Direção: Harold Ramis
Roteiro: John Hughes/ Harold Ramis e Chevy Chase (não creditados).
Elenco principal: Chevy Chase (Clark Griswold), Beverly D'Angelo (Ellen Griswold), Imogene Coca (Tia Edna), Anthony Michael Hall (Rusty Griswold), Dana Barron (Audrey Griswold).
“Férias Frustradas” talvez tenha sido um dos filmes de comédia mais assistidos e queridos do grande público brasileiro durante os anos de 90, dado seu enredo simpaticamente hilário e exibição exaustiva na programação de filmes do SBT a época. Analisar, portanto, uma obra cuja memória afetiva tende a interferir num julgamento justo e sincero não é uma tarefa tão simples, embora a experiência de ver novamente a obra de Harold Ramis, após tantos anos, tenha me proporcionado uma boa dose de diversão e risadas. Através de uma premissa simples e banal, centrada na figura de Clark Griswold (Chevy Chase) que resolve cruzar o país de carro com a família (saindo de Chicago até a Califórnia) para chegar até o parque de diversões “Walley World”, o longa se desenvolve aproveitando o próprio percurso de automóvel pelas estradas e cartões postais americanos, assim como por hotéis e casa de parentes, sempre suscitando o humor gratuito e espontâneo, resultado de enrascadas, mal-entendidos ou babaquices ingênuas perpetradas pelos Griswold, especialmente por Clark, sujeito presunçoso e metido a sabichão, cheio de pose e que constantemente se dá mal, tamanha incapacidade de julgar com maturidade e sensatez os acontecimentos a sua volta. “Férias Frustradas” é um grande road-movie de humor escrachado centrado numa família de classe média americana que encontra numa viagem de carro, longa e aventuresca, a oportunidade ideal para passarem mais tempo juntos, haja vista a suposta ameaça de desintegração afetiva, resultado do trabalho que consome e absorve o patriarca. Ora, as supostas boas intenções do protagonista que convence sua esposa Ellen Griswold (Beverly D'Angelo) e os filhos, Rusty (Anthony Michael Hall) e Audrey (Dana Barron) a cruzar o país da forma mais demorada e proveitosa, são sarcasticamente contraditas por sua própria postura extremamente cínica, sacana e desleal que da mesma forma que provoca o riso fácil, também revela a hipocrisia que alimenta o símbolo do provedor e chefe de família, o arquetípico estadunidense padrão. Desta forma, uma série de situações hilárias são desencadeadas, seja pelas imbecilidades espontâneas de Clark e seu caráter assumidamente idiota ou por sua tacanha postura ingênua em relação ao mundo e a realidade. O roteiro do filme (creditado exclusivamente a John Hughes) intensifica a comédia entregando-a em pequenas porções, construindo-a sequencialmente a cada momento, lugar ou situação, deixando pistas de que talvez a opção de viagem levada a cabo por Clark tenha sido uma péssima ideia (logo no começo do filme, há uma cena em que as crianças jogando Pac-Man interferem no roteiro virtual da viagem construído pelo pai e exposto na tela da televisão, fazendo o icônico personagem do game perseguir o carro da família, querendo devorá-lo). Além disso, há uma insistente abordagem dos desejos e fantasias sexuais masculinas, muito comum nos filmes oitentistas do gênero, bastante estereotipadas e corriqueiras sendo transformadas em peças de humor (o filme não se abstém em explorar uma sensualidade intencionalmente caricata). Um contratempo atrás do outro vai frustrando de fato aquelas férias, cada vez mais longe de seu objetivo final, principalmente quando os Griswold resolvem dar carona para a rabugenta tia Edna (Imogene Coca) e seu cão (morto após Clark o esquecer preso pela coleira no para-choque traseiro do veículo). Não obstante, a velhinha falece repentinamente, pondo em cheque todo projeto turístico da família e "escancarando" de vez a mesquinhez e o egoísmo do patriarca que chega a propor para a mulher e filhos, o abandono do corpo da pobre vovó na beira da estrada.
Como se não bastasse, ao final da trama, sem ao menos saber que Walley World estava fechado, Clark toma como reféns, com um revólver de brinquedo, os guardas do parque, numa tentativa insana de recompensa e diversão pelos dissabores do trajeto. Portanto, uma das motivações mais evidentes do enredo do filme é não medir esforços para retratar com deboche um sujeito pretensamente exemplar, entregando a trama um sabor irônico, numa crítica disfarçada, mas cruel. Harold Ramis imprime ritmo envolvente a sua narrativa, extraindo o melhor das interações, gestos e diálogos impertinentes dos personagens, desconstruindo com sarcasmo o conceito de família padrão de classe média, estimulando a diversão e o riso com uma atmosfera burlesca, inconveniente e politicamente incorreta, principalmente do personagem vivido por Chevy Chase (parte especificamente dele a ideia de visitar o genérico da Disney World). O filme apresenta uma montagem fluída, modulando os eventos engraçados com uma precisão e chamando tanto a atenção para si que dificilmente o interesse do público se perde ou diminui. Soma-se a isto, o estratégico uso de uma trilha sonora que possui sinergia absoluta com cada sequência narrativa, condicionando a atmosfera e embalando a história (como não se lembrar da canção tema que gruda igual chiclete: “Holiday Word” de Lindsay Buckingham?). O design de produção aproveita pontos turísticos e locações reais da paisagem americana, ensejando belas fotografias panorâmicas que estimulam àquela sensação aventureira. Além disso, como não mencionar o Ford Country Squire 1966 cortando as estradas como testemunha mais do que íntima das peripécias dos Griswold, praticamente como um membro da família, confundido como objeto de promoção do lazer (a princípio indesejado) e sentindo na "pele" (no caso, na lataria) os dissabores e intempéries dessas férias frustradas. Agora, se tem uma coisa que “Férias Frustradas” desenvolve com eficiência, certamente é o carisma de seus personagens que mesmo imbecilizados, cheio de contradições e gestos reprováveis acabam fisgando a simpatia e o carinho do espectador. Chavy Chase e seu talento caricatural, desengonçado e “canastrão” oferece um espetáculo de trapalhadas e idiotices na pele de um palerma tão presunçoso e seguro de si, ainda que tudo ao seu redor prove o contrário. Beverly D'Angelo interpreta a personagem mais genuína e sincera do filme, espécie de ponto de equilíbrio da família, revelando os excessos do marido e, às vezes, consentindo com suas bizarrices. Embora o jovem Anthony Michael Hall tenha um tempo de tela discreto, cabe destacar sua espontaneidade e simpatia na pele do filho nerd, meio ingênuo e imbecilizado dos Griswold, assim como o carisma de Dana Barron também chama à atenção como a caçula Audrey, cuja personalidade madura e realista espelha um pouco a própria mãe.“Férias Frustradas” ainda mantém todo seu charme irreverente, calcado num humor ousado, fácil e natural, talvez um tanto fora de tom para o politicamente correto de nossos tempos, nada que um breve choque de nostalgia não resolva em nome da diversão.
Por: Ábine Fernando Silva