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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Kickboxer: O Desafio do Dragão (1989)

Atualizado: 11 de dez. de 2023

Direção: Mark DiSalle, David Worth

Roteiro: Glenn A. Bruce/ História: Mark DiSalle e Jean-Claude Van Damme

Elenco principal: Jean-Claude Van Damme (Kurt Sloane), Dennis Alexio (Eric Sloane), Dennis Chan (Xian Chow), Michel Qissi (Tong Po), Haskell V. Anderson III (Winston Taylor), Rochelle Ashana (Mylee).

Kurt Sloane (Jean-Claude Van Damme) e Tong Po (Michel Qissi) se enfrentam num duelo eletrizante

Na esteira de “O Grande Dragão Branco" (1988) de Newt Arnold, produção que alavancou a carreira emergente do ex-bailarino e carateca Jean-Claude Van Damme, “Kickboxer: O Desafio do Dragão” também recorre ao clichê do torneio mortal de artes marciais, muito embora, sustente um estilo narrativo mais abertamente galhofeiro se comparado ao trabalho anterior de Newt Arnold. Para o público brasileiro, o filme de DiSalle e Worth possui um encanto saudosista e uma simpatia singulares, especialmente, pela construção caricatural de um vilão casca grossa e cruel, assim como pelas inesquecíveis cenas de treinamento com o mestre de muay thai Xian Chow (Dennis Chan), marcada pelas famigeradas e dolorosas caneladas destrutivas numa palmeira. O enredo do filme bebe na fonte da boa e velha “vingança” para desenvolver seus débeis motivos através do ímpeto do jovem Kurt Sloane (Jean-Claude Van Damme), admirador número um e auxiliar do irmão Eric Sloane (Dennis Alexio), o prepotente campeão mundial de kickboxer que acaba aceitando um desafio oportunamente sugerido por um grupo de repórteres de ir até a Tailândia enfrentar Tong Po (Michel Qissi), o mais forte e temível lutador local. É desta forma que Kurt acaba testemunhando a derrota humilhante de Eric, finalizado brutalmente pelo sinistro adversário e condenado a passar o resto de seus dias preso a uma cadeira de rodas. A partir daí, o revoltado herói embarca na difícil busca de encontrar um mestre que o ensine e o aperfeiçoe nas técnicas e nos segredos do estilo do boxe tailandês. Finalmente, o jovem Slone é aceito em treinamento pelo recluso e simpático Chow, alcançando as habilidades necessárias para enfrentar seu terrível inimigo. “Kickboxer O Desafio do Dragão” é o típico exemplar do cinema de gênero, uma produção de orçamento bastante modesto, cuja proposta narrativa sobre artes marciais (muito em voga nos anos 70 e 80) tinha como objetivo atrair o público testosterona, repetindo a fórmula do roteiro raso, cheio de exageros caricatos e situações forçadamente cômicas (um prato cheio para os memes da atualidade). O longa dos realizadores americanos progride articulando uma série de conveniências em sua trama que sempre servem aos interesses do herói e é claro, priorizando o espetáculo dos confrontos pessoais com muita pancadaria e coreografias estilosas, ressaltando os atributos físicos e os movimentos em slow motion caprichosamente executados pelo personagem do carismático Van Damme. Não há dúvidas que Mark DiSalle e David Worth prezam muito mais pela dimensão comercial do projeto do que por alguma intenção artística genuína e mesmo a quantidade expressiva de falhas, interpretações horríveis e incoerências gritantes não chega a prejudicar totalmente a experiência imersiva e por extensão, afetiva, sobretudo, daquela parcela do espectador mais saudosista que cresceu empolgado com as fantásticas voadoras giratórias e os exibidos espacates do icônico astro hollywoodiano. O roteiro fraco da trama explora um protagonista meio ingênuo e desorientado no país asiático que deixa o irmão aos cuidados médicos no hospital, encontra acidentalmente um conterrâneo, o ex-fuzileiro e fanfarrão Winston Taylor (Haskell V. Anderson III), que automaticamente se propõe ajuda-lo, levando-o até um grande mestre de muay thai que vive uma vida reclusa num pequeno vilarejo rural afastado da cidade. Com muita insistência de Kurt, feito de bobo muitas vezes pelo matreiro sensei, finalmente se iniciam seus árduos treinamentos, assim como um relacionamento piegas do jovem com Mylee (Rochelle Ashana), sobrinha de Xian Chow. Descobre-se também que o impiedoso Tong Po trabalha para uma facção criminosa responsável por explorar o vilarejo e que a possibilidade de derrota do cruel lutador poderia não só vingar o irmão do protagonista, mas também por fim ao império de arbitrariedades dos bandidos, promovendo, mais uma vez, a pretensiosa ideologia individualista do americano libertador (aparece aqui mais uma das inúmeras incoerências do roteiro, já que o que representaria a vitória de um único estrangeiro numa luta clandestina, frente aos desmandos de uma facção criminosa que continuaria oprimindo os pobres moradores do lugar?). Além disso, a narrativa rejeita o tom sério e periculoso em relação à ameaça que estabelece, haja vista a articulação de um humor meio infantil, sacana e até mesmo politicamente incorreto manifestado pelos personagens em muitos momentos da trama (o aperto malicioso de Eric no bumbum da enfermeira no hospital ou a dancinha malemolente e cafona do embriagado Kurt no boteco do vilarejo constituem exemplos clássicos da hilaridade sem noção que vira e mexe dá o seu ar da graça no filme).

