Direção: Wim Wenders
Roteiro: Win Wenders e Takuma Takasaki
Elenco principal: Kōji Yakusho, Tokio Emoto, Arisa Nakano, Aoi Yamada.
Disponível: MUBI
“Dias Perfeitos” de Wim Wenders acompanha a rotina de Hirayama (Kōji Yakusho), um homem simples de meia idade que atravessa seus dias limpando diligentemente os banheiros públicos em Tóquio, revelando sua paixão pelas plantas, pelos livros, pela música e pela fotografia, enquanto experimenta certas vivências profundas ao acaso e com aqueles com quem passa estabelecer algum vínculo afetivo. A trama tecida por Wenders rejeita logo de cara essa ideia de “reprodução” do cotidiano como fenômeno opressivo e alienante, desconstruindo gradativamente àquela perspectiva negativa de uma espécie de “maldição sísifica”, relacionada, sobretudo, ao valor simbólico e a condição “rebaixada” de um trabalho comum no interior da sociedade capitalista japonesa. É interessante como a obra propõe aqui a “repetição” da ação na intenção de revelar uma conexão mais intensa e significativa, até insuspeita, entre o protagonista e a própria existência, sugerindo, nesse processo, uma relação um tanto ritualizada e contemplativa que encontra ressonância não apenas em certos pressupostos do imaginário cultural nipônico, como também num tipo de sabedoria “zen” adquirida e cultivada. Wenders parece perseguir o sublime da experiência humana, contido no aparentemente banal, evidenciando um sentido pra vida e pra felicidade através desse “mosaico” de instantes emocionalmente intensos e edificantes. Nesse sentido, a profissão de faxineiro, normalmente alvo da invisibilidade e do desprezo, se investe de grandeza e importância porque é através do engajamento de Hirayama nessa atividade (disciplinada, cuidadosa e dedicada) que a vida parece pulsar. “Dias Perfeitos” não apela para um tipo de otimismo barato e romantizado sobre as dinâmicas da vida moderna e as relações sociais, ao contrário, são as percepções e sensibilidades de um sujeito cujo passado quase nada se sabe ou se revela que produzem esse efeito quase catártico a partir de uma conexão resiliente com uma série de momentos e situações inseridas nessa lógica da rotina. Nesse sentido, a estilística moderna e meio documental do diretor alemão tende a produzir tanto um efeito realista e poético de permanência reverenciosa, quanto de celebração da vida no agora, isto porque essa ênfase parcimoniosa na ação banal e na delicadeza dos gestos advém de uma decupagem mais intimista e de uma montagem na qual as elipses temporais criam novos sentidos e sensações a partir da própria repetição do cotidiano, embalado, muitas vezes, por uma trilha sentimental que curiosamente prescinde dessa nostalgia genérica presente em diversas produções atuais. A propósito, Wim Wenders se apropria muito bem da tradição do próprio cinema japonês que remete ao “conflito de gerações”, aproveitando diversos elementos de um passado retro (as fitas cassetes, a câmera fotográfica, os livros, etc.) como uma espécie de recurso lírico e narrativo que permite evidenciar a personalidade e a essência do protagonista, rejeitando, por outro lado, um saudosismo romantizado. Não se trata aqui, necessariamente, de um enaltecimento do passado, mas, talvez sim, de uma atitude e de um modo de estar no mundo que implica uma relação mais profunda e permanente com as coisas, muito embora, a ideia de “passagem do tempo” e de “transitoriedade” esteja presente no filme enquanto fenômenos que inevitavelmente desestabilizam e reconfiguram a própria realidade. Mesmo havendo repetição e rotina, nada permanece igual, e o ato de envelhecer significa, sob certo prisma, ter que “aceitar” e “lidar” como uma série de transformações bruscas e intensas que podem ser mitigadas no fulcro dessa relação mais genuína, espontânea e contemplativa com a vida e a arte.
Nota: 10 / 10
Por: Ábine Fernando Silva
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