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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Dilema das Redes (2020)

Atualizado: 5 de mar. de 2022

Direção: Jeff Orlowski

Roteiro: Jeff Orlowski, Davis Coombe, Vickie Curtis

Elenco: Skyler Gisondo (Ben), Jaron Lanier (autor: Dez Argumentos Para Você Deletar AgoraSuas Redes Sociais), Vincent Kartheiser (I.A/algoritmo), Kara Hayward (Cassandra), Sophia Hammons (Isla), Shoshana Zuboff (professora), Renee DiResta, Tristan Harris, Justin Rosenstein, Roger McNamee, Guillaume Chaslot, Jeff Seibert

Documentário de Jeff Orlowski e uma produção Netflix

“O Dilema das Redes”, documentário produzido pela Netflix e dirigido por Jeff Orlowski que também assina o roteiro juntamente com Davis Coombe e Vickie Curtis tem causado algum frisson desde seu lançamento pela plataforma de streaming, levantado importantes debates acerca da natureza e intencionalidade de determinadas plataformas digitais, investindo numa construção narrativa que direciona sua linguagem para deixar bem claro ao espectador o lado mais sórdido, inescrupuloso, antiético e alienante de gigantescas empresas de internet que faturam bilhões à custa de uma passividade consumista muitas vezes insuspeita, estimulada e controlada, sem contar o viés político intencionalmente nocivo que tem colaborado para um processo autoritário de desestabilização democrática ao redor do mundo. Do ponto de vista dos recursos e estratégias utilizadas na linguagem documental, muitas vezes falsamente engendrada e "vendida" como factual e verídica, a intenção da direção é construir uma aproximação empática com o público, registrando com certa intimidade, espontaneidade e descontração os depoimentos dos entrevistados, ex-ocupantes de cargos importantes em grandes empresas de tecnologias e também especialistas de áreas diversas que se debruçam sobre os efeitos da imersão crescente nos ambientes virtuais pela sociedade mundial, abordados em cenas de bastidores, preparando-se para as falas, meio inquietos e hesitantes, tudo articulado por meio de uma decupagem que despretensiosamente se torna confidente, pois, evoca certa franqueza e transparência dessas pessoas, cuja relevância técnica e profissional atribuída às suas funções ou contribuiu para a construção de mecanismos tecnológicos enviesados ou de algum modo se revestem da legitimidade para apresentar críticas e diagnósticos acerca dos malefícios de um sistema virtual de mídias que tem tornado um número expressivo de indivíduos dependentes, ansiosos e compulsivos. Da mesma forma que sustenta com autoridade sua tese nefasta sobre a influência das redes na vida social através de relatos de frente para câmera, Orlowski dá ritmo envolvente à trama através da relação eficiente com outras formas narrativas, introduzindo através de colagens e da montagem dinâmica frases e expressões de impacto, dados estatísticos, trechos de reportagens, programas de auditório, noticiários de televisão e animações que para além de contar a história de um dos depoentes, introduz uma dramatização ficcional e de teor mais didático, trespassando todo o filme e dando uma dimensão ainda mais assertiva sobre cada elemento crítico apresentado.

