Direção: Edward Berger
Roteiro: Edward Berger
Elenco principal: Felix Kammerer, Daniel Brühl, Albrecht Abraham Schuch, Devid Striesow, Aaron Hilmer, Edin Hasonovic.
Disponível: Netflix
“Nada de Novo no Front” de Edward Berger consegue absorver de forma bastante consciente e direta muitos dos elementos estilísticos consagrados pela tradição do cinema de guerra só que distorcendo a lógica ufanista do heroísmo e da superação, convertidas aqui numa espécie de espetáculo de horror gradativo e desalentador. Berger constrói em torno do conceito de “inocência corrompida” um interesse humano bastante sincero que articula sua visão antibelicista recorrendo a um realismo um tanto cru e sombrio, cuja mise-en-scene opera insistentemente, sobretudo, através dos planos austeros, da movimentação de câmera atmosférica e imersiva, da fotografia fria e carregada, desconstruindo qualquer idealização do processo da guerra, desde os ambientes burocráticos e administrativos mais abastados e sombrios, até os próprios campos de batalha, onde o pesadelo das privações e da violência extrema dita o tom. O diretor alemão se apropria muito bem de certos elementos já evidenciados em obras como “Glória Feita de Sangue”, (1957) de Stanley Kubrick, “Vá e Veja” (1985) de Elem Klimov e no recente “1917” (2017) de Sam Mendes mergulhando seu protagonista Paul Baumer (Felix Kammerer) no inferno asfixiante e auto degradante dos campos e trincheiras do front germânico na 1ª Guerra Mundial, interessado em retratar, ora de forma abrangente, ora de forma intimista, a frieza impessoal dos altos escalões que insistem em perpetuar o confronto e o processo lento e estarrecedor de desumanização do a princípio, entusiasmado e voluntarioso Paul. Embora a narrativa articule certos momentos distensivos oxigenando seu drama com algum otimismo advindo das singelas relações humanas entre os soldados, o tom circunspecto e desesperançoso da tragédia como um todo jamais perde de vista a crueldade sem sentido com que vidas humanas são insistentemente desprezadas e descartadas pelos “senhores da guerra”. Nesse sentido, a abordagem contrastiva da encenação, pontuando de um lado a condição caótica e miserável dos combatentes no front e do outro o conforto alienado e arrogante do alto comando, tende a suscitar, muitas vezes, o incomodo e a revolta. Fica evidente no longa, não só o efeito ideológico nefasto da máquina propagandística alemã, aproveitando as circunstancias e semeando um patriotismo eufórico entre a juventude, como também essa crítica implacável à indústria da guerra e seus artífices, cujas ambições e vaidades potencializam cada vez mais o ciclo vicioso de extermínio das novas gerações. Berger explora o drama de Paul sem dissocia-lo, em muitos momentos, das sequencias de ação mais épicas, repletas de uma violência brutal, inclusive, o diretor utiliza esse recurso do gênero para aplacar quaisquer sentimentos de “honra” e “bravura”, o que vai tornando as motivações do jovem que presenciou o aniquilamento gradual de cada um de seus companheiros, um tanto “autômatas” e indiferentes. Ora, me parece que a própria morbidez fotográfica de James Friend captura e comunica o insólito e o inglório daquele inferno, rejeitando, inclusive, a contemplação e ancorando-se numa leitura discreta e melancólica dos cenários. Cabe destacar ainda que a unidade concisa do filme alemão é reiterada também tanto pela precisão no encerramento da sua mensagem central (a maldição de Sísifo das gerações que são imoladas na guerra), quanto pelo controle dramático e progressivo do ritmo da montagem e do uso oportuno e maleável da trilha, acompanhando a terrível jornada do personagem de Kammerer. O trabalho cinematográfico impecável de Edward Berger nessa adaptação original do romance homônimo de Eric Maria Remaque conquistou uma recepção acalorada nos principais festivais de cinema, empilhando diversas premiações importantes e acima de tudo, chamando à atenção aos recentes tensionamentos políticos e militares na Europa que "vira e mexe" ameaçam reproduzir novamente, em escala global, toda a barbárie e destruição já experienciadas com as duas grandes guerras mundiais.
Nota: (10 / 9)
Por: Ábine Fernando Silva
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