Direção: Desiree Akhavan
Roteiro: Desiree Akhavan, Cecilia Frugiuele
Elenco principal: Chloë Grace Moretz, Sasha Lane, Forrest Goodluck, John Gallagher Jr., Jennifer Ehle, Emily Skeggs.
Disponibilidade: Telecine
Adaptação do livro homônimo de Emily M. Danforth, “O Mau Exemplo de Cameron Post” da cineasta nova iorquina Desiree Akhavan aproveita de forma oportuna e urgente o debate social bastante atual entorno da interferência e da capilaridade do pensamento fundamentalista cristão na moral e nos costumes estadunidenses para refletir acerca de seus impactos psicológicos e emocionais danosos em um grupo de adolescentes, cujas experiências homo afetivas precoces são tomadas como desvios pecaminosos graves, o que estimula seus responsáveis diretos a interna-los numa espécie de centro de terapia comportamental cristão, supostamente especializado na cura gay. Após ser flagrada pelo namorado aos beijos e carícias com a melhor amiga dentro de um automóvel durante o baile de formatura do colégio, Cameron Post (Chloë Grace Moretz) é enviada sob aval da tia a um “resort” espiritual para conversão de jovens potencialmente homossexuais. O ambiente religioso pretensioso e disciplinador promove uma pedagogia cruel e intolerante visando à transformação dos internos, culpabilizados por seus comportamentos considerados anormais, pecaminosos e depravados. Deste modo, uma série de tentativas de lavagem cerebral e abusos emocionais são perpetrados pelas lideranças cristãs do local, impulsionando a protagonista e seus novos amigos a tomarem uma decisão radical e libertadora. O roteiro adaptado pela própria Desiree Akhavan e por Cecilia Frugiuele conta a história da personagem de Moretz a partir da própria perspectiva da jovem, explorando muito pouco as razões familiares que influenciaram uma tomada de decisão tão invasiva, muito embora, estes motivos possam se justificar pelo cultivo de uma cultura religiosa intolerante e fanática. Aborda-se de forma geral, a vida de um grupo de garotos e garotas que tiveram algumas experiências homossexuais ou manifestaram algum comportamento social considerado impróprio dentro de um padrão normativo cristão, sendo convencidos da natureza intrínseca de seu mal (pelo menos é isto que a instituição tenta) e da perdição de seus atos, cuja origem remontaria a algum desvio ou trauma familiar pregresso mal resolvido. O absurdo do método de terapia balança ironicamente em seus pseudo resultados para não dizer que significa um fracasso total, já que a narrativa gradativamente vai apresentado ao público uma série de personagens coagidos, instáveis psicologicamente, confusos, infelizes com a reclusão compulsória, intimamente cientes da ineficácia de uma “cura gay”, mas que tentam manter uma carapuça de otimismo, de obediência e aceitação insustentáveis ao menor abalo. Nem mesmo o Reverendo Rick (John Gallagher Jr.), um dos tutores responsáveis pela orientação e assistência espiritual da instituição se mostra completamente seguro de sua “conversão” heterossexual, o que ratifica ainda mais a inutilidade coercitiva da terapia sobre os adolescentes, em plena fase de formação da personalidade, do desenvolvimento do próprio corpo e dos próprios desejos. Em se tratando da protagonista que passivamente aceita a decisão autoritária da tia de “interna-la” (o que parece soar incomum), tão pouco os princípios intolerantes e ideias frágeis sustentados pela ortodoxia cristã do local surtem efeitos e a partir do terceiro ato, de forma um tanto automática e até incoerente, isto porque Cameron parecia vulnerável e abalada demais com todo sofrimento enfrentado, uma jovem lúcida e decidida ganha corpo na trama, denunciando e enfrentando corajosamente a opressão conservadora, preconceituosa e anacrônica reproduzida pelos adultos no filme (embora o enredo se passe no ano de 1993, o debate suscitado não deixa de ser bem atual).
Além de Post, vivida por Moretz, o filme de Akhavan apresenta mais dois personagens adolescentes bastante importantes para o desdobramento dramático dos eventos e conflitos. São eles, Jane Fonda (Sasha Lane) e Adam Red (Forrest Goodluck), dois “internos” que se aproximam da novata, confidenciando suas revoltas, ressentimentos e traumas, construindo vínculos importantes e sinceros para juntos superarem a opressão do “claustro” cristão e consequentemente dos próprios familiares. A direção de Desiree Akhavan articula o drama da jovem construindo uma atmosfera cínica, alienada e artificial entorno das pretensões e práticas realizadas no centro religioso de cura gay, recorrendo a uma cinematografia perscrutadora e intimista, cuja insistência de planos mais fechados capta com verdade a espontaneidade das reações dos personagens, seus extravasos emocionais e conflitos internos. Explora-se com certa frequência o realismo de situações tensas que escancaram certa arrogância moral, autoritarismo e insensibilidade, embora a direção de Akhavan introduza alguns alívios cômicos e até poéticos, principalmente quando o trio Cameron Post, Jane e Adam estão em cena, ignorando em alguns instantes a hostilidade intrusiva daquele ambiente. A direção dos atores é dedicada e o expectador percebe a naturalidade sincera e espontânea nos diálogos, nas interações e nas manifestações individuais de sentimentos como dúvida, ódio, descrença, confusão, alienação, alegria e revolta. A diretora recorre a um apelo sexual um tanto desmedido através de cenas homossexuais picantes e extensas, talvez com intuito de chocar ou transgredir, haja vista o aspecto proibitivo, pecaminoso, controlador e tabu com que o tema é constantemente tratado na narrativa, bastante fluída na montagem e oportuna ao utilizar o “flashback”, revelando o passado recente do interesse afetivo de Cameron, assim como seu caso amoroso com a melhor amiga. As exigências dramáticas do roteiro e a direção engajada da cineasta arrancam excelentes performances do talentoso elenco, passando tanto por Chloë Grace Moretz, cuja atuação intimista administra com desenvoltura um turbilhão de sentimentos dolorosos, quanto por Sasha Lane e Forrest Goodluck que dão vida a jovens maduros, inteligentes e cativantes. John Gallagher Jr. protagoniza ótimos momentos quando tenta sustentar uma personalidade inspiradora e uma convicção pessoal firme, revelando apenas artificialidade e insegurança tragicômica, já Jennifer Ehle possui a presença imponente e autoritária da liderança cristã fanática e militante na pele da Dr. Lydia e Emily Skeggs sintetiza bem o resultado nefasto e esquizofrênico da lavagem cerebral encarnando a dissimulada, confusa e instável Erin, colega de quarto de Post. “O Mau Exemplo de Cameron Post” instiga pela atualidade e relevância da temática que reflete, mais contemporânea do que nunca diante dos libelos normativos propostos por grupos evangélicos quando as atenções da sociedade se voltam para o debate público acerca da “heteronormatividade” e da “educação de gênero”. A mensagem de Desiree Akhavan é esperançosa no fim das contas, pois propõe a ruptura e a libertação do obscurantismo conservador de caráter religioso e sua educação opressora sobre os corpos e mentes.
Por: Ábine Fernando Silva
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