Peça ficcional que integra a linguagem do documentário

“O Dilema das Redes” denuncia através da amálgama versátil de linguagens o poder persuasivo das gigantescas Google, Facebook, Instagram, Twiter, Whtasapp, Pinterest, etc., empresas que se utilizam de estratégias psicológicas objetivadas para arregimentar uma parcela significativa da população mundial que por necessidades sociais de comunicação das mais diversas estão conectadas por redes de relacionamentos virtuais, que ao contrário do que aparenta, estão longe de uma operacionalidade neutra, ingênua ou pretensamente bem intencionada. A narrativa ao apresentar diversos argumentos variados e plausíveis sobre a influência exagerada que se tornou tão íntima e essencial das ferramentas de internet ao longo dos últimos anos constrói uma atmosfera de inquietação, desconforto e reflexão já que o expectador é exposto a evidências chocantes e escabrosas dificilmente perceptíveis ou claras no que se refere ao uso particular ou íntimo das redes. O documentário discute a função maliciosa dos famigerados “algorítmos”, sobretudo, no ambiente das redes sociais, uma vez que os “usuários” percebidos como consumidores em potencial acabam sendo literalmente manipulados pela inteligência artificial no interior da plataforma navegada, seja através da potencialização expositiva a produtos e serviços que leva em consideração os dados e o perfil desses “usuários” (compartimentando gostos e preferências e assim reforçando os mesmos), seja pela construção de uma leitura de mundo também repetitiva, constantemente “martelada” e que pareça satisfatória, de acordo com a ideologia da pessoa, induzindo um comportamento sempre unilateral, tendencioso e vicioso acerca de uma determinada realidade. Nesse sentido, o filme escancara a falta de escrúpulos do Google ou do Facebook que estruturam suas redes de informação para reforçar concepções distorcidas sobre os mais variados fatos, restringir uma abordagem mais ampla de temas, reforçar posicionamentos antidemocráticos, polarizados e caluniosos sobre questões científicas e políticas abocanhando bilhões de dólares com isso, além de contribuir diretamente da forma mais perversa, desleal e criminosa com Estados autoritários (caso de Myanmar, por exemplo) ou influenciar em resultados de eleições como nos Estados Unidos ou no Brasil. A peça de ficção que entrecorta o documentário, embora seja muito expositiva e óbvia consegue de alguma forma contrabalancear o volume de fatos e denúncias apresentadas pela narrativa documental, construindo um panorama figurativo da inserção e da relação das pessoas comuns no ambiente das redes, pois cada membro da família retratada nesta breve trama transparece seu próprio dilema em relação ao uso da internet e que vai desde o vício, a depressão, a baixa autoestima, a ansiedade, o suicídio até a fomentação individual de uma radicalização ideológica e política. No que se refere ao grupo dos entrevistados, especialmente os que já trabalharam nas gigantescas e influentes empresas de tecnologia, “O Dilema das Redes” escolhe a caracterização condescendente que os considera de alguma forma também sujeitos ao poder e ao capricho das inovações que ajudaram a criar. Há uma espécie de retratação de uma dívida moral destes personagens que parecem um pouco perdidos em relação às alternativas para fazer frente, barrar ou opor-se ao formato programático das redes, como também certa cautela em “demonizar” ou “amaldiçoar” uma tecnologia que teria permitido saltos qualitativos expressivos para a vida de bilhões de pessoas. Sugere-se o autocontrole, o uso moderado da internet, a disciplina psicológica, a legalidade jurídica ou até mesmo o boicote consciente e radical das redes sociais defendido, por exemplo, pelo cientista da computação Jaron Lanier como proposta para lidar com a questão. Alternativas frágeis de solução e antídotos questionáveis a parte, “O Dilema das Redes” merece elogios por estimular discussões e reflexões curiosamente muito pouco exploradas no Brasil tendo em vista a importância social e a organicidade de ferramentas tecnológicas de comunicação que se tornaram imprescindíveis ao longo das últimas duas décadas. Ainda que o tema das “Fake News” tenha alcançado expressiva notoriedade nos últimos anos, entrevendo a responsabilização de grandes empresas de mídia social no que se refere à falta de controle e má vontade em barrar informações falsas, o documentário da Netflix (empresa que por sua vez também possui interesses competitivos e mercadológicos bem delineados) traz o gostinho da pílula vermelha, aquela que no filme “Matrix" (1999) das irmãs Lana Wachowski e Lilly Wachowski” trouxe o poder libertador a Neo, até então literalmente mergulhado no sono trágico das máquinas que lhe sugava a vida, as energias e o alienava radicalmente da realidade.


Por: Ábine Fernando Silva

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