Direção: Hal Ashby
Roteiro: Colin Higgins
Elenco principal: Ruth Gordon, Bud Cort, Vivian Pickles, Charles Tyner, G. Wood.
Promovido algumas décadas seguintes à categoria de “cult-movie”, “Ensina-me a Viver” do norte-americano Hal Ashby não obteve lá muito prestígio a época de seu lançamento em 1971 e tudo leva a crer que a tentativa ousada do filme em desenvolver sua tese inicial ancorada na morbidez existencial cômica do jovem protagonista Harold (Bud Cort) subvertida em seguida pelo vínculo amoroso anticonvencional com a simpática idosa Maude (Ruth Gordon) não agradaram muito a uma parte considerável do público, provavelmente aquele mais conservador, incomodado com a inaudita relação afetiva, encarada como tabu, mas que se invertida a lógica das idades e dos sexos pouco chocaria certa mentalidade cultural e machista. Harold, um garoto rico e infeliz vive numa grande mansão com a mãe, mergulhado num tédio avassalador e num desinteresse exorbitante pela vida. O adolescente insiste em pregar peças bizarras e escatológicas na mãe simulando constantemente suicídios violentos, além de perambular por ai acompanhando velórios e enterros pelos cemitérios das redondezas. Ao conhecer a “embusteira” e alegre velhinha Maude, a vida do rapaz se transforma e uma conexão afetiva rapidamente se estabelece, trazendo um novo folego de vida e esperança ao depressivo rapaz que junto com sua inusitada companheira passa a experimentar aventuras hilárias e momentos inesquecíveis. O roteiro de Colin Higgins explora um humor ácido e macabro apresentando ao expectador um protagonista adolescente extremamente desiludido, pessimista e indiferente com seu mundo e com a existência, cujo desejo e a inclinação para a morte são constantemente expressos em sua rotina e ações, fatores intrigantes nos momentos iniciais do primeiro ato já que o texto do filme protela até certo ponto e estrategicamente os motivos ou as possíveis justificativas para um comportamento tão sombrio e sinistro em um sujeito ainda muito jovem. À medida que a trama progride, o estranhamento e o choque dão lugar à compreensão das manifestações de uma personalidade em depressão, carente de atenção e escuta, e que recorre à espetacularização simulada de uma série de suicídios violentos, gesto que soa como uma espécie de pedido de socorro inconsciente. A construção do personagem de Bud Cort permite esta leitura do desespero, da solidão e da desorientação a partir de algumas revelações feitas ao decorrer do filme como o traumático e precoce falecimento do pai e a atitude distante, fútil e pouco sincera da mãe, preocupada muito mais com os serões da alta classe, em preservar a boa imagem da família e escolher por conta própria o destino profissional e amoroso do filho. O vazio e a desilusão a qual Harold se encontra mergulhado parece possuir refúgio não apenas no modo de vida artificial e hipócrita próprio de sua classe abastada, como também em certa afetividade fria e problemática com a mãe. Já do outro lado, a personagem de Ruth Gordon desponta no enredo de forma um tanto caricata e exagerada, porém, conforme a relação com o jovem se solidifica, a química da interação tornam as atitudes e os comportamentos da velhinha mais espontâneos e naturais, fisgando de vez pelo carisma, a identificação e a admiração do público.
A intensidade, o otimismo e a leveza com que Maude lida com a realidade acabam impactando profundamente o mórbido rapaz, muito embora a obsessiva e paradoxal ideia fixa de morte acompanhe a irradiante e engraçada senhora, convicta de que tudo teria um fim ao completar seus 80 anos. Higgins desenvolve a dinâmica da inusitada dupla apostando na construção de muitos momentos emotivos e cômicos, alguns deles pouco factíveis, porém, nada que o público não releve, além de destacar em demasia nas falas da idosa um otimismo propositivo em relação à vida que tende a soar expositivo e professoral, apelo desnecessário uma vez que o roteiro consegue costurar de forma coesa e verossímil a história de amor, amizade e consequentemente estruturar o impacto inspirador da personagem de Gordon. O envolvimento carnal e o sexo são tratados como consequência direta da expressão sentimental sincera e da paixão, jamais parecendo apelativo ou vulgar, acompanhando o fluxo dramático da narrativa, muito embora, a “proibida” relação afetiva e íntima dos protagonistas possa sugerir o complexo de Édipo mal resolvido da teoria freudiana, levando a crer que o adolescente se entrega à experiente amiga projetando nela as carências emocionais oriundas da ausência da mãe, aspecto apontado pelo próprio psicanalista do jovem em dado momento da trama. A mensagem clara e confiante sobre a importância da superação dos problemas da existência, da valorização da vida e de estar no mundo, da auto aceitação e da liberdade, alinhadas ao espírito rebelde e transgressor da contracultura a época, manifesta-se no modo como o enredo não só comunica as influencias de Maude sobre Harold, como também as justifica nas atitudes de uma mulher cuja terrível experiência pregressa num campo de concentração nazista fez emergir uma incrível capacidade de se reinventar enquanto ser humano e seguir em frente, evidência sutilmente disposta no “plot” da cena em que o rapaz e os expectadores descobrem a famigerada tatuagem numérica impressa no braço da nobre anciã e que remete aos campos de concentração nazista.Hal Ashby recorre ao humor cáustico em grande parte do primeiro ato, a princípio confundindo e intrigando o público em relação às reais intenções do jovem protagonista, propenso a jogos mórbidos e suicidas, constantemente repetidos e indigestos. A atmosfera sinistra e incomoda cede espaço à leveza e ao desprendimento cômico quando a enérgica velhinha entra em cena, tornando a trama mais sensível, alegre e divertida, mas sem perder do horizonte seu aspecto melancólico que ganha corpo no compasso da revelação íntima dos traumas e sofrimentos de Harold. A direção utiliza uma cinematografia sensível e apurada na composição dos planos, muito bem alinhados à exigência diversificada do drama, cobrindo os espaços abertos com belos enquadramentos amplos e solenes, aproximando a câmera dos personagens na medida certa para registrar com eficácia os efeitos dramáticos, principalmente àqueles produzidos pelas excelentes performances de Bud Cort e Ruth Gordon. O filme articula um ritmo dinâmico, aprazível e a montagem dá conta de satisfazer a proposta sensível das oscilações do tom narrativo, aproveitando inclusive as canções assertivas e inspiradoras de Cat Stevens como oportunos interlúdios entre as cenas, com destaque para “Don’t Be Shy” e “If You Want To Sing Out, Sing Out”, especialmente compostas para o longa. “Ensina-me a Viver” é um sopro de alegria e esperança em tempos difíceis e caóticos, uma espécie de lição sobre superação, homenagem à vida e sua incrível possibilidade redentora ao alcance de qualquer ser humano.
Por: Ábine Fernando Silva