Malemolência canastrona de Van Damme virou meme

Um roteiro assumidamente pulha e cheio de "furos" só poderia resultar na construção de personagens bem rasos e estereotipados. Tong Po vivido por Michel Qissi aparece pouco com sua trança estilosa, fisionomia de cachorro louco, sempre de cara amarrada e poucas palavras, representando o típico vilão genérico e ostentando um caráter perverso, cujas ações e motivos se esgotam em si mesmas, ou seja, só se justificam no preguiçoso maniqueísmo do enredo. Jean-Claude Van Damme até se esforça para entregar um Kurt Sloane revoltado e sedento por vingança, com um senso de honra e de justiça inabaláveis e que flertam com a ingenuidade. Contudo, a superficialidade dos eventos e seus motivos frágeis estão longe de convencer um espectador mais maduro e exigente (daí que o filme tem um recorte de público bem específico). Destaque mesmo para Dennis Chan que vive o ardiloso mestre Xian Chow com sua parcimônia indulgente e maliciosa, pregando algumas peças em seu paspalho discípulo gringo, porém, demonstrando uma afeição convincente frente aos dilemas do rapaz. Por um lado, a direção até consegue transmitir uma atmosfera de ancestralidade reverenciosa em torno da tradição cultural do “muay thai”, tanto por meio da escolha de belíssimas locações e fotografias panorâmicas ressaltando a áurea mística do país, suas academias, templos budistas e as ruínas da cidade de pedra (o solo sagrado dos guerreiros e local de treinamento do protagonista), quanto pela preocupação em revelar com precisão a importância cultural e influente desse estilo de luta na vida dos jovens tailandeses. Lamentavelmente, todo processo de aprendizado do boxe tailandês transmitido pelo mestre Xian é muito mal utilizado pela coreografia de luta da produção e o personagem de Van Damme acaba sempre recorrendo às famosas voadoras e giratórias ou as porradas estilizadas em slow motion, apelando à plasticidade de bailarino do ator belga, porém, deixando de lado o uso dos cotovelos, joelhos e canelas, próprias das técnicas do muay thay. No fim das contas, “Kickboxer O Desafio do Dragão” vale mais pelas nostálgicas cenas de treinamento do persistente Kurt, pelas bizarras sequências de humor juvenil no melhor estilo “A Praça é Nossa” e, sobretudo, pelo confronto final todo estilizado e empolgante com o mal encarado Tong Po. Portanto, deixe de lado quaisquer expectativas elevadas e divirta-se a beça.


Por: Ábine Fernando Silva

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