Direção: Neil Jordan
Roteiro: Anne Rice
Elenco principal: Brad Pitt, Tom Cruise, Kirsten Dunst, Antonio Banderas, Stephen Rea, Christian Slater, Thandie Newton
Adaptação do romance homônimo da escritora norte-americana Anne Rice“Entrevista com o Vampiro” condensa à sua cinematografia exuberante e perfeccionista um elenco hollywoodiano de renome para contar uma história de memórias, irônica e melancólica que explora o universo cultural vampiresco por meio do conflito moral do atormentado protagonista Louis de Pointe du Lac (Brad Pitt), criatura cuja metamorfose existencial encarna a negação repugnante da própria necessidade vital, imbuindo-o de um sentimento humano que o faz não suportar o peso da passagem do tempo e de suas transformações inerentes, encontrando numa espécie de confidência íntima ao repórter Daniel Malloy (Christian Slater) um raro momento para expurgar seus demônios internos, num relato repleto de tormentos, contradições, mágoas e auto-reflexão. Desolado por dois séculos de uma existência triste e indiferente Louis resolve contar sua história de vida ao atrevido biógrafo/repórter Malloy que inicia as gravações da curiosa entrevista ao passo que o expectador é conduzido à pulsante New Orleans escravocrata e senhorial dos fins do século XVIII. Narra-se a gênese vampiresca do protagonista após a trágica morte da esposa e da filha vítimas de uma peste, suas dificuldades psicológicas e emocionais em se adaptar às condições biológicas e sociais completamente novas, assim como sua turbulenta e ambígua relação de amizade com o sarcástico predador Lestat de Lioncourt (Tom Cruise), responsável por transformá-lo, guia e mentor numa realidade completamente sombria, sorrateira, sensual e traiçoeira. Além disso, Louis revela sua devoção sincera à pequena Claudia (Kirsten Dunst), transbordante de um remorso compensatório ao “adotá-la” como pupila, logo depois da menina perder a mãe de forma cruel e o emotivo vampiro não conseguir “banquetear-se” do sangue da pobrezinha. O roteiro da própria escritora Anne Rice aposta na dramaticidade e no estudo de personagens, numa sutileza ambígua do jogo de relações que se estabelece entre estes seres sugadores de sangue e seus dilemas. Há um sarcasmo mordaz que arrefece o drama do personagem de Brad Pitt advindo não só de sua condição inexorável, mas, sobretudo, da contundência irônica, experiente e extravagante de Lestat que desestabiliza o pobre amigo cheio de boas intenções. A negação da natureza hostil atraída e motivada para a lascívia, o engodo, a mentira e a predação funcionam como um elemento “tragicômico”, já que o ato de auto-anulação do protagonista, abordado como ingenuidade romântica, fraqueza e exagero sentimental não só resulta numa incoerência existencial absurda como inevitavelmente em aniquilação, percepção que, no entanto, para o erudito vampiro Armand (Antonio Banderas) traduz um alinhamento, identidade e adaptação à modernidade pretensamente humanista e civilizada. A trama desenvolve com maestria um personagem em constante perturbação interna, fruto de seu suposto “elevado” senso de humanidade e princípios morais, um sujeito amargurado, propenso à depressão, arredio e inconformado com a inusitada “transformação” involuntária. Já o canastrão sanguessuga vivido por Tom Cruise é o oposto de seu tristonho “discípulo”, mergulhado num frenesi libidinoso e voraz que aproveita a imortalidade e a juventude como um fim em si mesmo.
A latente atração sensual entre Lestat, Louis e a pequena Claudia (algumas cenas estão repletas de intimidade pedófila) ratificam as sutilezas de um roteiro bem construído, mas também de uma direção inteligente, sutil, provocativa, preocupada em retratar a intensidade expressiva das emoções, olhares, gestos e maneirismos, articulando uma atmosfera atraente e proibida que envolve o público suscitando limites e sugerindo tabus. Até mesmo a cumplicidade do atormentado entrevistado com seu interlocutor biógrafo acontece por meio de certa atração homossexual implícita, identificação e desejo de união. Neil Jordan se vale de uma estratégia narrativa que transforma o drama em engodo, dizendo e contradizendo, inclusive quando trata o antagonista Lestat com certo repúdio, mas legitima sua astúcia, sagacidade e experiência de vida. “Entrevista com o Vampiro” apresenta um design de produção que salta aos olhos com cenários ricos e imersivos de uma Nova Orleans dos fins do século XVIII, cujos ambientes internos e externos neoclássicos de construções senhoriais ostentam uma grandeza enigmática e atmosférica. A fotografia fria do filme, o trabalho de iluminação e os enquadramentos e ângulos opulentos fortalecem a áurea vampiresca, assim como o figurino e as maquiagens perfeccionistas endossam a aparência pálida, cadavérica, mas exótica dos notívagos bebedores de sangue, além da montagem harmônica alternar com fluidez passado e presente narrativos. No que se refere às interpretações, levando em consideração a constelação hollywoodiana do longa, o personagem de Brad Pitt parece forçar um pouco uma inocência sexy e caricaturar demais Louis, porém, nada que atrapalhe, já que sua expressividade exagerada alimenta a ironia. Tom Cruise surpreende na desenvoltura irreverente, na sagacidade altiva e na malícia e a pequena Kirsten Dunst exala talento como a vampirinha sensível, intempestiva, possessiva e sedutora. Antonio Baderas embora tenha pouquíssimo tempo de tela, também merece menção ao viver o líder do Teatro de Vampiros, sujeito maduro e cerebral que se atrai pelo inquieto e melancólico protagonista. “Entrevista com o Vampiro” poderia estruturar-se como um grande drama pessoal do “mocinho” Louis, mas mobiliza a perspicácia e o humor ácido do “vilão” Lestat, para legitimar a tese da aceitação essencial do mal, tornando as interpretações das lamúrias do entrevistado a Malloy “um choro de criança ingênua”, que foge de si mesmo e não percebe a tolice de tal circunstancia. É como se a auto condoída criatura se permitisse narrar angustiosas experiências como o desabafo de um “incompreendido” (inclusive pelo próprio repórter), cujos novos tempos com suas transformações históricas e sociais, não cumprissem as promessas auspiciosas, mas interesseiras de Armand. Os homens são os homens, independente dos tempos e das eras, ainda mais em se tratando de sobrevivência.
Por: Ábine Fernando Silva
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