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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Godzilla (1954)

Direção: Ishirō Honda

Roteiro: Ishirō Honda e Takeo Murata

Elenco principal: Haruo Nakajima, Akira Takarada, Momoko Kōchi, Akihiko Hirata, Takashi Shimura.

Primeiro longa de Godzilla (interpretado por Haruo Nakajima) de Ishirõ Honda

Produzido e lançado em menos de uma década pós Segunda Grande Guerra, “Godzilla” de Ishirô Honda absorve toda a atmosfera sombria e apocalíptica do turbulento contexto histórico ainda mais adensado pelas tensões internacionais da Guerra Fria e seu iminente potencial bélico auto destrutivo representado pela ameaça nuclear. O réptil pré-histórico e colossal convertido em metáfora do horror e da desgraça coletiva frente às catástrofes naturais recorrentes e a detonação da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki conquistou as multidões ao longo do tempo, povoando o imaginário popular para além das fronteiras do Japão, assim como ocorreu a Kong, seu antecessor Ocidental, tornando-se um fenômeno cultural de massas e destacando-se no interior de uma tradição de filmes de monstros, amplamente explorada e difundida no decorrer dos anos de 1950. Após uma série de naufrágios aparentemente inexplicáveis na costa japonesa, as autoridades locais desnorteadas não encontram muitas respostas até que uma criatura imensa de aproximadamente cinquenta metros emerge do fundo do mar espalhando pânico e destruição. O paleontólogo Kyôhei Yamane (Takashi Shimura) na companhia da filha Emiko (Momoko Kōchi) revelam à sociedade a natureza e o potencial do pré-histórico “Gojira” (Haruo Nakajima) biologicamente modificado e trazido à luz devido ao resultado das próprias ações humanas inconsequentes. Enquanto os japoneses enfrentam difíceis dilemas e desafios de sobrevivência, o Dr. Daisuke Serizawa (Akihiko Hirata), antigo assistente e ex genro do professor Yamane desenvolve uma arma letal e perigosa capaz de finalmente conter a ameaça. A trama assinada pelo próprio Honda e por Takeo Murata aposta numa espécie de abordagem dramática intensa da convulsão coletiva voltada ao enfrentamento de um tipo de ameaça externa de grandes proporções, protelando consideravelmente a revelação da real natureza do perigo e envolvendo os personagens numa vertigem disciplinada bastante orientada e que simboliza muito o modo como os japoneses historicamente lidaram com as intempéries de um território naturalmente hostil e com o bombardeio americano na Segunda Guerra Mundial. Assim como acontece em “King Kong” de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, a letalidade e a ira inclemente da criatura selvagem sobre a civilização representa uma resposta reativa inevitável da própria natureza contra os desmandos predatórios, antiéticos e antiecológicos do homem moderno, uma vez que os testes com a bomba H feitos no Pacífico permitiram não só que o pré-histórico “Gojira” (nome japonês) sofresse uma série de mutações convertendo-se num disseminador de radiação, como também escapasse de seu desconhecido habitat no interior da fossa submarina para se vingar dos japoneses na superfície. O roteiro de “Godzilla” orienta seu primeiro ato nos esforços investigativos do professor Yamane para compreender e explicar cientificamente à coletividade o teor do pesadelo titânico trazido à tona, inclusive, chamando à atenção, ainda que de forma discreta, para a importância da busca de uma solução consciente voltada à preservação daquele exemplar raro da espécie, algo evidentemente rechaçado pelas autoridades governamentais não muito propensas a explicar publicamente seu envolvimento nos verdadeiros motivos da insurgência daquela desgraça e engajadas única e exclusivamente numa missão de eliminação.

Momoko Kōchi, Akihiko Hirata, Takashi Shimura e Akira Takarada em cena de Godzilla.

O segundo ato investe na fúria avassaladora do monstro sobre espaço urbano, concentrando-se em abordar as providencias institucionais, assim como registrar a turbulência e o horror coletivo, muito embora, todo o caos da destruição que se descortina não ofusque a capacidade insistente e disciplinada de um povo forjado nas experiências das catástrofes. Já o ato final explora a caricatura heróica do atormentado e recluso Dr. Serizawa, cujo experimento capaz de dar cabo de Godzilla traz consigo novamente o peso nefasto das consequências do uso irresponsável de uma tecnologia letal para a raça humana, numa referência histórica direta aos desdobramentos do “Projeto Manhattan” e a concepção da bomba atômica. O longa japonês escancara suas intenções pacifistas em forma de alerta propondo abertamente o abandono das pesquisas e dos testes nucleares e chamando à atenção para a importância do cientista como figura de poder não isenta dos impactos de todo conhecimento que produz. O sacrifício do personagem de Akihiko Hirata parece simbolizar um freio às pretensões bélicas e seus efeitos inevitavelmente trágicos sobre a vida no planeta. A força dramática do filme de Ishirô Honda não está na construção dos personagens humanos e seus respectivos arcos que parecem servir mais aos interesses da espetacularização devastadora do réptil gigantesco, haja vista o tratamento raso no plano das representações e das interações, a maioria delas tipificadas e genéricas, entrecortadas com frequência por frases de efeitos. O diretor japonês articula uma atmosfera tensa e apreensiva disposta numa estilística regida pela turbulência e pelo alvoroço dos espaços coletivos reagindo à ameaça: as instalações da marinha, o salão de audiência pública, o vilarejo de pescadores, a redação da imprensa, o metro e, sobretudo, o meio urbano, palco da devastação orquestrada pela criatura. Ora, o frenesi coletivo que dá tônica ao filme irrompe numa montagem atropelada e frenética num primeiro momento, gerando alguma desestabilização e desconforto, nada que não se harmonize na sequência dos eventos. A espetacularização do caos destrutivo que alcança patamares épicos na trilha sinistra de Akira Ifukube açambarca também o terror individual, às vezes, captado em planos mais fechados e sublinhando reações exageradas e teatralizadas, o que remete automaticamente ao clássico “King Kong” da RKO. Não obstante, Honda não perde de vista as proporções megalômanas do pandemônio urbano causado pelo rastro do Godzilla pisoteando construções e veículos, pondo edificações a baixo e espalhando seu infernal bafo radioativo, tudo conduzido através de soluções estéticas criativas, considerando-se os recursos e efeitos técnicos ao alcance na época (uso de maquetes, objetos de brinquedos e Nakajima sob a fantasia do monstro). O impacto cultural e a relevância cinematográfica do “Godzilla” de Ishiro Honda permanecem incontestes, não só como expressão histórica de uma época, mas, sobretudo, como entretenimento de massa que rejeita o escapismo de um trauma real através de pertinentes reflexões sociológicas.


Por: Ábine Fernando Silva

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