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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Gângster (2007)

Atualizado: 24 de abr.

Direção: Ridley Scott

Roteiro: Steven Zaillian (baseado no: The Return of Superfly de Mark Jacobson)

Elenco principal: Bumpy (Clarence Williams III), Frank Lucas (Denzel Washington), Richie Roberts (Russell Crowe), Huey Lucas (Chiwetel Ejiofor), Mama Lucas (Ruby Dee), Detective Trupo (Josh Brolin), Nicky Barnes (Cuba Gooding Jr.).

Common (Turner Lucas), Denzel Washington (Frank Lucas) e Chiwetel Ejiofor (Huey Lucas) em 'O Gângster'

Baseado na história real de Frank Lucas, o grande chefão do tráfico de heroína do Harlem nos 70, “O Gangster” persegue a grandiloquência épica das grandes produções de renome que se propuseram explorar a complexidade política, social e humana do universo violento, glamoroso, paranoico e decadente das grandes famílias mafiosas. Ainda que o projeto de Scott não alcance a dimensão estética dos grandes clássicos do gênero como “O Poderoso Chefão, 1972, Francis Ford Copolla”, “Scarface, 1983, Brian de Palma” ou “Os Bons Companheiros, 1990, Martin Scorsese”, sua identidade temática, produção ostentosa e elenco formidável chama a atenção em se tratando de ambição cinematográfica. A relevância temática concentrada na transição, ascensão, domínio e consequente declínio do império do tráfico em Nova York, encabeçado pelo ex-motorista negro Frank Lucas (Denzel Washington), assim como a sugestão histórica desestabilizadora e polêmica acerca da participação ativa de setores do exército norte-americano no translado de heroína do oriente para os Estados Unidos, durante a “Guerra do Vietnã”, já são elementos mais do que convidativos e imprescindíveis deste recorte ficcional conturbado dos Estados Unidos em pleno auge da Guerra Fria. O enredo do filme se debruça sobre a vida do discreto mordomo/motorista Frank que após a morte do patrão, mentor e referência criminosa Bumpy (Clarence Williams III) assume os negócios escusos no Harlem ao passo que galga de maneira meteórica os altos patamares do tráfico de “blue magic” (heroína pura), estabelecendo contatos e negócio direto com um grande produtor da droga na Tailândia e fazendo-a escoar para os Estados Unidos em avião militar, através do suborno de oficiais do exército acampados na região durante o conflito armado no Vietnã. Concomitante ao arco do gangster, acompanhamos também a trajetória do detetive Richie Roberts (Russell Crowe), sujeito impetuoso e destemido no combate ao crime, aspirante a promotoria, convicto de sua lisura ética e integridade frente à corrupção institucional escandalosa da força policial da qual fazia parte. Além disso, a trama também aborda a vida conturbada do personagem de Russel Crowe que enfrenta um processo de disputa judicial pela guarda do filho e acaba tendo seu destino profissional como investigador ligado a captura e desmantelamento das atividades criminosas de Frank Lucas. O roteiro de Steven Zaillian (inspirado em artigo publicado na revista New York: The Return of Superfly de Mark Jacobson) alcança êxito ao optar pelo desenvolvimento paralelo de protagonismos antagônicos, ressaltando características psicológicas e personalidades dissonantes, embora promova com mais incidência e entusiasmo o drama do personagem de Denzel Washington e torne em determinado momento, o arco de Richie um tanto moroso e desinteressante, ainda que ressalte suas contradições pessoais versus sua conduta profissional exemplar. A abordagem de subtramas que contemplam a corrupção institucional, práticas deliberadamente ilegais e comportamentos criminosos de policiais funcionam como uma amálgama que une os caminhos e destinos dos protagonistas e estão encaixadas com precisão ao longo do enredo.

