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  • Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Conquista Sangrenta (1985)

Atualizado: 21 de abr.

Direção: Paul Verhoeven

Roteiro: Paul Verhoeven e Gerard Soeteman

Elenco principal: Rutger Hauer, Jennifer Jason Leigh, Tom Burlinson, Jack Thompson, Fernando Hilbeck, Ronald Lacey, Brion James, Susan Tyrrell, Bruno Kirby, Simón Andreu, John Dennis Johnston.

Jennifer Jason Leigh e Rutger Hauer contracenam em "Conquista Sangrenta"

Primeira produção americana do holandês Paul Verhoeven, “Conquista Sangrenta” funcionou como uma espécie de “cartão de visitas” do cineasta em Hollywood, evidenciando já neste primeiro trabalho todo um estilo provocativo, controverso e sarcástico, amplamente difundido ao longo de obras de sucesso como “Robocoop – O Policial do Futuro”, 1987 e “Instinto Selvagem”, 1992. No ano de 1501, em algum lugar do continente europeu (possivelmente a Itália), um grupo de mercenários, liderados por Martin (Rutger Hauer) é contratado pelo nobre Arnolfini (Fernando Hilbeck), juntando-se às tropas deste suserano para recuperar um castelo tomado por forças inimigas. O acordo entre contratante e saqueadores prevê a posse sobre os espólios de guerra, uma vez alcançado os objetivos. No entanto, ao conquistar o local e tomar o que lhes eram de direito, Martin e seu bando acabam traídos por Arnolfini, sendo em seguida rendidos, usurpados e expulsos do castelo. Depois de achar uma estátua de “São Martín”, jurar devoção e firmar lealdade entre si, a caterva sedenta por vingança, arma uma emboscada, atacando o velho nobre, seu filho Steven (Tom Burlinson) e sua futura nora Agnes (Jennifer Jason Leigh) que seguiam juntos numa caravana. Inadvertidamente a jovem donzela prometida acaba sendo levada pelos bandidos, abusada pelo grupo e deflorada pelo líder, o que curiosamente a conecta a seu agressor. Sem destino certo, guiados pela superstição, Martin e seus imorais companheiros tomam um castelo, assassinam seus moradores e estabelecem-se no local até serem constantemente alvos do noivo ressentido que com a ajuda do homem de confiança do pai, o capitão Hawkwood (Jack Thompson) utiliza todas as artimanhas possíveis para resgatar sua pretendente. O roteiro de Paul Verhoeven e Gerard Soeteman expõe de forma crua e cínica, um contexto medieval marcado por disputas territoriais entre nobres e pela pobreza extrema, expressa, sobretudo, na figura dos desvairados saqueadores. Nesse sentido, a trama também evidencia de forma contundente uma superstição religiosa um tanto cega, uma violência imoral exacerbada e generalizada, assim como a disseminação impiedosa da peste bubônica, além do florescimento de inovações técnico-científicas representadas nas invenções de Da Vinci, objeto de admiração e estudo do nobre Steven. O protagonismo do bando liderado pelo personagem de Rutger Hauer, formado por prostitutas, ladrões maníacos, homossexuais, um cardeal herege e até um garotinho passa muito longe de qualquer idealização, ao contrário, a abordagem ácida e naturalista dos personagens e daquela realidade, não poupa ninguém, inclusive os senhores feudais, sujeitos de caráter duvidoso, desleais, mesquinhos e desumanos, responsáveis pelo início dos conflitos que movem o enredo. A exceção talvez seja o primogênito de Arnolfini, cuja pretensa pureza de princípios, a mente científica e a valorização da honra se manifestam com sinceridade, ainda que sob um prisma ingênuo e tolo. Cabe mencionar ainda a centralidade que o roteiro confere a temas como as armadilhas alienantes da “superstição religiosa” e a importância do conhecimento científico e acadêmico para a solução dos problemas do cotidiano, sendo o primeiro, de alguma forma, responsável pela perdição e desgraça dos bandoleiros e o segundo, engenhosamente aplicado às táticas de guerra levadas a cabo pelo jovem nobre filho de Arnolfini.

Rutger Hauer e Brion James integram um bando de saqueadores no filme de Paul Verhoeven

Por outro lado, o longa de Verhoeven articula com autoridade a ambiguidade, evoca a instabilidade moral e a imprecisão para identificar heroísmos, embora os mercenários apresentem uma conduta ética e um pacto coletivo bastante coerente e sensível, dividindo tudo em comum, se auto protegendo e até instituindo o uso do simbólico traje vermelho entre eles (talvez um aceno do diretor ao comunismo). “Conquista Sangrenta” é uma história de sobreviventes e Agnes representa não só a contradição intrigante e o elemento inesperado, mas de maneira geral, traduz a perspicácia e o jogo de cintura da luta pela sobrevivência, qualidades que seus próprios sequestradores e algozes possuem de sobra. O envolvimento sentimental da moça com Martin faz um movimento pendular, ora convencendo o espectador acerca da paixão inequívoca pelo ladrão e sua inserção definitiva no grupo, ora no decorrer dos acontecimentos do terceiro ato manifestando o desejo de ser resgatada pelo futuro noivo e agindo para garantir isto. De maneira geral, parece que a garota sequestrada compreende que para se manter viva e safar-se daquela situação, deve recorrer a qualquer subterfúgio que esteja a seu alcance, não importando mais posição, princípios e castidade. Além disso, o filme não economiza em morbidez, erotismo, violência e sarcasmo numa clara intenção de provocar o público, explorando uma crueldade inconsequente e imoral, seja banalizando cenas fortes de sadismo e estupro, seja apelando para um “goore” repugnante e indigesto, mostrando uma prostituta grávida se divertindo em meio ao caos do saque e da anarquia, um recém-nascido morto, agonizantes com feridas protuberantes, uma comilança animalesca, moribundos com chagas purulentas, pedaços de um cachorro contaminado com a peste bubônica e por aí vai. Paul Verhoeven dirige seu “épico” perseguindo sempre um tom atrevido e insolente, contrastante com o visual ostentoso e trilha clássica eloquente, desmistificando, por tanto, qualquer pretensão idealizada em retratar aquele universo, assaz hipócrita, ignorante e violento. A cinematografia rica em detalhes utiliza bem a fotografia bucólica de belas paisagens, a profundidade de campo, planos abertos vigorosos, simétricos e a versatilidade de ângulos de câmera, absorvendo com acuidade o realismo do design de produção medieval, a turbulência humana dos espaços e os exageros perversos dos personagens, sem perder de vista o elemento tragicômico que perpassa tudo desde o princípio. Há uma predileção em promover o escatológico e ridicularizar o virtuoso que Verhoeven comunica com maestria, extraindo das interpretações de seu elenco principal as imperfeições, contradições e vícios que tornam seus anti-heróis até que simpáticos e atraentes. É desta forma que Rutger Hauer expressa com naturalidade, carisma, irreverencia e perspicácia na pele do líder mercenário Martín, fiel aos seus, mas implacável com os inimigos, além da jovem Jennifer Jason Leigh que empresta uma ambiguidade impressionante a Agnes, a aparente donzela frágil e inocente, no entanto, manipuladora e dissimulada nos momentos estratégicos. Embora o cineasta holandês tenha sofrido com a interferência intransigente dos produtores sobre seu trabalho no filme, o anticonvencionalismo latente, o humor mórbido e a crítica social ácida aos comportamentos humanos, às instituições medievais e ao obscurantismo supersticioso ainda permanecem incólumes, tornando “Conquista Sangrenta” um exemplar singular do gênero.


Por: Ábine Fernando Silva



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