Direção: Don Chaffey
Roteiro: Beverley Cross e Jan Read
Elenco principal: Todd Armstrong, Nancy Kovack, Honor Blackman, Gary Raymond, Nigel Green, Laurence Naismith, Douglas Wilmer, Niall MacGinnis.
Aventura heroica inspirada no homônimo mito grego de Jasão e o Velo de Ouro, o filme do cineasta inglês Don Chaffey embora inevitavelmente datado, tem o mérito da ousadia narrativa e da ambição megalômana a seu favor, ainda que tais elementos constituam características inconfundíveis ao gênero, há que se destacar o comprometimento diletante da trama com a opulência gráfica e visual representadas, sobretudo, na construção e execução de efeitos especiais engenhosos, forjados a base de muito suor e paixão pelo lendário Ray Harryhausen, que se para os dias atuais soam arcaicos ou primitivos demais, para a indústria do entretenimento cinematográfico a época representaram um salto qualitativo importante, num contexto de possibilidades técnicas que talvez nem sonhasse com o advento da CGI. “Jasão e os Argonautas” narra as peripécias de Jasão (Todd Armstrong), único filho vivo do antigo rei da Tessália que teve o trono usurpado por Pélias (Douglas Wilmer) e que retorna a sua terra natal após vinte anos pra reclamar seus direitos. Não obstante, por intermédio dos caprichos do Olimpo, o jovem príncipe tem seu destino ligado ao assassino do próprio pai, salvando-o de um afogamento e aceitando os conselhos do insuspeito homem (o herói não sabia que se tratava de Pélias) de só retomar o reinado das mãos de seu tirano, após conquistar o poderoso “Velo de Ouro”, objeto sagrado, mágico, capaz de proporcionar poder, prosperidade, paz e livrar a humanidade de quaisquer doenças ou desgraças e que se encontrava protegido nos domínios do rei da Cólquida. Desta forma, o determinado e destemido Jasão recruta um grupo de guerreiros valentes e corajosos da Grécia, entre eles um Hércules (Nigel Green) meio fanfarrão, e juntos partem na perigosa missão rumo aos “Confins do Mundo”, na fabulosa embarcação esculpida por Argos (Laurence Naismith), sob proteção de Hera (Honor Blackman), enfrentando perigos extremos e inimigos implacáveis. O roteiro de Beverley Cross e Jan Read definitivamente não é o forte do longa, tamanha superficialidade dramática, inconsistências e defeitos lógicos, dando a impressão de que os acontecimentos se sucedem de maneira fortuita, sem uma relação amarrada de causalidade e os personagens principais quase não apresentam camadas, tão caricatos, sem substância e expositivos que são. Nem sequer o protagonista vivido por Todd Armstrong escapa a este tratamento pífio do texto, sem profundidade psicológica, motivações convincentes, emoções genuínas e que desencadeiam interpretações estigmatizadas, taxativas e histriônicas, de expressões e gestos caricaturais. Ainda sobre a trama, a busca pelo objeto mágico parece mais um fim em si mesmo, subterfúgio da aventura e os bravos argonautas estão ali apenas para condensar a ação. Só para exemplificar, o ressurgimento de Jasão para reclamar o trono de Pélias é espontâneo e sem estratégia, a aceitação do conselho para conquistar o Velo de Ouro soa ingênua e tola, o recrutamento dos heróis acontece num passe de mágica, o envolvimento amoroso com Medeia (Nancy Kovack) é pura convenção narrativa e o final da jornada nem mesmo se completa, deixando uma ponta pra lá de solta. Por outro lado, o queridinho de Hera assim como seus companheiros se submete aos joguetes e gostos divinos de Zeus (Niall MacGinnis) e a esposa, deixando evidente a relação entre os acontecimentos que se desenrolam e a influência direta do competitivo casal. Com tantos problemas de coerência, o enredo só acerta mesmo quando aposta suas fichas na ação e na aventura, pontual, gradativa e cada vez mais empolgante à medida que os perigos e os problemas se intensificam, mas de novo, repito, sem dar muita importância a uma concatenação mais plausível em alguns momentos da trama.
A direção de Don Chaffey capricha numa cinematografia grandiloquente, a altura de uma produção épica, cuja fotografia se interessa pelas perspectivas panorâmicas, pelos espaços vastos, tanto naturais quanto artificiais de uma direção de arte ambiciosa, convidativa e que reproduz o mundo grego mitológico com opulência, mais acertando do que errando (talvez a imagem da deusa Hera na embarcação de Argos deixe um pouco a desejar). A ação e seu ritmo são bem conduzidos por meio da inspiradora trilha épica de Bernard Herrmann e os planos abertos com poucos cortes favorecem a movimentação dos personagens, a coreografia das batalhas e a retratação dos efeitos especiais em stop motion. E por falar neles, “Jasão e os Argonautas” tornou-se referência na matéria, obra icônica que até hoje encanta pelo trabalho artesanal e revolucionário de Harryhausen na confecção e animação de figuras monstruosas de um realismo plástico impressionante como o “Gigante de Bronze”, as “Harpias”, a “Hidra” e os “Filhos dos Dentes da Hidra”. Aliás, o último ato do filme é um extravaso visual, divertido e eletrizante que investe na evolução da intensidade dos perigos e das ameaças enfrentadas pelo herói, culminando num clímax sensacional. “Jasão e os Argonautas” mantém o fascínio de uma obra forjada no sentimento do ímpeto lúdico, do esforço criativo e da fantasia, pouco importando seus deslizes ou falhas estilísticas, haja vista seu orgulhoso título de “musa inspiradora” e “máxima autoridade” quando o assunto é cinema de entretenimento.
Por: Ábine Fernando Silva
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