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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Matilda (1996)

Direção: Danny DeVito

Roteiro: Nicholas Kazan e Robin Swicord

Elenco principal: Mara Wilson, Danny DeVito, Rhea Perlman, Embeth Davidtz, Pam Ferris, Brian Levinson.

Rhea Perlman, Mara Wilson e Danny DeVito em Matilda (1996)

Adaptação do romance homônimo do britânico Roald Dahl, “Matilda” ganhou as telas de cinema sob a batuta irreverente do ator, produtor e diretor Danny DeVito, figura conhecidíssima do grande público brasileiro, sobretudo, por seus papéis caricatos e cômicos em diversas produções de sucesso ao longo dos anos 80 e 90. Por trás das câmeras em “Matilda”, DeVito lida muito bem com o fantasioso e com o humor circense, ingênuo e tipificado, apostando na pureza espontânea e doce da performance de Mara Wilson e também nos efeitos emotivos de uma encenação estilosa, lúdica e repleta de contrastes para versar principalmente sobre “resistência” e autoafirmação infantis, enfatizando o caráter arbitrário, insensível e autoritário, muitas vezes presente na conduta e na percepção adulta ao julgar as capacidades cognitivas e psicoemocionais das crianças. Uma garotinha superdotada, talentosa e meiga tem o azar de nascer numa família inconveniente, viciada em tv e trambiqueira, cujo patriarca Harry (Danny DeVito) sobrevive contrabandeando peças e revendendo automóveis cheios de defeitos. A simpática menina adora frequentar a biblioteca e ler, comportamento incompreensível e inaceitável para os pais que após muita insistência da própria pequena, decidem matriculá-la numa escola. Lá a jovem protagonista passa a enfrentar as arbitrariedades da carrasca diretora Agatha Trunchbull (Pam Ferris), mas também é acolhida por seus novos amiguinhos e pela carinhosa e adorável professora Jenny Honey (Embeth Davidtz). Enquanto seu pai é investigado e vigiado pela polícia, Matilda acaba descobrindo seus superpoderes de telecinese, estreitando sua relação afetiva com a amorosa Jenny e juntas, enfrentando seus medos, traumas, a tirania da diretora megera e o desdém dos negligentes Wormwood. Os roteiristas Nicholas Kazan e Robin Swicord exploram a excepcionalidade precoce da personagem de Mara Wilson, sublinhando a diferença gritante de personalidade de uma menina madura e justa em relação aos pais e ao irmão, apresentados sob a luz da caricatura fútil, superficial e boboca, fatores responsáveis pelos principais conflitos e momentos cômicos do enredo. A inteligência, a sagacidade e a autonomia da criança se por um lado carrega a primazia da surpresa e do encanto tácito, por outro, reafirma de certa forma o lado mais terrível, insólito e desumano do abandono e da falta de cuidado dos pais. É desta forma que a meiga heroína aprende a “se virar”, compreendendo cedo demais o abismo existencial praticamente intransponível no interior das relações familiares e erigindo uma espécie de universo só seu, refúgio auto-sustentável estimulado por sua paixão genuína pela literatura e pelos livros. O filme de DeVito explora com insistência a “miopia” intelectual automática e subjetividade torta dos adultos, arrogantes e insensíveis em relação ao complexo universo das crianças, subestimadas e consideradas incapazes pelo único e simples fato de serem crianças. Tanto o estelionatário Harry, como sua vaidosa e fútil esposa Zinnia Wormwood (Rhea Perlman), consumistas excêntricos, estúpidos e trapaceiros aparecem quase sempre em rota de colisão com a filha, prevalecendo, como já mencionado, o contraste de personalidades e valores, uma vez que a pequena heroína inevitavelmente acaba descobrindo e revoltando-se com as falcatruas do pai, aspecto que o roteiro também aproveita com muita perspicácia para propor a comédia slapstick/papelão baseada nos exageros da representação física, nas tropelias e nas inevitáveis punições e acidentes dos “malvados” (algo que diverte a beça o expectador mirim).

Mara Wilson, Jimmy Karz e Kiami Davael compõem o elenco mirim de 'Matilda'

Com Matilda em foco, o texto de Kazan e Swicord é atravessado pelo filtro lúdico da percepção infantil, apresentando uma série de eventos e situações que conscientemente negam uma representação mais realista do mundo, permitindo que o filme articule elementos de fantasia e até mesmo de terror de forma mais livre e descontraída, assumindo um estilo original e próprio, o que não significa menos contundente em relação à circunspecção das diversas reflexões que sugere em torno de temas como o abandono afetivo, o estímulo intelectual da literatura, a influência nociva da tv (que poderia ser comparada na atualidade com a internet e as redes sociais), a importância da escola e da escuta perante as necessidades infantis, o fracasso de uma pedagogia do medo, a superdotação, entre outros. Os superpoderes que a garotinha descobre e rapidamente manipula, além de reforçarem os efeitos dramáticos do humor, concorrendo para tornar as regras dos acontecimentos narrados ainda mais espetaculares e abrangentes, não deixam de representar um mecanismo de defesa providencial contra os excessos, injustiças e violências, equilibrando finalmente a vulnerabilidade física da menina, cuja única lição (ironicamente equivocada) aprendida com o picareta do pai, consolida-se na legitimidade em punir exemplarmente os adultos maus. DeVito opta por um maneirismo oportuno e que funciona muito bem em “Matilda”, evidenciado pelo design de produção espalhafatoso, pelos cenários estilosos e contrastivos (o lar da protagonista e a escola, por exemplo), figurinos bregas e performances adultas estereotipadas. O estilo extravasante da narrativa e sua paleta colorida combinam com a proposta dramática centrada no humor caricatural, na perspectiva assumidamente infantil (camp) dos eventos e no drama leve de superação, elementos que afastam qualquer tentativa de exigência realista e séria, o que nem de longe faz falta, uma vez que o público tende a aceitar sem pestanejar e com simpatia as regras do jogo cinematográfico estabelecidas pelo filme. Tudo é muito marcante e oportunamente explorado pelo olhar arrojado de DeVito que lança mão de uma decupagem moderna e versátil em seus enquadramentos e ângulos de câmera inclinados a absorver o teor fantástico e lúdico da perspectiva de Matilda, assim como a expressividade natural e carismática do restante do elenco mirim, fazendo a trama soar bastante agradável e espontânea, resolvendo-a com fluidez através do ritmo embalado e dinâmico da montagem e da equalização sensível nas transições da trilha. Em geral, os tipos infantis, suas caracterizações e interpretações acabam constituindo uma conexão meiga e empática com o público, fator instintivo e certeiro da direção, sobretudo, no que se refere à presença sempre encantadora da personagem de Mara Wilson. “Matilda”, sob certos aspectos, pode parecer inconveniente e non sense para as exigências morais contemporâneas, tendo em vista sua proposta de filme para crianças, o que obviamente não significa que se restrinja a elas. Por outro lado, como filho legítimo de uma estética extravagante ainda pungente nos anos 90, o longa DeVito transborda autenticidade e simpatia sem medo de errar, assumindo sua ingenuidade infantil e cutucando a obtusidade tão costumeira dos adultos ao lidar com os pequenos.


Por: Ábine Fernando Silva

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