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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Cujo (1983)

Atualizado: 27 de nov. de 2022

Direção: Lewis Teague

Roteiro: Lauren Currier

Elenco principal: Donna Trenton (Dee Wallace Stone), Tad Trenton (Danny Pintauro), Vic Trenton (Daniel Hugh Kelly), Joe Camber (Ed Lauter), Steve Kemp (Christopher Stone).

"Cujo" filme de Lewis Teague baseado no romance de Stephen King

Uma das melhores adaptações "Stephen Kinguianas" para o cinema (injustamente não uma das mais lembradas), "Cujo" se vale da trama simples e direta para articular com maestria suspense e terror, propondo um drama familiar cínico e sinuoso como pré-clímax do seu horror cru e repugnante. O longa de Teague desenvolve muito bem uma atmosfera claustrofóbica e hostil, explorando a tensão e o medo em momentos oportunos, perseguindo um realismo animalesco e ameaçador, sobretudo, na representação da figura monstruosa do São Bernardo, cuja ação captada pela versatilidade dos planos e potencializada pela habilidade da edição (botes, ataques e investidas) revelam um trabalho de coreografia árduo e diletante da equipe de produção ao utilizar um cão de verdade. A exceção dos primeiros minutos introdutórios (a contaminação de Cujo possivelmente pelo vírus da raiva), o roteiro do filme preocupa-se em explorar um drama familiar que vai cautelosamente se desdobrando ao público, desconstruindo um aparente perfil de família “Doriana”, revelando distanciamento afetivo, indiferença, infidelidade conjugal e manutenção das aparências num lar em corrosão. O fato é que o matrimonio dos Trentons enfrenta uma crise que o expectador adentra aos poucos e Vic (Daniel Hugh Kelly) ao finalmente descobrir a infidelidade da esposa, tenta de alguma forma proteger o filho Tad (Danny Pintauro) de toda situação, enquanto raciocina em qual medida tomar em relação ao seu destino com Donna (Dee Wallace Stone). Por outro lado, temos o sub-arco dos Cambers (donos de Cujo) que vivem numa espécie de rancho com uma oficina mecânica administrada pelo abusivo Joe (Ed Lauter), sujeito extremamente ranzinza e violento com a mulher Charity (Kaiulani Lee) que ao ganhar na loteria uma boa soma em dinheiro, resolve junto com o filho Brett (Billy Jayne) "escapar" para casa de uma irmã, definitivamente se livrando dos abusos dos mal tratos do marido. Ao passo em que a narrativa avança centrada nos possíveis desdobramentos da crise conjugal dos Trentons e na separação inusitada dos Cambers, as metamorfoses físicas e comportamentais sofridas por Cujo vão se processando e o meigo e companheiro cão vai se tornando cada vez mais sombrio e agressivo, com um aspecto decrépito e decomposto (a pele do animal aparenta uma podridão asquerosa, com seu corpo lamacento e com muito pus e sangue vazando dos olhos), evidenciando o primoroso trabalho de maquiagem que consegue destacar as etapas degenerativas do animal, tornando-o um monstro tenebroso e um perigo cada vez mais latente. Além disso, todos os eventos que conduzem o filme para o seu espetacular clímax são muito bem encaixados pelo roteiro e levam em consideração detalhes que reforçam a atmosfera desoladora e o isolamento de Donna e do pequeno Tad (a viagem a trabalho de Vic, a desistência do carteiro em levar a correspondência aos Cambers e até mesmo a sugestão do próprio marido aos policiais de procurarem mãe e filho “desaparecidos” no rancho de Joe, onde Donna pretendia consertar o carro).

Dee Wallace Stone (Dona) e Danny Pintauro (Tad) encurralados pelo terrível São Bernardo

"Cujo" consegue numa espécie de crescente e acumulativa atmosfera de tensão e expectativa, entregar um clímax avassalador, sufocante e incrivelmente realista. O enclausuramento de Dona e do garotinho Tad no pequeno Ford, que finalmente para de funcionar na oficina do rancho, é acompanhado pelos angustiantes e apavorantes planos- sequências que se concentram nas investidas insanas e raivosas de Cujo, tentando devorar mãe e filho desolados e totalmente "ilhados" no automóvel. Lewis Teague consegue extrair verdade e naturalidade na forma em que explora as atuações intensas e emocionantes da atriz Dee Wallace Stone e do garotinho Danny Pintauro. O terror e o medo tão agudos da ameaça canina constante e parcimoniosa são acrescidos, à medida que o tempo passa, às tentativas frustradas de fuga, à falta de água e alimento, ao esgotamento físico e psicológico, ao isolamento humano e ao calor intenso e escaldante (os personagens suam horrores) suscitando no público uma sensação de irreversibilidade trágica, condensada, por exemplo, na cena em que a câmera posicionada no interior do veículo gira em torno de seu próprio eixo em 360º ininterruptamente, acelerando e captando convulsivamente no interior do veículo, mãe e filho numa vertigem frenética e claustrofóbica. “Cujo” constrói “tijolo por tijolo” a aterradora metamorfose do São Bernardo, transformando-o em uma criatura implacável (depois das sucessivas mortes de Gary e Joe), sugerindo, entretanto, certa relação metafórica entre os eventos traumáticos dos Tretons e o surgimento paulatino do cão ensandecido, seja no que diz respeito aos sucessivos pesadelos do menino atormentando por um suposto monstro que aparece em seu quarto ou do subjetivo caráter punitivo do enredo condenando a traição de Dona (o confinamento e a iminência da morte já seriam um castigo ou uma espécie de expiação da culpa por si só). “Cujo” experimenta um estranho e relativo anonimato, ainda que a indústria hollywoodiana, ao longo do tempo, recorra frequentemente às criações de King com novas adaptações ou remakes. Não obstante, o filme de Lewis Teague persiste discreto como uma excelente experiência realista, tensa e claustrofóbica de terror, pronta para ser descoberta pelas novas gerações.


Por: Ábine Fernando Silva

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