Josh Brolin (ao fundo) e Russell Crowe (em primeiro plano) também estão presentes no filme de Scott

Algumas escolhas, por outro lado, soam um tanto forçadas como a tentativa de estabelecer uma espécie de relação amistosa entre o mafioso e o agente Roberts ao final do longa, o que não se justifica, dada a intransigência sólida e distinção óbvia do universo de seus "papéis sociais". Uma omissão histórica cara e que chega a causar certo incômodo em “O Gangster” é a pouca ou quase nula importância dada às turbulências político-sociais vividas nos Estados Unidos durante as décadas de 60 e 70, uma vez que a luta do movimento negro pelos direitos civis (inclusive a relação desta com o próprio Frank), as manifestações antibelicistas e a contracultura nem sequer aparecem relacionadas às trajetórias dos protagonistas, abandonados numa indiferença contextual gritante em se tratando de uma obra inspirada em eventos reais (também não sabemos se houve apuração para punir os militares envolvidos no tráfico de drogas da Tailândia). A direção de Ridley Scott tem vigor, fluidez, embasamento visual e estilo que se detém na reprodução dos pormenores do universo das máfias, fisgando nossa atenção, explorando o melhor dos atores e das situações dramáticas, numa dosagem precisa dos contrapontos entre os arcos narrativos. Soma-se a isto, um design de produção impecável, numa reconstrução bastante realista da cidade de Nova York dos fins dos anos de 60 e início dos anos 70, repleta de edifícios decadentes, muita poluição, pobreza e criminalidade. A fotografia em cores frias e tons pastéis alimenta essa ambientação sórdida e a atmosfera suja que impregna a própria mensagem que o enredo desenvolve. Já a edição, se num primeiro momento chega a confundir dada a quantidade de informações que entrega ao publico logo nos primeiros instantes do filme, com o tempo acaba se encaixando rapidamente e se harmonizando com a proposta, concatenando os eventos com desenvoltura e precisão. As interações familiares e íntimas, as manifestações dos afetos e das paixões possuem assaz relevância em "O Gangster", numa ambivalência que desconstrói o maniqueísmo simplista do "mocinho" versus "bandido", já que de um lado, insurge o chefão do Harlem como uma figura humana, às vezes ardilosa e violenta, mas sobretudo, sensível às necessidades materiais de sua numerosa família, e do outro, o tira honesto e de um senso ético inabalável, mas que possui uma vida emocional desregrada e impulsiva, equilibrando-se entre o trabalho investigativo e os estudos jurídicos. A opulência e o conforto material adquiridos na construção do império mafioso de Frank Lucas trazem para o âmago dos acontecimentos muitos parentes, mãe, irmãos, sobrinhos, etc. que passam a experimentar os altos e baixos de um homem mergulhado nas preocupações em manter e expandir um legado, estabelecer um nome (ou uma marca como o próprio personagem diz) e administrar um poder que não permite vacilos sentimentais, ofensas ou extravagancias (erro que o gangster acaba cometendo). Vale destacar aqui as atuações de Chiwetel Ejiofor (Huey Lucas) como irmão do protagonista e que acaba adentrando uma vida de luxos e excessos, sucumbindo à fragilidade imatura e chamando a atenção de forma perigosa para os negócios do irmão. Ruby Dee (Mama Lucas) tem presença marcante como a matriarca humilde, protetora e que conhece como ninguém o filho que tem (a atriz protagoniza talvez a cena mais impactante e dramaticamente intensa do filme, quando seu personagem desfere um tapa no rosto do filho Frank, impedindo-o de matar o corrupto Trupo). Por falar em corrupção e polícia, assunto que atravessa o enredo de forma contundente, Josh Brolin (Detetive Trupo) interpreta em grande estilo o tira durão, corrupto, ganancioso e cínico que chantageia, ameaça e rouba os próprios criminosos. Muito seguro de sua impunidade acaba com um fim trágico (suicídio) à medida que o chefão do Harlem firma acordo de delação apoiando os federais e Richie numa limpeza homérica nos distritos policiais de Nova York. Cabe mencionar a exuberância meio cafetã e ousada, do extravagante Nicky Barnes, interpretado com instinto por Cuba Gooding Jr., “encurralado” por Frank ao alterar a composição do “blue magic”. “O Gangster” ratifica essa competência cinematográfica um tanto ambiciosa e versátil de Ridley Scott, mesmo que o filme não alcance toda magnitude artística dos grandes clássicos do gênero.


Por: Ábine Fernando Silva

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