravo a um senhor que o transforma ao longo do tempo num poderoso gladiador. O musculoso guerreiro e espadachim Conan (Arnold Schwarzenegger) após inúmeras batalhas e glórias conquista sua liberdade e passa a vagar pelo mundo vivendo de saques e roubos, juntando-se posteriormente aos novos companheiros de pilhagem, os ladrões Subotai (Gerry Lopez) e Valeria (Sandahal Bergman). Por força maior do destino, o brutamonte e seus amigos cruzam o caminho do misterioso "culto da serpente" cujo supremo líder e sacerdote fora o mesmo homem responsável no passado por semear o terror e trazer a desgraça à vida do herói. Disposto a vingar-se a qualquer custo, Conan ainda aceita a generosa oferta de resgate do rei Osric (Max Von Sydow) que teve a jovem filha aliciada pelo tirânico fanático, partindo numa jornada mística e sangrenta que forjará para sempre sua lenda. Os roteiristas exploram a clássica jornada mítica do herói, passando por sua precoce tragédia infantil com o assassinato dos pais, a perda do vínculo com a terra natal e a escravidão compulsória, até a transformação completa em um poderoso guerreiro livre que supera o mal primordial, tornando-se finalmente um soberano. Em meio ao desenvolvimento do arco do protagonista, o texto do filme açambarca toda magnitude do universo exótico, selvagem, violento e místico da cenografia ostensiva e do design de produção, investindo num fluxo narrativo visual extremamente fascinante e imersivo. Toda esta dimensão contextual épica e gráfica que Stone e Millius imprimem a narrativa carrega uma espécie de legitimação e promoção de certas ideias de masculinidade primitiva indo-europeia, onde a violência extrema expressa nas batalhas, no valor do aço, numa virilidade impositiva e na superação do feitiço e do sobrenatural em forma de “serpente” (símbolo maléfico e fálico) constitui um conjunto de valores resgatados da pregressa literatura de Howard e bastante difundidos na estética do cinema de ação em Hollywood ao longo dos anos de 1980.

James Earl Jones (ao centro) interpreta o maligno Thulsa Doom

A construção do personagem de Schwarzenegger, bruto, silencioso e carrancudo se ancora na caricatura imponente e destrutiva do guerreiro, cujos dotes físicos avantajados e as habilidades com a espada se sobressaem ao pífio tratamento psicológico, aspecto que favorece a canastrona e meio desajeitada performance do carismático fisiculturista, mas inexperiente ator. O propósito da jornada e o fechamento do ciclo se completam no inevitável embate com o mal, algo que a trama se encarrega de estabelecer naturalmente, haja vista que Conan em certo ponto de suas peripécias é puxado por uma espécie de imã do destino que o faz reconectar-se à importância de suas origens culturais e míticas, deixadas um pouco de lado em sua vida bandoleira e amorosa, finalmente acertando as contas com o traumático passado ao decapitar o perverso Thulsa Doom. Aliás, em se tratando do antagonista vivido pelo ilustre James Earl Jones, o filme de Millius brinda o público com um vilão complexo, enigmático e poderoso, possuidor de uma áurea mística que não se revela abertamente e que o torna ainda mais ameaçador e imprevisível. Sua ligação com o musculoso bárbaro é selada desde o início da narrativa ao deixar com vida o garotinho da aldeia do aço, testemunha ocular do brutal assassinato dos pais e da destruição de seu povoado (Thulsa Doom buscava um sentido existencial mais profundo nos segredos da “lâmina de aço”, encontrado finalmente no “culto da serpente”). Além disso, o feitiço e a magia, atributos reais e naturalizados no universo do enredo servem não apenas para tornar a empreitada do guerreiro colossal mais árdua, exceção feita à intervenção do mago Akiro (Mako Iwamatsu), como também para legitimar e fortalecer um fanatismo popular alienante, cego e destrutivo em torno da seita. Para além do protagonismo desajeitadão de Schwarzenegger e da presença impositiva e soberba de Earl Jones, “Conan, O Bárbaro” conta com as presenças simpáticas e marcantes de Gerry Lopez na pele do amigo leal e providencial arqueiro Subotai, de Sandhal Bergman como a ladra que se torna o grande amor do herói, além do já citado Mako Iwamatsu interpretando o hilário e solitário Akiro, o grande narrador e arauto da lenda do ex-escravo gladiador que se torna rei. A direção de John Milius mergulha no universo bárbaro de Conan interessada em retratar a vastidão inóspita, misteriosa e exótica da cenografia por meio de uma mise-en-scene megalômana ancorada em muitos planos abertos contemplativos e movimentos de panorâmicas, produzindo um efeito de fascínio, adoração e mistério por aquela realidade mística, violenta, masculinizada, sensual e fantástica, cujas sequências narrativas encontram uma excelente fluidez condutiva na montagem e na trilha épica empolgante de Basil Poledouris. A obsessão visual e o apelo voyeur do filme recorrem à fotografia estilosa de Duke Callaghan em sua composição de quadros sombrios e lúgubres, mas também incluem as belas e vastas paisagens naturais, o apreço pelas manifestações coletivas, pela diversidade étnica dos lugares, e, sobretudo, pela forma como se representam os corpos e a brutalidade nas cenas de batalha. Chama à atenção a forma como a direção estiliza naturalmente a violência e o sexo, investindo na ação com muito sangue e decepamentos, retratando com certa recorrência gratuita a nudez e a sensualidade dos figurinos. O forte impacto gráfico, inclusive aquele dos efeitos especiais (transformação do vilão em serpente), impõe-se à dramaticidade das interações, muito mais significativa, eloquente e sincera nos monólogos e discursos de Thulsa Doom ou no melodrama de Valeria. “Conan, O Bárbaro” continua sendo a melhor adaptação para o cinema das aventuras do guerreiro cimério criadas pelo gênio de Robert E. Howard, graças ao esforço, ao instinto e a sensibilidade estética de grandes artistas como John Millius e Oliver Stone.


Por: Ábine Fernando Silva


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