Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Robert Zemeckis e Bob Gale
Elenco principal: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover, Thomas F. Wilson, Claudia Wells.
“De Volta Para o Futuro” conquistou uma reputação invejável desde seu lançamento, batendo recordes de bilheteria (maior arrecadação de 1985), caindo nas graças da crítica e despontando posteriormente na lista dos dez maiores filmes de ficção científica da história do cinema norte-americano. A produção apadrinhada por Steven Spielberg foi um tiro certeiro da Universal Pictures que resolveu patrocinar o projeto de Robert Zemeckis e Bob Gale, após diversas negativas de estúdios famosos, entre eles, os estúdios Disney. A aventura empolgante, maluca e engraçada de Marty McFly (Michael J. Fox) e Dr. Emmett Brown (Christopher Lloyd) com seu icônico DeLorean capaz de viajar no tempo encanta por sua pegada inteligente e indutiva, pelo humor fácil do choque inusitado de gerações, pelo ritmo envolvente da ação embalada pelas sinérgicas canções de Alan Silvestri (“Back to the Future" é uma delas) e, especialmente, pelo carisma impressionante de personagens inesquecíveis. O inquieto inventor e cientista Doc Brown transforma um carro esportivo numa máquina do tempo, utilizando plutônio roubado por terroristas libaneses e convidando seu amigo adolescente Marty para juntos testarem a invenção no estacionamento do shopping da cidade durante a madrugada. Após comprovar a eficácia da experiência com Einstein (o cão de estimação) sem perceber que tinha alterado o painel do tempo, Doc é repentinamente metralhado pelos terroristas, forçando o assustado Mcfly a embarcar no DeLorean e dar partida, fugindo ao ataque dos criminosos, mas viajando diretamente para o ano de 1955. A confusão começa de verdade quando o garoto preso num espaço-tempo recuado trinta anos atrás precisa encontrar uma forma de voltar ao futuro convencendo o então jovem Doc Brown a ajuda-lo, driblar as inconveniências do choque cultural e geracional que sua presença acaba causando, garantir sua própria existência futura e a dos irmãos, servindo de cupido para o pai já que ironicamente sua mãe se apaixona por ele, além de tentar salvar a vida do velho amigo cientista tentando retornar minutos antes da tragédia no estacionamento. O roteiro dinâmico e inteligente da dupla Robert Zemeckis e Bob Gale explora a proposta da aventura e da ficção científica sem muitos rodeios, apresentando os amigos Marty e Doc por meio de suas funções e papéis sociais (o design de produção e figurino contam aqui) e inserindo-os numa experiência científica fascinante, cujas implicações teóricas, embora um tanto especulativas, aparecem traduzidas de forma bem didática ao público, funcionando, sobretudo, como elementos que auxiliam a progressão da trama. O grande trunfo do texto de “De Volta Para o Futuro” é utilizar a “imprevisibilidade” das situações como gatilho para o desenvolvimento narrativo e dramático, apresentando uma série de enrascadas inusitadas que geram confusões e problemas, impulsionando o herói a encontrar soluções. Muito da aventura e do humor do filme encontra vazão neste aspecto improvável e inaudito que o roteiro articula para tornar a vida do protagonista cheia de obstáculos irônicos e engraçados a serem superados, seja logo de início quando o jovem toma conhecimento e utiliza a máquina do tempo indo para o ano de 1955 sem querer, seja quando precisa lidar com uma realidade temporal e cultural completamente distinta ou mesmo quando se envolve por acidente com sua “futura” mãe Lorraine (Lea Thompson), mas precisa aproximá-la sentimentalmente do pai, o desengonçado e tímido George Mcfly (Crispin Glover) para desfazer o paradoxo temporal.
O adolescente embarca de forma espontânea e irrefletida numa viagem no tempo através do experimento perigoso e inconsequente de seu melhor amigo que muito embora se apresente como um gênio da Ciência deixa transparecer sua imaturidade obsessiva e falta de senso ético, ofuscadas é claro pela caricatura do cientista maluco. É bom que se diga que a trama de Robert Zemeckis não tem compromisso em problematizar o uso irresponsável da Ciência e ainda que destaque este aspecto, não existiria história sem as ações desajuizadas do personagem de Lloyd. No fim das contas, Marty completa uma jornada de amadurecimento, encontrando uma maneira de voltar a 1985, mas, não sem antes resolver os problemas e confusões causados, recorrendo à imaginação e as referências culturais insuspeitas em Hill Valley da época (a música de Chuck Berry tocada durante o baile é um dos grandes momentos do longa). Se a relevância e o alcance popular de “De Volta Para o Futuro” se tornaram tão imensuráveis ao longo do tempo (mais de trinta e cinco anos após o lançamento do primeiro episódio da trilogia) os personagens icônicos e carismáticos criados por Zemeckis e Gale tem peso fundamental nisto, haja vista a forte penetração caricatural e expressiva das representações. Passando pelos protagonistas vividos por Michael J. Fox e Christopher Lloyd, cujos papeis consagraram de vez suas carreiras, a narrativa ainda conta com a fragilidade boboca que Crispin Glover facilmente empresta a George McFly, a vilania tosca do brucutu imbecilizado que Thomas F. Wilson comunica bem como Biff Tannen, o tipo assanhado de falsa recatada que Lea Thompson compõe com charme ao viver a jovem Lorraine Baines McFly e por último, mas não menos importante que os humanos, a sofisticação moderna e estilosa que a direção de arte resolveu dar à máquina do tempo, escolhendo para tal finalidade um arrojado DeLorean prateado com suas portas asas de gaivota, tornando-o símbolo da franquia, talvez tão famoso e querido quanto os próprios personagens humanos. A direção enérgica do filme constrói a aventura de forma dinâmica, criativa e engraçada, sempre emendando uma confusão em outra e envolvendo o público num espetáculo pulsante. A intensidade imprimida por Zemeckis na trama não deixa escapar os detalhes impressionantes da estética cenográfica de Hill Valley da década de 50, dos figurinos e dos objetos que servem inclusive para estabelecer o “choque” geracional entre os distintos tempos, estabelecendo uma cinematografia ágil, muito bem resolvida na montagem fluída e na capacidade empolgante e indutiva das composições de Alan Silvestri. A desenvoltura do humor leve e traquina, consequência da espontaneidade hilária e embaraçosa das construções dramáticas e do fator inusitado são uma constante na aventura, garantindo boas risadas e revelando o compromisso do realizador na promoção da diversão de cunho familiar e eclético. “De Volta Para o Futuro” ainda ostenta o mérito de ser o melhor filme da série, aquele cuja novidade e a magia primordial da aventura mantem-se encantador e impactante, o que não quer dizer que as sequencias seguintes tenham menor relevância ou qualidade artísticas, no entanto, posto em perspectiva, “De Volta Para o Futuro II, 1989” e “De Volta Para o Futuro III, 1990” funcionam mais como produções arrojadas, rearranjos criativos e ainda mais ambiciosos da fantástica e exitosa ideia original.
Por: Ábine Fernando Silva
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