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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Despertar dos Mortos (1978)

Atualizado: 8 de jun. de 2021

Direção: George A. Romero

Roteiro: George A. Romero

Elenco principal: Ken Foree, Scott H. Reiniger, Gaylen Ross, David Emge, Tom Savini

Segundo filme do lendário George A. Romero

Segundo longa sobre os icônicos mortos-vivos realizado por George A. Romero que se consolidaria ao longo dos próximos anos como autoridade máxima no gênero, “O Despertar dos Mortos” foi uma aposta criativa e bem sucedida que marcou uma geração e estabeleceu de vez a mitologia zumbizesca tão cultuada pela cultura pop até os dias atuais (talvez um pouco saturada, diga-se de passagem) revolucionando com muito sarcasmo um subgênero de terror permeado pelo argumento narrativo politizado e em sintonia com as questões sociais emergentes do modo de vida urbano e capitalista da segunda metade do século XX. “O Despertar dos Mortos” aborda o apocalipse zumbi através da perspectiva de quatro personagens em fuga do pandemônio social e que durante o trajeto de helicóptero resolvem buscar refúgio num enorme shopping center, local que oportunamente decidem ficar. A partir daí, os policiais Peter (Ken Foree) e Roger (Scott H. Reiniger) e o casal de jornalistas Francine (Gaylen Ross) e Stephen (David Emge) promovem uma verdadeira “limpeza” dos cadáveres ambulantes no interior do edifício, além de fortifica-lo em seu entorno com uma série de carretas enormes, obstruindo os acessos. Quando tudo parecia caminhar razoavelmente bem, uma vez que o quarteto mergulhava numa rotina cômoda e enfadonha, cheia de analogias e metáforas ácidas acerca dos comportamentos e vícios humanos em sociedade, eis que uma turba de motoqueiros arruaceiros e selvagens ataca o ostentoso reduto edílico do consumo, ameaçando definitivamente a vida do grupo sobrevivente. O roteiro de George A. Romero possui uma perspicácia irônica e mordaz ao secundarizar a ameaça zumbi, utilizando-a como justificativa para refletir acerca dos hábitos e comportamentos humanos em situações de iminente desintegração dos laços de civilidade. De fato, o desconhecimento da ameaça virulenta que transforma pessoas em mortos-vivos comedores de carne humana chega a transtornar e desestabilizar de uma vez por todas a vida em sociedade dos personagens inseridos no fluxo narrativo frenético e instável de “O Despertar dos Mortos”, ainda mais quando diante do caos e do desconhecido, a mídia televisiva passa a operar com uma série informações incertas ou questionáveis intensificando ainda mais a balbúrdia e a discórdia. As constantes relações dos terríveis acontecimentos com a informação e reflexão sobre estes promovidas via televisão e que perpassam a trama são mais uma sacada genial do roteiro, bastante impiedoso em suas críticas incisivas e bem humoradas sobre alienação midiática. Além disso, temas como individualismo, racismo, machismo, consumismo, sociopatia, cultura armamentista e descrédito com a Ciência também dão o seu ar da graça num longa atravessado pelo argumento politizado às vezes disfarçado, às vezes evidente. Por outro lado, os seres humanos ainda constituem o maior obstáculo ou a maior ameaça quando o tecido social se esgarça e o vale tudo pela sobrevivência e pelo controle dos recursos ganha importância indubitável e é justamente neste ponto que o expectador vislumbra todo o universo de “The Walking Dead, 2010, Frank Darabont” germinando ainda no interior de “O Despertar dos Mortos”.

Gaylen Ross (Francine), David Emge (Stephen), Ken Foree (Peter) e Scott H. Reiniger (Roger) no Shopping Center

Em relação aos personagens centrais nada de complexidade, a trama não os aprofunda, pelo contrário, o quarteto é um desfile de estereótipos e caricaturas cujas ações indicam certa previsibilidade de destinos, embora Francine seja uma personagem mais realista e genuína, lutando pelo seu espaço entre os homens. No que diz respeito aos “zumbis” o filme ratifica a cultura comportamental desses seres, comedores de carne humana, com instinto de bando, reprodutores de hábitos mecânicos pregressos, além de extremamente lentos e desengonçados. Os efeitos especiais e a maquiagem dos grupos de mortos-vivos no geral deixam um pouco a desejar (pintura facial pouco convincente), mas nada que comprometa a estilização de alguns zumbis em específico que possuem um tratamento visual mais apurado, o realismo das encenações e dos ataques, além do aspecto gore da violência gráfica artesanal muito bem executada. George A. Romero dirige “O Despertar dos Mortos” apelando para uma violência e um sadismo exacerbados, cujos personagens confusos e desorientados encontram o prazer na “desforra” ou então sucumbem aos próprios males sociais e alienações de sempre. O filme é eletrizante e convulsivo no primeiro e no último ato, com uma montagem que dá ritmo dinâmico à ação, ainda que apresente pequenas incongruências sequenciais. Há um entreato distendido e parcimonioso, cheio de reflexões existenciais e sociais e o design de produção repleto de desordem e destruição alimenta a narrativa com objetos sugestivos e cenário caótico, captado por uma câmera oportuna que explora os ambientes internos do shopping por meio de ângulos variados e sugestivos. A violência extrema, sanguinolenta e visceral de “O Despertar dos Mortos” é contrabalanceada pela direção que atribui um tom “galhofeiro” ou “embusteiro” a atmosfera dos acontecimentos, ressaltando a teatralidade das ações, utilizando uma trilha sonora desprendida que anula qualquer solenidade, adensando o sarcasmo à tragédia de terror e sobrevivência. O segundo filme de zumbis concebido pelo criativo e talentoso George A. Romero lá em 1978 ainda pulsa originalidade articulando o terror com reflexões sociais e existenciais impertinentes e atuais, ostentando um patamar icônico e artístico que de certa forma iluminou toda produção cultural posterior sedimentada em torno de criaturas tão metaforizadas.


Por: Ábine Fernando Silva

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