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  • Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Coringa (2019) - Impressões

Direção: Todd Phillips

Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver

Elenco principal: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen

Disponível: Max

“Coringa” de Todd Phillips na contramão dos filmes de super-herói contemporâneos assume abertamente um tom mais realista e dramático, uma vez que a proposta do seu texto empreende um estudo de personagem a partir de uma premissa que considera aspectos da delinquência e da vilania como fatores intimamente ligados à vulnerabilidade de classe e ao descaso institucional em relação aos problemas de saúde mental. Phillips rejeita àquela mítica enigmática em torno da identidade do famoso antagonista do Homem-Morcego, explorando aqui o processo de transformação do desamparado palhaço e aspirante à comediante Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) num psicótico e subversivo criminoso, capaz de incendiar Gotham com sua involuntária sandice anárquica. Ora, como o roteiro do filme se desenvolve através da perspectiva do personagem de Phoenix, abordando, sobretudo, sua degradação mental e suas condições precárias de sobrevivência, o conflito moral em torno de suas escolhas inconsequentes e ações violentas tendem a ser menos ambíguas e até certo ponto justificáveis, desconstruindo e problematizando àquela concepção maniqueísta e simplória da essência maléfica do vilão e aproximando-se, portanto, de uma representação mais crua e realista que vai evidenciando a emergência do Coringa como “produto” daquela sociedade desigual, doentia e desumana. É muito interessante como a trama consegue encaixar bem esse argumento da “tragédia social” ao universo do Batman, relacionando a influência da bilionária família Wayne com a crise em Gotham e com drama na vida do atormentado Arthur, inclusive, do ponto de vista de uma relação de causa e efeito que une o destino de Bruce ao do seu futuro maior arqui-inimigo. Nesse sentido, a direção propõe toda uma encenação claramente inspirada em diversas obras icônicas do cinema, especialmente, nos trabalhos de Scorsese como “Taxi Driver” (1976) e o “O Rei da Comédia” (1981), seja na forma em que retrata uma metrópole abjeta e hostil em analogia a Nova York setentista, seja nessa construção mais complexa e repleta de nuances do protagonista evocando Travis Bickle e Rupert Pupkin (ambos interpretados por De Niro), ou até mesmo, na semelhança de certas escolhas de roteiro que ilustram momentos cruciais da jornada de Fleck. Todd Phillips persegue uma espécie de representação morbidamente idealizada da figura do Coringa, esforçando-se em consagrá-lo ainda mais no imaginário popular através da construção de uma série de cenas e sequências estilizadas que aspiram à pura iconografia. Não é à toa que a obra também se nutre dessa espetacularização de momentos fascinantes que por si só constituem “peças” de grande potência dramática, glorificando a performance profusa de Phoenix que incorpora muitas referências célebres de uma tradição de personagens mentalmente perturbados e violentos da cinematografia hollywoodiana. Como as exigências do drama mobilizam uma decupagem intimista e documental, buscando amparo, inclusive, num conceito fotográfico mais carregado e lúgubre, a impressão de uma relação opressiva e angustiante entre cenários e protagonista vai gradativamente ficando para trás e uma integração mais completa do personagem àquele mundo decadente e cruel se impõe de vez com a metamorfose. O longa de Phillips parece engendrar discretamente uma “centelha” revolucionária, difusa e caótica, tal como a natureza do seu vilão, à medida que promove a violência como ato catártico e como artifício legítimo da insurreição popular. O Coringa nasce e emancipa-se quando toma as rédeas da sua própria vida e escolhe reagir à covardia, ao abandono e ao escárnio, convertendo sua “tragédia” amarga em uma apoteótica comédia da revolta.


Nota: 9,5 / 10

 

Por: Ábine Fernando Silva

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