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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Homem do Norte (2022)

Direção: Robert Eggers

Roteiro: Robert Eggers e Sjón

Elenco principal: Alexander Skarsgård, Anya Taylor-Joy, Nicole Kidman, Ethan Hawke, Claes Bang, Björk, Willem Dafoe.

Alexander Skarsgård (Amleth) em 'O Homem do Norte' de Robert Eggers

Responsável por trabalhos minuciosos de intensa penetração historiográfica e literária como “A Bruxa”, 2015 e “O Farol”, 2019, Robert Eggers em seu terceiro longa, “O Homem do Norte” segue ostentando um traço autoral inconfundível, só que agora, superdimensionado pela proposta megalômana da produção viabilizada por um orçamento de patamar blockbuster. A lendária saga viking de Amleth contida no “Saxo Grammaticus, o Gesta Danorum: ‘A História dos Dinamarqueses’ escrita em latim no início do século XIII, cuja substancia trágica, talvez tenha no Hamlet de Shakespeare sua versão mais consagrada, ganha nas mãos de Eggers uma abordagem épica peculiar, uma vez que o realismo conceitual perseguido pela cinematografia do diretor não rejeita ou separa a dimensão fantástica e mítica daquele universo, ao contrário, compõe um amálgama instigante do ponto de vista dramático, oferecendo contornos criativos incomuns ao gênero, o que por sua vez, também acontece ao seu tema central (vingança), redimensionado sob “novas roupagens” em relação à sua manifestação clássica usual. Por volta do século X na Escandinávia o jovem príncipe Amleth (Oskar Novak) assiste ao brutal assassinato de seu pai, o rei Aurvandill (Ethan Hawke) pelas mãos do seu tio Feng (Claes Bang) que além de usurpar o trono do irmão toma como esposa a própria cunhada, a rainha Gudrún (Nicole Kidman). Após fugir da perseguição e da morte certa a mando do novo monarca, Amleth (Alexander Skarsgård) se exila em outras terras e com o passar dos anos acaba se tornando um guerreiro forte e cruel que agarra a oportunidade de retornar ao seu antigo lar disfarçado como escravizado para finalmente se vingar do tio. Embora revelações escabrosas sobre a família e a ascendência do príncipe guerreiro venham à tona confundindo seus objetivos, o destino ainda lhe reserva grandes surpresas e glórias. O roteiro compartimentado em cinco episódios tem assinatura do próprio Robert Eggers e do escritor islandês Sjón, investindo numa concepção visual potente (dos figurinos aos detalhes cenográficos) que além de viabilizar o enredo de maneira imersiva e atmosférica, tenta obsessivamente se aproximar de uma reconstrução fidedigna do passado medieval viking, sobretudo, buscando reproduzir uma visão de mundo que incorpora fundamentalmente, a mitologia, o ritual e a cultura guerreira brutalizada do indo-europeu. Nesse sentido, a trama de “O Homem do Norte” evoca um tipo de realismo fantástico naturalizado onde situações concretas da vida nórdica na alta idade média aparecem impregnadas por uma espécie de sacralização cósmica, permitindo que “feitiçaria”, “vidência” e “magia” sejam experiências individuais e coletivas influentes nas ações dos personagens, inclusive, guardando relações indissociáveis com a grande temática veiculada. Ora, o teor trágico da matéria embora remeta ao texto shakespeariano e, por conseguinte, a toda uma tradição teatral versada na inexorabilidade do “destino”, acaba propondo um tratamento bastante criativo e moderno em sua articulação do dilema da “vingança”, forjada a princípio como fenômeno inerente aos costumes bárbaros, dever ancestral e sina, para logo depois, sofrer o descrédito do choque de realidade advindo das revelações bombásticas da rainha Gúdrun, sugerindo o suposto equívoco da missão do herói e reforçando, por meio dessa inversão de perspectivas, a ideia disruptiva do livre-arbítrio, o que permitiria ao personagem de Skarsgård reconfigurar seus rumos e propósitos por meio de escolhas pessoais mais resistentes aos ditames místicos.

Alexander Skarsgård (Amleth) e Anya Taylor-Joy (Olga) contracenam no épico de Eggers

Ainda que a jornada obstinada de Amleth por vingança seja posta em xeque e ganhe contornos ambíguos em determinado ponto, a própria trama jamais negligencia sua importância, amparando as motivações do brutamonte viking através de sinais sobrenaturais da cultura manifestados pelos sonhos, pelas emanações do cosmos (natureza) e pelos presságios dos oráculos. O roteiro de Eggers e Sjón promove e prestigia uma tese clássica presente já nos primórdios da tragédia grega centrada no fatalismo do destino, misto de maldição e redenção, cuja inevitabilidade encerra definitivamente um ciclo vindouro de derramamento de sangue, apontando para uma soberania real futura ligada à descendência do herói. Por outro lado, chama à atenção a forma rígida e séria em que o realismo do filme, comprometido em traduzir fielmente o aspecto belicoso da cultura viking, envolve seu protagonista, introjetando-lhe, desde a tenra idade, uma devoção pela brutalidade, pelo ódio e pela guerra, tornados propósitos existenciais ainda mais impetuosos e alienantes com o assassinato do patriarca Aurvandill. Assim sendo, a narrativa lança mão de uma violência crua e direta, às vezes, espetacularizada em batalhas eloquentes e dramaticamente intensas como nas memoráveis sequencias do “saque a Kiev” e o “enfrentamento nos portões de Hel”, reeditando um tipo de fascínio voyeur pela ação e por corpos musculosos em movimento próprio do cinema testosterona dos anos oitenta. A assinatura épica do diretor americano aufere um realismo sombrio e místico às certas convenções do gênero na decupagem, sobretudo, nas suntuosas panorâmicas, nos belos planos abertos e na exuberante profundidade de campo. Essa faceta austera e lúgubre de um universo narrativo selvagem, cinzento e sujo é percebida também nas representações sisudas e solenes do elenco, especialmente do protagonista com seu porte encurvado exalando fúria, na trilha orgânica e tribal, composta de percussões, tambores e sons acentuados, na paleta escura e saturada da fotografia, na imersiva movimentação de câmera da ação com seus planos sequencias estilizados e na abordagem extremada e crua da violência. A mise-en-scene atmosférica e detalhista do filme absorve com muita naturalidade e acuidade o real e o sobrenatural, explorando ao máximo a riqueza cenográfica das locações, o perfeccionismo exótico do design de produção, dos figurinos rústicos e recorrendo estrategicamente aos efeitos visuais dos CGI, utilizados na engenharia gráfica de muitas cenas e sequencias. Apesar de “O Homem do Norte” ainda não ter atingido o retorno financeiro almejado devido à discreta presença do público nas bilheterias, o mesmo não se pode dizer quanto à excelente recepção da crítica, ratificando certa autonomia e liberdade criativa concedida pelos financiadores do projeto a um realizador com uma pegada mais autoral e nichada.


Por: Ábine Fernando Silva

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