Direção: George Miller
Roteiro: George Miller, Brendan McCarthy e Nico Lathouris
Elenco principal: Tom Hardy, Charlize Theron, Hugh Keays-Byrne, Nicholas Hoult, Rosie Huntington-Whiteley, Riley Keough, Zoë Kravitz, Abbey Lee.
“Mad Max – A Estrada da Fúria” celebra o retorno alucinante da mais bem sucedida franquia de ação distópica sob quatro rodas da História do Cinema. Miller reedita aqui o espírito icônico e original da trilogia oitentista num road movie de ficção científica que expande ainda mais o universo mítico dos filmes anteriores, articulando temáticas e questões sociais contemporâneas, propondo uma experiência imersiva com o espectador de encher os olhos e prender a respiração naquela que a meu ver, se apresenta como sua obra mais virtuosa. Num futuro pós-apocalíptico, o governo teocrático de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) controla a paupérrima e miserável população da Cidadela racionando os recursos hídricos e concentrando em torno de si os “Kamicrazys”, um exército de guerreiros fanáticos que também prestam cultos a poderosas máquinas automobilísticas. Após ordenar a seus súditos garotos de guerra, encabeçados pela Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) que buscassem num comboio suprimentos em Vila Gasolina, o tirano descobre que sua intrépida pilota desviou-se do destino numa rota de fuga, levando consigo suas cinco jovens esposas. Inicia-se uma caçada eletrizante pelas inóspitas estradas desérticas, liderada pelo próprio Senhor da Cidadela, e apoiado por grupos de territórios aliados. Por outro lado, Max (Tom Hardy) um sujeito atormentado pelos fantasmas do passado, capturado pelos asseclas de Immortan Joe e utilizado como “bolsa de sangue” é involuntariamente incluído na perseguição lunática à Furiosa, acontecimento que cruzará os destinos de ambos, permitindo que o renegado herói escape de seus algozes e escolha juntar-se ao grupo da corajosa guerreira das estradas, numa aliança inesperada pela sobrevivência. O roteiro da tríade George Miller, Brendan McCarthy e Nico Lathouris aposta todas as suas fichas numa frenética e desvairada perseguição de carros numa vastidão desértica e arenosa que aumenta a gradação da ação e das dificuldades ao longo dos acontecimentos. Há uma descrição daquela realidade caótica, miserável e autoritária que se manifesta na cinematografia como um todo e que ajuda a construir os sentidos que explicam aquele mundo regido pela violência masculina e simbolizada, sobretudo, pelas máquinas de corrida e pela idolatria do culto à personalidade do Senhor da Cidadela, próprio das seitas e de regimes ditatoriais e extremistas. Por outro lado, o protagonismo da destemida Furiosa, cuja bravura e o talento no volante reflete a capacidade e habilidade feminina emancipada, impõe-se a lógica patriarcal e opressora da submissão e nisto, a própria trama ainda endossa ao colocar em evidência a gangue das guerreiras motoqueiras, mulheres fortes e valentes sobreviventes que enfrentam os Kamicrazys de Joe de igual para igual. A importância que o longa de George Miller dá a personagem de Charlize Theron revela o engajamento do roteiro com questões mais feministas, embora o movimento de resistência que impele a protagonista e as jovens mulheres de se libertarem da opressão do vilão ganhe ares estereotipados já na escolha de um elenco feminino de verdadeiras top models (bem a gosto da tradição hollywoodiana), reforçando padrões de beleza de um lado e explorando rostos e corpos com certa intenção voyeur e erotizada do outro.
Furiosa é, sem dúvidas, a força motriz do filme e o personagem de Tom Hardy acaba funcionando como uma espécie de desafogo e auxílio inestimável para o objetivo das fugitivas, o que não implica considerar seu arco e o peso de suas ações como uma camada narrativa irrelevante. Ao contrário, tal escolha do enredo propõe deixar um pouco de lado singularidades e motivações de uma figura bastante explorada pela franquia, tornando sua participação mais estratégica e decisiva para o sucesso dos planos das corajosas mulheres. Desta forma, Max propõe o retorno ao “lar”, uma vez que não existiria o tal “Vale Verde”, a utópica terra prometida que Furiosa e as companheiras buscavam, invertendo a direção da alucinante perseguição e propondo um embate extremo, arriscado e suicida com seus desvairados perseguidores. Embora praticamente toda trama gire em torno das peripécias persecutórias, interessando-se em especial pela dupla de protagonistas, como não poderia deixar de ser, há um espaço relevante para os coadjuvantes Nicolas Hoult e Riley Keough formando o inusitado casal Nux e Capable, o primeiro um Kamicrazy desertor e a segunda, uma das renegadas jovens esposas do vilão. A direção de George Miller comunica uma obsessão gráfica e um perfeccionismo cinematográfico nunca vistos antes em road movies de ação, seja na forma em que articula os elementos de fotografia cobrindo cenários e personagens com muita grandiloquência e esmero, utilizando, inclusive, uma paleta de cores sintonizadas às circunstâncias narrativas (alaranjadas ou azuladas, por exemplo), seja no uso de uma trilha eletrizante mesclada aos ritmos executados pelos próprios “garotos de guerra” (solos de guitarra e tambores) e que encontra na edição de som e na mixagem a sintonia perfeita. Nessa toada, a decupagem variada açambarca sequencias de ação realistas, estilizadas e frenéticas, sensivelmente otimizadas pelos recursos de computação gráfica que apoiam e corrigem imperfeições nas paisagens, nas parafernálias dos veículos, nas batalhas corporais simultâneas, nos capotamentos e explosões. Além disso, o incrível senso coeso, eficiente e detalhista da montagem dispõe com maestria as relações de causa e efeito, sem prejuízos lógicos e com muita plasticidade (não é atoa que o filme faturou as estatuetas de Oscar de Melhor Edição/Oscar de Melhor Mixagem de Som/Oscar de Melhor Edição de Som em 2016). A experiência condutiva e imersiva de “Mad Max – A Estrada da Fúria” foi substancialmente aprofundada por Miller através do estímulo sensorial fulminante que comunica a ação com muita adrenalina, entretendo, empolgando e contagiando com gradação o espectador. Além disso, o design de produção opulento e caótico, assim como os figurinos originais reaproveitam toda força semântica e criativa da trilogia anterior, super dimensionando aqui seu alcance narrativo e simbólico. Charlize Theron definitivamente rouba a cena, com seu visual impactante, presença expressivamente forte e valente na pele da Imperatriz Furiosa, a exímia pilota de fuga e grande símbolo da resistência feminina contra a opressão de Immortan Joe. Por falar nele, Hugh Keays-Byrne entrega uma interpretação imponente e ameaçadora como o mascarado e perverso Senhor da Cidadela. Já Tom Hardy está à vontade como o indiferente e taciturno Max, personagem importante, cuja expressividade minimalista equilibra bem os protagonismos da trama. Por último, destaque para o talento de Nicholas Hoult que mais uma vez surpreende com sua desenvoltura emotiva e sincera no papel do Kamicrazy meio ingênuo e fanático que troca de lado ao se apaixonar por Capable. “Mad Max – A Estrada da Fúria” significou o retorno triunfal de uma franquia de sucesso nos anos 80, provando que o genioso George Miller ainda tem muito a dizer e a mostrar acerca desse universo conhecido como a palma de sua mão e que somente ele seria capaz de reinventar.
Por: Ábine Fernando Silva