Direção: Panos Cosmatos
Roteiro: Panos Cosmatos e Aaron Stewart-Ahn
Elenco principal: Nicolas Cage, Andrea Riseborough, Linus Roache, Bill Duke, Richard Brake, Ned Dennehy, Olwen Fouéré, Hayley Saywell, Line Pillet, Alexis Julemont e Clément Baronnet.
“Mandy” é o segundo filme de Panos Cosmatos e que aposta numa articulação experimental e ousada com certos subgêneros do terror que se num primeiro momento, chama a atenção pelo deslumbre da cinematografia simbólica e psicodélica, propondo o jogo de sensações imersivas numa crescente tensão, por outro, pode decepcionar absurdamente sucumbindo (certamente de propósito) aos clichês preguiçosos e aos arquétipos repetitivos dos subgêneros que referencia, sobretudo, o slasher das décadas de 70 e 80. Nos anos de 1983, Red Miller (Nicolas Cage) e Mandy Bloom (Andrea Riseborough) vivem uma vida tranquilos em Shadow Mountains, rodeados pela calmaria de uma natureza mística e exuberante. O casal apaixonado que passa seus dias entre a rotina do trabalho simples e a sintonia da intimidade cúmplice do lar é lançado num terrível inferno sádico e ritualístico pelos insanos membros de uma seita religiosa liderada por Jeremiah Sand (Linus Roache), sujeito que desenvolve uma fixação obsessiva e perversa por Mandy. Após ter seus desejos delirantes frustrados, o excêntrico guru assassina a pobre mulher e juntamente com seus fanáticos seguidores carboniza o corpo da vítima bem na frente do debilitado e impotente marido que ao sobreviver ao terrível pesadelo, inicia uma jornada frenética e sedenta por vingança. O roteiro de Panos Cosmatos e Aaron Stewart-Ahn fragmenta a narrativa em capítulos sugestivos e metafóricos, concentrando-se no primeiro ato em acompanhar a vida, o relacionamento sincero e intenso do discreto casal, assim como explorar suas características psicológicas e personalidades, principalmente de Mandy, entrevendo traumas de infância com o pai, o gosto pela literatura fantástica, pela ilustração e pelo rock. Ainda no segundo ato, a trama mantém seu tom exotérico e misterioso ao abordar personagens nitidamente desequilibrados que prestam uma obediência cega ao “guia espiritual” Jeremiah misto de hippie e xamã, muito provavelmente inspirado em Charles Manson. Há uma preocupação em destacar o poder de influência do sujeito, suas extravagâncias, afetações e o pensamento mágico ligado ao ocultismo que o faz acreditar ou pelos menos parecer excepcional e absoluto, o que reverbera no próprio espectador, levado a crer pelos desdobramentos dos acontecimentos que algum aspecto sobrenatural maligno emana de sua conduta. No que se refere ao último ato, o roteiro de “Mandy” parece perder a mão completamente, enveredando-se por percursos narrativos previsíveis, complicando-se com a coerência ao propor soluções duvidosas para a trama caminhar, fazendo a gangue dos motoqueiros sadomasoquistas Black Skulls perderem a áurea sobrenatural e demoníaca, além de imbecilizar Red que apresentava até então certa complexidade de tratamento, transformando-o naquele herói tipificado e raso, uma máquina de vingança implacável e cheia de frases de efeito. O fato de o filme descambar numa “thasheira” voluptuosa que homenageia grandes clássicos do terror como “Hellraiser”, 1987, Clive Baker,“O Massacre da Serra Elétrica”, 1974, Tobe Hooper ou “Uma Noite Alucinante”, 1981, Sam Raimi pelo menos compensam a diversão nostálgica do espectador fã do gênero e mais do que habituado com o universo metalinguístico referenciado aquí por Panos Cosmatos e sua equipe de produção.
No mais, a obra quebra aquele encanto original persuasivo e estimulante presentes nos dois primeiros atos, cuja estilística lembra nomes como David Lynch e Nicolas Winding Refn para oferecer uma experiência gore ultraviolenta e bizarra. A direção de “Mandy” articula a princípio uma mise en scene hipnótica, surrealista, hiper estilizada e carregada de metáforas, utilizando uma câmera perscrutadora que envolve o ambiente e principalmente a personagem de Andrea Riseborough numa áurea espiritualizada e onírica, estimulando com a trilha o êxtase e a fantasia, lançando mão de uma fotografia caprichosamente estilosa, ancorada numa paleta de cores sugestivas e simbólicas (vermelho, azul, roxo ou verde) que aguçam a percepção do espectador. Embora Cosmatos mantenha o equilíbrio visual e fascinante do filme adotando uma atmosfera mais degradante e sombria de acordo com a mudança da proposta e dos rumos narrativos, o interesse apenas na retratação do ímpeto destrutivo do protagonista e da violência gráfica exacerbada toma conta do enredo e a partir daí, o que vale mesmo é a experiência desvairada e sem limites do solitário vingador que vai aniquilando seus inimigos um por um, com as conveniências forçadas que o roteiro propõe para que ele se safe, até chegar a Jeremiah Sand. Para utilizar uma metáfora psicodélica simplista e redutora, é como se a narrativa de “Mandy” adotasse até certo ponto os efeitos das experiências lisérgicas na sua estética mística e espiritualista, e num segundo momento, mas como um ponto de inflexão, se embrenhasse numa brisa eletrizante e frenética de cocaína motivada pela vingança destemida de Red. Destaque para a interpretação sensível e introspectiva de Andrea Riseborough, cuja expressividade dos gestos e olhares comunica a essência de uma personagem profunda, melancólica e com algumas feridas do passado ainda abertas. Nicholas Cage chama atenção num papel que lhe exige delicadeza e intensidade dramática até mais ou menos o fim do segundo ato, depois disto, a canastrice de sempre toma conta de vez já que o roteiro segue um percurso que não deixa muitas alternativas para o ator. Por último, Linus Roache imprime com grandiloquência a instabilidade mental e imprevisível na pele do líder místico da seita “Filhos do Novo Amanhecer”. Os gestos e olhares desvairados, a imponência hipnótica sobre os seguidores e a prepotência cruel esconde na verdade, muita fragilidade e covardia. No fim das contas, “Mandy” acaba sendo uma obra oscilante por conta de sua proposta estética de “gangorra”, ora concentrando suas intenções narrativas e estilísticas para atingir um segmento do público, ora subvertendo esta experiência artística em prol de outro segmento. Pelo menos Panos Cosmatos joga na cara do público que a transgressão perpetrada o diverte e que no “frigir dos ovos” da vingança, a seriedade e a coerência é o que menos importam.
Por: Ábine Fernando Silva