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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Filme: O Lagosta (2015)

Atualizado: 9 de jan. de 2023

Direção: Yorgos Lanthimos

Roteiro: Yorgos Lanthimos e Efthymis Filippou

Elenco principal: Colin Farrell, Rachel Weisz, Jessica Barden, Olivia Colman, Ashley Jensen, John C. Reilly, Léa Seydoux, Ben Whishaw, Angeliki Papoulia e Ariane Labed.

Rachel Weisz e Colin Farrell em "O Lagosta" de Yorgos Lanthimos

Distopia alegórica e cínica sobre a condição humana em sociedade, “O Lagosta” do grego Yorgos Lanthimos lança mão de uma narrativa metafórica, provocativa e indigesta para refletir, entre outras coisas, o controle do Estado sobre o indivíduo, a imposição cultural da coletividade, a ausência de liberdade, a institucionalização da violência, a solidão e os relacionamentos, com destaque para a temática do “matrimonio”, espécie de elemento definidor de todos os outros conflitos da trama. Após o fim do casamento, David (Colin Farrell) é compulsivamente enviado a um “resort” ou “hotel” cuja função consiste em promover uma série de eventos e atividades para unir em matrimonio seus hóspedes (perseguindo afinidades e identificações). A partir deste contexto social inexorável, tanto homens quanto mulheres precisam encontrar um parceiro ou parceira ideal (não importa o gênero) dentro do prazo de 45 dias, caso contrário, o destino é a metamorfose irreversível em algum animal a escolha do “felizardo”. O desalentado David incapaz de se adaptar às exigências do hotel e depois de fracassar na união com a “mulher sem coração” (Angeliki Papoulia) foge para o território dos “solitários” onde conhece e apaixona-se pela “mulher míope” (Rachel Weisz), descobrindo que seus problemas e desventuras estariam longe de terminar. O roteiro do próprio Yorgos Lanthimos em parceria com Efthymis Filippou não se incomoda nem um pouco em desestabilizar e provocar o espectador com um enredo “estranho” e “kafkiano”, pouco propenso a princípio em elucidar a lógica do universo narrativo apresentado que por si só vai se justificando, à medida que o quebra-cabeça daquela realidade se estrutura na mente do público, fator intrigante e estimulante ao mesmo tempo. Desenvolve-se uma trama repleta de humor cáustico e ironia em relação à vida em sociedade, suas regras absurdas e valores que “oprimem” o sujeito, impossibilitado de se rebelar contra elas ou simplesmente alienado num estado de aceitação passiva e irrefletida. O argumento da “imposição matrimonial”, gatilho dos infortúnios enfrentados pelo personagem de Colin Farrell constitui uma crítica mordaz à força de lei dos costumes para a coletividade, funcionando como microcosmo de uma série de outras determinações que de certa forma limitam as escolhas humanas, deprimem e escravizam as pessoas, qualificando-as e julgando-as de acordo com a relevância do sucesso obtido (ter ou não uma casa própria, ter ou não um automóvel, ser ou não bem sucedido, etc.). “O Lagosta” apresenta de um lado, um sistema dominante que se mantém por meio da banalidade e da conveniência da tradição dos casamentos, excluindo e punindo qualquer opção sincera ou livre de estar sozinho/a e de encontrar o tempo certo e a pessoa certa para se dividir a vida. Não há subterfúgios, já que no outro polo, entre os marginalizados “solitários”, prevalece um controle severo com a lei da proibição das relações amorosas que caso ocorram, outro castigo perverso e desumano também é aplicado. Desta forma, o protagonista experimenta duas condições bastante duras, cruéis e autoritárias, fazendo emergir uma reflexão assaz pessimista e sombria acerca da dinâmica da vida em sociedade, longe de proporcionar a verdadeira felicidade e bem-estar, sugerindo no fim das contas, o “individualismo”, a crença nos próprios sentimentos e anseios pessoais como saída destas duas alternativas ou “grilhões” existenciais (há aqui uma alusão repulsiva aos extremismos ideológicos tão em voga em nossos tempos). Portanto, o que se “salvaria” num mundo cruel e tirânico é o amor, pelo menos esta é a mensagem que se pode deduzir com algum otimismo ao final de “O Lagosta” (não se sabe se David fura realmente os olhos para igualar-se a sua companheira).


John C. Reilly, Ben Whishaw e Colin Farrell contracenam em "O Lagosta"

Yorgos Lanthimos articula uma atmosfera pessimista, intencionalmente absurda e sarcástica ao explorar um universo estranho, violento e opressor, interessando-se pelo excesso dos personagens, suas excentricidades e exageros comportamentais. A fotografia melancólica e cínica de Thimios Bakatakis capta o drama do protagonista utilizando oportunamente uma paleta de cores frias (cinza e azul escuro) em consonância com o tom vazio e desalentador do enredo. O foco de Lanthimos na caricatura, na singularidade e nas ações exageradas de figuras humanas incomuns comunica o elemento títere, a inautenticidade, a inconsciência e a disposição em seguir as regras, algumas vezes, contraditas pelo próprio sofrimento íntimo e por pequenas transgressões secretas. O filme articula uma gama significativa de metáforas visuais relacionadas, sobretudo, aos animais que aludem aos personagens inseridos numa lógica surrealista e bizarra, estando sujeitos a uma condição que embora ridícula e engraçada, contém incondicionalmente o amargor da desesperança e da tragédia, evidenciada em certas cenas com o uso de uma trilha clássica solene e cínica. Ora, todo este sarcasmo da direção que tira o expectador da zona de conforto é alcançado com perspicácia na medida certa graças também à performance dramática de um elenco versátil, talentoso e experiente composto por nomes como Olivia Colman (gerente do hotel), John C. Reilly (o homem que ceceia), Jessica Barden (a garota com hemorragia nasal) e Léa Seydoux (líder solitária). Destaque para Colin Farrell que dá vida ao introspectivo e melancólico David, personagem que se rebela contra o sistema, pondo em risco a própria vida para seguir seus extintos e seu coração. Por último, Rachel Weisz interpreta a “mulher míope”, narradora da história e integrante dos “solitários”, cujo romance com o protagonista lhe custa à punição com a cegueira, obstáculo que não lhe impede o sacrifício de viver um grande amor. O longa de Yorgos Lanthimos tem força e substancia suficientes para propor reflexões e debates profícuos sobre muitos aspectos sociais e antropológicos de nossa contemporaneidade. Nada como algumas revisitas generosas para habituar-se aos pormenores da estilística metafórica, irônica e provocadora do inconfundível cineasta grego.


Por: Ábine Fernando Silva

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