Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco principal: Florence Pugh, Jack Reynor, William Jackson Harper, Will Poulter, Vilhelm Blomgren.
O segundo filme de Ari Aster “MidSommar - O Mal Não Espera a Noite” segue na esteira de seu elogiado e controverso trabalho anterior (“Hereditário, 2018”), propondo uma experiência peculiar bastante criativa e sensorial com o terror, onde as energias narrativas se concentram em explorar a instabilidade psicológica e emocional dos personagens enquanto resultado de tragédias humanas macabras e brutais. A proposta de Aster é não recorrer ao sobrenatural como recurso e subterfúgio facilitador da justificação dos eventos, comunicando nesse processo, todo um fascínio por manifestações culturais e religiosas pagãs, cujos pressupostos simbólicos e ético-morais tendem a desestabilizar valores sociais mais tradicionais, provocando incômodo e repulsa. O enredo do filme se estrutura no drama escancarado de Dani (Florence Pugh), jovem que vive uma depressão séria, agravada após o suicídio da irmã que num surto psicótico acaba assassinando os próprios pais. Como se não bastasse, a moça ainda enfrenta uma crise aguda no relacionamento com o namorado Christian (Jack Reynor), que já há algum tempo pensa em romper o romance. Ainda assim, meio aturdida e desamparada Dani decide aceitar um convite não muito sincero do companheiro para uma viagem com ele e os amigos até a Suécia, terra natal de Pelle (Vilhelm Blomgren) que pertence a uma pequena comunidade campesina isolada e que celebraria excepcionalmente naquele ano uma cerimonia ritualística secreta. É desta forma que Dani, Christian e companhia partem para o país nórdico, rumo a um destino inusitado no seio de uma cultura exótica e estranha, cada um com seus interesses e expectativas próprias para viver experiências intensas, aterradoras e inimagináveis. O roteiro também assinado por Aster tem predileção por explorar o drama de Dani, apostando na intensidade dos conflitos que revelam perturbações emocionais devastadoras e que escancaram uma crise pungente entre a protagonista e o namorado, embora os demais arcos sejam contemplados de forma satisfatória, sobretudo, nessa relação direta ou indireta com os acontecimentos vividos pela moça. Há um interesse latente da trama pelo “choque cultural” e pela reflexão acerca de valores éticos-morais legitimados entre certos grupos humanos condicionados à pactos e tradições que, inevitavelmente, se chocam com o "olhar" e com os "julgamentos" feitos a partir de uma perspectiva cultural alheia ou externa àquela realidade que tende a soar taxativamente bizarra, suscitando rejeições e preconceitos. O fascínio e o interesse de Aster pelo paganismo, pelas mentalidades de seita e seus cultos, símbolos e rituais aparece em “Midsommar – O Mal Não Espera a Noite” de forma bastante rica e misteriosa, sobretudo, na maneira ambígua em que são retratados os integrantes daquela comunidade, cujas ações coletivas parecem comunicar uma intencionalidade tendenciosa e pseudo anfitriã, interessada num contato aparentemente amigável, mas que não deixa de soar um tanto fake, lembrando bastante o que acontece em “O Homem de Palha", 1973, de Robin Hardy. O que se desenrola ao longo dos eventos é um sutil e gradual processo de cooptação da jovem Dani, cujas vulnerabilidades emocionais a tornam uma espécie de “presa” fácil para Pelle e sua comunidade que agem para integrá-la. A protagonista se insere, sem se dar muita conta disto, na coletividade e nos costumes daquela cultura e o que tudo indica, acaba superando os traumas, a depressão e o luto (o episódio do torneio para a coroação da Rainha de Maio vencido por Dani sela essa simbiose). Por outro lado, Christian e seus amigos são exemplarmente punidos, pagando com a própria vida por suas atitudes e ações que desrespeitaram ou feriram os princípios da seita, além de num sentido mais amplo, representarem os alvos de uma vingança da jovem protagonista. Ora, de certa forma, este fator também gera ambiguidade já que estes infelizes convidados certamente jamais sairiam com vida do vilarejo, o que de fato se comprova pela realização da cerimonia sacrificial lá no último ato do filme.
A direção desenvolve o drama com intensidade através de planos sensivelmente apurados, articulando uma decupagem parcimoniosa e lentamente perscrutadora. Engendra-se uma atmosfera opressiva, carregada e extremamente perturbadora com uma manipulação impecável dos recursos narrativos, modulados para comprimir ou extravasar a tensão e o terror. Os planos abertos e contemplativos açambarcam a edílica rotina coletiva aldeã, revelando aspectos enigmáticos e bizarros na profundidade dos planos, intrigando e provocando o espectador acerca daquela realidade e seus possíveis desdobramentos . Ari Aster propõe um cinema imersivo e sensorialmente estimulante que se por um lado choca pela abordagem intensa das dores e desgraças da protagonista, assim como pela representação de uma violência exacerbada, crua e repugnante, por outro lado, fascina pela beleza das fotografias panorâmicas cheias de luz e cores vivas, pela captação do espetáculo natural do solstício e pela exuberância dos cenários bucólicos, ironicamente adversos à essência dos próprios conflitos e do terror que o enredo articula. O desconforto e a repulsa causados por uma retratação radical da violência, repleta de um gore extremado, expresso nos suicídios voluntários e nos assassinatos, indo na contramão da “aparente” bondade comunitária, são reações óbvias que a obra tende a gerar no público, embora haja método e bastante parcimônia para distribuir esses momentos mais cruéis e macabros ao longo da trama. O design de produção rico em detalhes e metáforas alimenta a semântica constitutiva das cenas desde o início da trama, saltando aos olhos a caracterização de um paganismo ritualístico impregnado no vilarejo, seja nos espaços, nos figurinos e objetos (as runas, por exemplo) que carregam uma série de desenhos sugestivos e representações simbólicas. A trilha sinistra e hipnótica é outro recurso estratégico de Aster para intensificar as diversas sensações, sejam elas de asco, vertigem ou êxtase, conforme a ocasião. Destaque para a performance enervante de Florence Pugh na pele da depressiva e atormentada Dani. Aqui a direção impressiona pela capacidade em desenvolver o drama, extraindo da atriz uma intensidade expressiva absurda. “MidSommar – O Mal Não Espera a Noite” eleva a experiência do terror a outro nível, lançando mão do drama trágico e do suspense em função de um cinema mais sensorial e perturbador. Embora Ari Aster aposte em projetos que naturalmente divida opiniões e gostos, impossível não reconhecer sua marca autoral criativa num gênero que, muitas vezes, tende a se retroalimentar de convenções genéricas.
Por: Ábine Fernando Silva
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