Direção: Randal Kleiser
Roteiro: Bronte Woodard
Elenco principal: John Travolta, Olivia Newton-John, Stockard Channing, Jeff Conaway, Barry Pearl, Michael Tucci, Kelly Ward, Didi Conn, Dinah Manoff, Susan Buckner, Jamie Donnelly.
Um dos musicais mais influentes e bem sucedidos da História do Cinema, "Grease: Nos Tempos da Brilhantina” remete às experiências e memórias juvenis da dupla Jim Jacobs e Warren Casey, responsáveis pela criação original do sucesso teatral de 1971, primeiro em Chicago, depois na Broadway em 1972. O roteiro para o filme de 1978 teve tratamento suavizado nas mãos Bronte Woodard, muito diferente da ousadia selvagem das versões dos palcos, mudança que, no entanto, só serviu para turbinar ainda mais a popularidade que consagrou de vez a narrativa centrada no bad boy Danny Zuko (John Travolta) e em sua romântica namorada Sandy Olsson (Olivia Newton-John). O enredo um tanto genérico de “Grease: Nos Tempos da Brilhantina” reedita os estereótipos das histórias românticas que focam numa juventude rock and roll dos anos 50, rebelde, apaixonada e divertida, atribuindo-lhes uma energia musical contagiante e exercendo um fascínio cativante por estilos visuais atraentes, comportamentos transgressores e subversão de valores. Após retornar das inesquecíveis férias de verão (onde conheceu Sandy, seu amor de verdade), Dany reencontra os T-Birds, sua famigerada gangue colegial, retomando a rotina estudantil na badalada Rydell High School sem perder a pose de vilão, é claro. O que o valentão não contava era saber que seu inesquecível caso praieiro estaria agora frequentando o mesmo colégio que ele, o que poderia trazer à luz revelações insuspeitas sobre um lado meigo pouco conhecido do bad boy, ameaçando sua reputação e popularidade. A partir daí, inicia-se o conflito íntimo do jovem líder dos T- Birds que ama a patricinha e recatada novata, mas não quer abrir mão, pelo menos não a princípio, da fama de durão e insensível. Sandy por sua vez, extremamente chocada com a atitude imbecil de Dany, parte logo para outra, mas seu coração ainda pulsa naquele doce sonho de verão. Como a atração entre os “opostos” é tão inevitável quanto combinação perfeita, o “rude” garotão e a meiga garotinha transformada acertam as arestas, esquecem as diferenças e decepções recentes e resolvem viver um grande amor. O roteiro de Bronte Woodard segue o fluxo de uma realidade juvenil inquieta e transgressora, disposta a destruir os tabus da geração passada. Neste sentido, a proposta de “Grease: Nos Tempos da Brilhantina” mergulha na efervescente cultura jovem norte-americana pós Segunda Guerra Mundial, embalada pelo rock, os drive-ins, os fast food e a tendência delinquente bastante em voga, expressa pelas gangues de arruaceiros adolescentes, cuja ameaça ingênua traduzia-se muito mais nos figurinos provocantes, nos jeans surrados, nas jaquetas de couro e nos penteados com topetes, a base de muita brilhantina. A rebeldia do visual, acompanhada da veneração masculina pelos possantes (Ford Mercury, por exemplo) não escondia as fragilidades, inseguranças e medos de parte de uma geração que passou a abusar do álcool, do tabaco, das drogas ilícitas e, sobretudo, da liberdade sexual, um dos temas mais emblemáticos do filme de Randal Kleiser. Um dos méritos do roteiro de Woodard é justamente tratar de questões tão viscerais e caras ao conservadorismo ocidental, amenizando-as com peças musicais simpáticas, alegres e cheias de uma energia que camuflam qualquer indigestão retórica de censura.
A partir disto, o musical que reconstrói com pompa e romantismo o universo mítico de duas décadas anteriores já eternizado nas telas através da icônica imagem de James Dean em “Juventude Transviada", 1955 de Nicholas Ray consegue despistar o espectador que embora compreenda a seriedade e a importância das questões envolvidas no cotidiano dos T-Birds e do grupo de Sandy e suas descoladas amigas (bem mais desinibidas do que a moça) jamais reflete seriamente sobre elas, devido à dinâmica dramática que transforma os conflitos, dilemas e os problemas da realidade social em elementos que a cinematografia vibrante desanuvia e os personagens facilmente manipulam com simpatia, jogo de cintura, carisma e energia coletiva. Sendo assim, a rixa entre gangues tem tratamento leve, assim como a zombaria geral das garotas em relação à virgindade da protagonista pode passar batido pra muita gente, da mesma forma que a trama contorna com despretensão o sofrimento da jovem Batty Rizzo (Stockard Channing) que acreditava estar grávida porque decidiu transar sem preservativo. A metamorfose da recatada patricinha numa “bad girl” empoderada, provocativa e fora dos padrões assinala o teor contumaz de um filme que discute liberdade e revolução nos costumes de um jeito “arco-íris” e dissimulado, mas sem deixar de aludir a certas contradições e complexidades inerentes. O fato é que “Grease: Nos Tempos da Brilhantina” com todo seu apelo visual colorido, dinâmico e lúdico, acaba mais cativando e hipnotizando os sentidos, afastando qualquer clima negativo, seja pela facilidade com que o público se interessa e simpatiza por figuras tão carismáticas e espontâneas para além do casal protagonista, seja pelo efeito alegre e eletrizante de canções inesquecíveis como “Summer Nights” ou “You're The One That I Want”, por exemplo. Os personagens do sinérgico longa de Randal Kleiser são cheios de vida, charme e dispostos a subverter as regras, ou talvez, não se importar muito com elas, sendo assim, a trama se beneficia com alguns tipos, estereotipados é lógico, mas cheios de uma presença marcante e irreverente como o mal encarado melhor amigo de Dany, Kenickie Murdoch (Jeff Conaway), o irritante Sonny Lattiery (Michael Tucci), a independente e desafiadora Betty Rizzo ou a excêntrica dos cabelos rosa, Frenchy Palardino (Didi Conn). A direção de Kleiser constrói uma atmosfera de intensidade festiva e enérgica perfeitas por meio de planos mais abertos e de uma fotografia que privilegia cores quentes muito vivas, captando a sincronia de uma movimentação ritmada e atraente, realizando suaves transições de foco narrativo (como nas performances de Summer Nights), passeando por toda opulência coesa do design de produção que recria com saudosismo os anos de 1950. A condução das cenas possui uma harmonia natural com as canções interpretadas, referenciando cada situação dramática e explorando a personalidade dos personagens, seus receios, sonhos, angústias e dilemas. John Travolta tem a desenvoltura, o gingado sexy, engraçado e a espontaneidade natural para a dança e o canto, qualidades trazidas da experiência nos palcos e sem dúvidas, co-responsável pelo sucesso mundial do filme. A pose de bad boy nem de longe convence o que Dany Zuko realmente é: um sujeito doce e sensível. Já Olivia Newton-John exala meiguice, ingenuidade e sentimentalismo num papel que lhe exige maior coesão dramática e sobriedade comportamental, o que não significa menos desafios cênicos. A história de amor que embala “Grease: Nos Tempos da Brilhantina” não poderia encontrar o “par perfeito” melhor nas figuras tão carismáticas de Travolta e Olivia, compondo, além do mais, todo um quadro cultural e de época bastante emblemático e caricatural. O musical de Randal Kleiser tornou-se uma daquelas obras apaixonantes, espécie de sonho nostálgico de fantasia, cuja vibração narrativa e estilo contagiante nos torna facilmente devotos.
Por: Ábine Fernando Silva