Direção: Jonás Cuarón
Roteiro: Jonás Cuarón e Mateo Garcia
Elenco principal: Gael García Bernal, Jeffrey Dean Morgan, Alondra Hidalgo, Diego Cataño.
“Deserto” de Jonás Cuarón aproveita bem o pano de fundo do drama social da imigração ilegal do México para os Estados Unidos, tema que há anos reverbera tensões políticas de grandes proporções entre as duas nações vizinhas, para desenvolver um thriller de perseguição alucinante e cheio de requintes de crueldade, muito mais interessado em traduzir a sociopatia xenófoba que move um sujeito racista e impiedoso por meio da ação implacável, da estilização visual e do uso da violência crua e chocante, do que por meio de uma exposição narrativa auto-explicativa e ideologicamente verbalizada. O enredo simples acompanha um grupo de imigrantes mexicanos ilegais que estão a caminho de cruzar a fronteira com os Estados Unidos num pequeno caminhão que de repente para de funcionar, obrigando-os a completar o restante do trajeto a pé sobre o palco do escaldante e inóspito deserto, guiados por dois intermediários envolvidos no negócio ilegal e que supostamente conhecem os atalhos e meandros do terreno. Como se não bastasse os percalços e incertezas da própria travessia, o grupo dos desafortunados mexicanos passa a ser literalmente caçados por Sam (Jeffrey Dean Morgan) um rancheiro supremacista branco e sádico que junto com seu treinado cão pastor alemão promovem um terror inenarrável, deixando uma trilha de sangue e corpos pelas planícies desérticas da fronteira. O roteiro de Jonás Cuarón (filho de Alfonso Cuarón) e Mateo Garcia inspira-se em diversos exemplares do cinema gênero, sobretudo os slasher’s, mas desloca o palco dos acontecimentos e as motivações para uma realidade política e social sensível a milhares de latino americanos que em busca de melhores condições de vida e oportunidades de emprego, arriscam a própria pele para adentrar o poderoso epicentro da economia capitalista global, a Canaã que promete muito, mas no fim das contas oferece quase nada aos pobres trabalhadores braçais e marginalizados oriundos do “subcontinente” americano. Embora não aprofunde o drama dos personagens, nem se preocupe em desenvolver com mais profusão qualquer um deles, exceção feita talvez a Moisés (Gael García Bernal), cujos princípios éticos e bondade se alinham à esfera da dicotomia maniqueísta que coloca no outro polo o repugnante Sam, sabemos que o mote narrativo de “Deserto” tangencia um importante e atual argumento sociológico, mas se interessa muito mais pela ação sanguinária e pela violência exacerbada através da estilização visual e cênica que estabelece um clima opressivo e angustiante à medida que a ambição do assassino é posta em movimento. A determinação pessoal em exterminar os intrusos “forasteiros” encontra justificativas tanto na psicopatia de um sujeito solitário, desequilibrado e atraído pelo desejo violento de caça quanto na demonstração de um posicionamento ideológico enviesado e racista que também se traduz nas características físicas e no comportamento meio brucutu, escroto e selvagem. A direção de Jonás Cuarón ostenta um esmero cinematográfico de “encher os olhos” com sua composição narrativa fluída, evidenciando a condição opressiva e o ambiente hostil por meio de suntuosos planos abertos e panorâmicas sugestivas. A fotografia contemplativa e bela do deserto pode até soar contrastante em relação ao terror da perseguição, das mortes realistas e brutais, mas, por outro lado, acaba alimentando a sensação de horror angustiante da caçada, já que dificilmente num espaço tão vasto e aberto, as presas poderiam encontrar algum tipo de alívio ou refúgio. As sequencias de ação e tentativas de fuga são eletrizantes com alguns planos sequencias tensos que geram expectativas apreensivas e um desconforto perturbador aliado à trilha sonora oportuna e estrategicamente dosada nos momentos chaves. Este frenesi da ameaça é contrabalanceado, pelo menos, pela previsibilidade em relação ao destino do protagonista que a trama deixa claro que irá poupar, promovendo gradativamente seu valor, intrepidez, coragem e astúcia no decorrer dos acontecimentos. Jonás Cuarón constrói seu thriller de terror social investindo no poder das imagens, das aparências, dos gestos e expressões muito mais do que das palavras, secundarizada e econômica no filme (há pouquíssimos diálogos ou revelações consistentes dos personagens). Até mesmo a escolha dos atores vai ao encontro da proposta estética e estilística de “Deserto”, enxuta e visualmente grandiloquente, uma vez que os próprios atributos físicos e aparência do mexicano Gael García Bernal já comunicam por si só o estereótipo do bom moço, assim como o vilanesco Jeffrey Dean Morgan, rabugento e sinistro nos remete ao degenerado e maníaco Negan de “The Walking Dead, Frank Darabont”. No fim das contas, “Deserto” é um projeto bastante sóbrio e conciso no que se propõe, sem novidades ou surpresas estilísticas tão impactantes, mas seguro nos clichês de gênero que reedita, oportuno no argumento social que veicula, envolvente em seu ritmo narrativo e com uma cinematografia de “encher os olhos”.
Por: Ábine Fernando Silva
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