Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver
Elenco principal: Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Brendan Gleeson, Catherine Keener, Steve Coogan, Zazie Beetz.
“Coringa: Delírio a Dois” de Todd Phillips é uma continuação do “Coringa” de 2019 (do mesmo diretor), e aborda a dura rotina do então depressivo detento Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) na prisão Arkam. Enquanto aguarda o próprio julgamento por uma série de assassinatos, Fleck acaba se envolvendo amorosamente com Harley Quinn (Lady Gaga), uma interna da ala psiquiátrica que nutre um fascínio doentio pela figura do Coringa. A proposta dramática mais intimista da obra, costurando elementos do “musical” e do “romance” parece “frear” àquele ímpeto superdimensionado e até subversivo que a jornada emancipadora do palhaço propunha no enredo anterior. Ora, dada à condição do cárcere e do iminente julgamento desse sujeito psicologicamente instável, a trama não prescinde de sua lógica realista dos eventos, frustrando qualquer possibilidade mirabolante que alimente uma solução fantástica em torno do destino do protagonista, arrefecendo, inclusive, àquela imagem forjada de uma espécie de símbolo de uma revolta popular e anárquica contra Gotham e suas instituições. Á medida que o roteiro avança, vai se consolidando cada vez mais essa ideia de um indivíduo profundamente alienado e apático, cujas implicações terríveis da detenção, assim como a própria vida não parecem importar mais. É nesse sentido que Phillips tende a rejeitar àquela representação idealizada do personagem construída no primeiro filme, revelando, no transcurso de uma “anulação das capacidades vilanescas”, a crise do dilaceramento emocional de Fleck e seu profundo sofrimento que obviamente perdura atrás das grades. Temos aqui, por tanto, a personificação insuspeita de uma “impotência” que ironicamente catalisa os anseios dos revoltosos de Gotham, de Harley Quinn e porque não, do próprio espectador que tende a aguardar, devido a toda essa potência mítica do personagem, algum trunfo ardiloso de superação por parte do famigerado palhaço. Operando na contramão disso, “Coringa: Delírio a Dois” prefere o drama realista centrado nesse sujeito crivado de traumas que longe de serem “exorcizados” pelo despertar triunfal de uma personalidade violenta e impositiva, intensifica ainda mais sua dor e desgraça. Nesse sentido, a própria relação amorosa com a personagem de Gaga e certos delírios advindos desse contato e representados nos números musicais estimula essa espiral autodestrutiva, pois em essência clamam por algo que o protagonista deseja, no fim das contas, deixar para trás. De maneira geral, não importa tanto se Arthur Fleck e Coringa compõem ou não a mesma personalidade (isso tem mais relevância no âmbito do julgamento) na medida em que o que se tem de concreto é todo um histórico de exclusão, abandono e abusos frequentes. Como uma espécie de piada trágica, essa válvula de escape ou reação contra as injustiças parece encarnar a própria perdição de um “vilão involuntário” e digno de dó. Sob certa ótica, a obra de Todd Phillips pode soar “melindrosa demais” em comparação à antecessora porque rejeita o Coringa como uma força libertadora e disruptiva, deixando um pouco de lado, inclusive, todo impacto dramático da crise de um contexto social inflamado que aqui, se circunscreve apenas às turbulências de um julgamento midiático bastante genérico e arrastado, e a sequência final da explosão do tribunal. Por outro lado, a decepção com as escolhas que o diretor toma em relação à trama não residem no campo da encenação em si que continua privilegiando, de forma até mais abrangente e pertinente, a performance intensa e versátil de Phoenix, lançando mão de uma mise-en-scene mais carregada e opressiva que encontra momentos de distensão e frescor bem interessantes num musical lúdico e estilizado, muito embora, a recorrência dos números sejam um pouco cansativas. “Coringa: Delírio a Dois” me parece oscilar entre uma representação ousada e até corajosa de um lado, e uma proposta reticente e anticlimática do outro. Confesso que para mim é difícil “expurgar” as expectativas em torno das potencialidades de um personagem tão simbólico e julgar esse trabalho de Phillips de forma mais isenta.
Nota: 6,5 / 10
Por: Ábine Fernando Silva
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