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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Mudando o Destino (2013)

Direção: Ragnar Bragason

Roteiro: Ragnar Bragason

Elenco principal: Thora Bjorg Helga, Ingvar Eggert Sigurdsson, Halldóra Geirharðsdóttir, Sveinn Olafur Gunnarsson, Hannes Óli Ágústsson.

Disponível: AmazonPrime.

Halldóra Geirharðsdóttir, Thora Bjorg Helga e Ingvar Eggert Sigurdsson contracenam no filme de Bragason

Drama de superação articulado sobre o pano de fundo da cultura Heavy Metal, o filme finlandês “Mudando o Destino” aproveita sua premissa trágica e direta para refletir o luto e seus efeitos longevos na desestruturação familiar, sobretudo, seus impactos na vida de Hera (Thora Bjorg Helga), cujo “mergulho” no sombrio e provocador subgênero do Black Metal cultivado e adorado pelo falecido irmão representa não só um refúgio para a dor e a culpa, mas também uma maneira de extravasar a raiva, a frustração, descobrir um dom artístico nato e reafirmar a individualidade em meio a um provincianismo religioso e conservador. Após perder o irmão num acidente com um trator na fazenda da família, Hera se fecha para o mundo a sua volta, tornando-se “devotada” ao Metal e adotando um comportamento rebelde e autodestrutivo. Na realidade, a morte trágica de Baldur acaba atingindo em cheio a garota e seus pais, afundados na culpa e num desalento mudo que se arrasta ao longo do tempo. Solitária, melancólica e revoltada com tudo, a protagonista acaba encontrando no rock e na acolhida de algumas pessoas próximas uma maneira de lidar com o trauma e a rejeição, não sem antes superar os preconceitos da isolada comunidade rural em que vive. O roteiro também assinado por Bragason explora o comportamento intempestivo de Hera sem tornar tão evidente, não pelo menos a princípio, sua relação direta com a morte do primogênito, uma vez que a elipse temporal pós tragédia dificulta uma conexão específica entre a desgraça familiar e o presente de uma jovem rebelde e antissocial que anseia sem sucesso deixar pra trás o pequeno vilarejo na Escandinávia. À medida que a narrativa progride vai ficando mais claro para o espectador que a identificação da moça com estética sombria do Black Metal simboliza uma forma de manter viva a memória afetiva do irmão, além de estimular a revolta da protagonista, tomada por uma inclinação mórbida, selvagem e depressiva, cujos efeitos se estendem aos Karlsson como um todo, haja vista a frieza, a incomunicabilidade e a hostilidade das relações no interior do lar. O texto de “Mudando o Destino” se interessa, por tanto, pelo viés nocivo e destrutivo do não enfrentamento do luto, fator que acaba “esgarçando” os vínculos familiares, deixando evidente que o patriarca Karl (Ingvar Eggert Sigurdsson) e a esposa Drouplaug (Halldóra Geirharðsdóttir) também não souberam lidar com a culpa e todo sofrimento advindo da perda precoce do filho. Não obstante, a partir do momento em que o casal reconhece a necessidade de se ajudarem mutuamente, aceitando a fatalidade e digerindo suas dolorosas consequências, a trama passa a explorar o drama de forma propositiva, distendendo seu teor austero e pessimista. Já em relação à personagem de Helga, seu envolvimento voluntário e instantâneo com a subcultura headbanger herdada de Baldur e comumente taxada de satânica na perspectiva cristã e conservadora da comunidade local, processa-se uma espécie de desabrochar criativo pungente com a música, convertida em “válvula de escape” e extravaso emocional importante, ainda que a solidão, a incompreensão e a ausência de uma interlocução sincera tornem sua vida caótica e suas ações cada vez mais irresponsáveis.

Hera (ao centro) e sua banda de Black Metal em 'Mudando o Destino'

No fim das contas, o que parece faltar à garota é acolhimento, diálogo e a possibilidade de compartilhar sua essência, personalidade, angústias e os anseios de sua juventude dentro de um contexto de grupo, ou seja, por trás de toda aquela tristeza, fúria e isolamento, o que parecer faltar é compreensão, tolerância, aceitação e amor, aspectos que Bragason decide atribuir a certos personagens que se aproximam de Hera e logo em seguida, arrefecer a resistência e o conflito social através da revelação de uma compaixão coletiva até então inesperada no enredo. A preponderância da atmosfera carregada, do drama mórbido e do alheamento hostil da protagonista encontra escopo nas referencias reverenciosas e apaixonadas ao metal, desde a trilha excepcional com “Savatage”, “Judas Prist”,“Riot”, “Venom” e “Megadeth”, até o design de produção dos quartos dos irmãos, da maquiagem sombria da jovem e do figurino com camisetas pretas estampadas com o emblema de bandas conhecidíssimas do público. Por outro lado, o roteiro toma o cuidado de não estigmatizar a cultura headbanger ao explorá-la apenas através da dor e da revolta de Hera, ao contrário, “Mudando o Destino” exalta a importância do Heavy Metal como mecanismo de expressão cultural e extravaso emocional da juventude, denunciando a visão torpe, estreita e preconceituosa que associa esse subgênero do rock ao satanismo e desmistificando, ao final do terceiro ato, toda sua áurea supostamente maligna, bizarra e nociva ao aproximar os moradores do vilarejo à jovem e sua singular expressão musical. A direção de Ragnar Bragason constrói o drama recorrendo a uma decupagem ultrarrealista e crua com enquadramentos tensos e movimentos convulsivos de câmera na mão, além do uso da paleta fria e dessaturada, absorvendo não só inclemência gélida do cenário nórdico, mas a corrosão afetiva das relações familiares, diretamente afetadas pela incapacidade de superação do luto. O ambiente rural, frio e inóspito da província escandinava é muito bem retratado pelo diretor finlandês, conjugando a sensação de isolamento, vastidão e incomunicabilidade dos espaços com a própria condição emocional e psicológica da protagonista, cujas manifestações turbulentas e inconsequentes, assim como os conflitos sociais e familiares encontram na intensidade da direção do drama (com seus planos fechados e instáveis), na trilha Black Metal e na performance sincera de Thora Bjorg Helga os grandes momentos do filme. Os sofrimentos familiares, a irreversibilidade do trauma e a sensação de tragédia iminente tornam o ritmo narrativo um tanto parcimonioso e sugerem o desfecho pessimista até a sua primeira metade, muito embora o enredo não forneça pistas ao espectador para onde deseja se encaminhar. No entanto, a partir da segunda metade, tudo se torna mais fluído e dinâmico com a superação solidária do luto pelo casal Karlsson, o consequente acolhimento e aceitação comunitária de Hera e finalmente a consolidação da harmonia familiar, invertendo o tom mórbido e pessimista preponderantes. “Mudando o Destino” é entre outras coisas, sobre a desgraça de sucumbir à culpa e ao luto quando por algum motivo, não se consegue processar individualmente e coletivamente o trauma de um evento trágico. Entretanto, o que Bragason faz também com paixão e sensibilidade é aproximar o público leigo e reticente ao Black Metal abordando sua ideologia e estética por uma ótica transformadora e humana, desconstruindo preconceitos e ironias.


Por: Ábine Fernando Silva

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