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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Planeta dos Macacos (1968)

Direção: Franklin J. Schaffner

Roteiro: Pierre Boulle (romance), Michael Wilson e Rod Serling

Elenco principal: Charlton Heston, Roddy McDowall, Kim Hunter, Maurice Evans, Linda Harrison, Robert Gunner, Jeff Burton.

Cena final de "O Planeta dos Macacos" revelando a verdade sobre o destino da Terra e da humanidade

Adaptação do romance homônimo de 1963 do francês Pierre Boulle, “O Planeta dos Macacos” de Franklin J. Schaffner representa um marco importante para o cinema moderno de ficção científica, tanto no que se refere ao impacto de sua mensagem sombria e apocalíptica sintonizada ao turbilhão histórico, político e social enfrentado pelos Estados Unidos no fim da década de 60, quanto no que corresponde à construção de seu arcabouço estético narrativo que reúne artistas célebres do audiovisual como o próprio Schaffner, Rod Serling, Michael Wilson e Jerry Goldsmith só para ficar em alguns nomes hollywoodianos de peso. O sucesso estrondoso de público e de crítica transformou o filme num produto altamente rentável integrando o que os estudiosos do cinema costumam chamar de high concept, fincando as bases de uma franquia longeva e vigorosa, revitalizada na segunda década do século XXI com uma série de três longas. A nave Icarus e seus quatro tripulantes em sono criogênico caem no lago de um planeta desconhecido, após sete meses em rota espacial. Enquanto buscam maiores informações sobre o lugar, atravessando um deserto e adentrando um território cada vez mais parecido com a Terra, os três sobreviventes, Taylor (Charlton Heston), Landon (Robert Gunner) e Dodge (Jeff Burton) têm os pertences furtados por uma horda humana presente nas redondezas, lançando-os no encalço de seus usurpadores. Em meio à tentativa de recuperar seus objetos, o desavisado trio acaba se misturando à turba alvoroçada de homens, mulheres e crianças no centro de uma perseguição alucinante promovida por um grupo de gorilas caçadores montados a cavalo e empunhando rifles. Dodge acaba morto, Taylor e Landon são capturados e levados juntos com os outros nativos ao coração de uma sociedade organizada, urbana e estratificada composta por gorilas, chimpanzés e orangotangos, descobrindo por fim a supremacia primata no topo da cadeia evolutiva daquele planeta. Enjaulado e hostilizado, o personagem de Heston conquista prontamente o interesse empírico e a solidariedade do casal de chimpanzés Zira (Kim Hunter) e Cornelius (Roddy McDowall), cientistas dispostos a provar a distinção psicológica e cognitiva do capturado em relação aos demais indivíduos de sua espécie tidos como bestas incapazes de subjetividade, desprovidos de uma linguagem articulada e do inconfundível “brilho nos olhos”. Não obstante, o orangotango Dr. Zaius (Maurice Evans), ministro da ciência e guardião da religiosidade símia não mede esforços para esconder a verdade sobre a existência ameaçadora dos astronautas, lobotomizando Landon e pretendendo o mesmo com Taylor que consegue fugir com sua parceira de cativeiro Nova (Linda Harrison) ajudado pelo fiel casal de pesquisadores chimpanzés. O grupo de foragidos parte em direção à Zona Proibida, tornando-se alvo do inescrupuloso líder orangotango disposto a eliminar qualquer vestígio do passado que ponha em xeque a estabilidade das instituições primatas. O roteiro escrito por Rod Serling e Michael Wilson desenvolve-se deixando intencionalmente algumas lacunas intrigantes ao longo do enredo, desde o questionamento acerca dos motivos reais da viagem intergaláctica da nave Icarus (provavelmente numa missão de colonização) até a curiosa origem e natureza do planeta dos macacos, mantida oportunamente sob mistério e dúvida até o fim do terceiro ato. Os autores impregnam a narrativa de um pessimismo cruel e um sarcasmo visceral em relação ao pretenso salto progressivo da humanidade na Terra, denunciando as contradições e apontando as falhas de uma civilização cujos avanços científicos e tecnológicos podem ter significado sua auto aniquilação e destronamento como espécie postulante sobre as demais.

Roddy McDowall (Cornelius), Kim Hunter (Zira) e Charlton Heston (Taylor) em "O Planeta dos Macacos"

Ora, a turbulência do contexto histórico, político e social experimentada pelos Estados Unidos no fim da década de 60 corroboram esse viés paranoico, decadentista e apocalíptico do filme, encarnados também na figura do personagem vivido por Heston, sujeito que não esconde sua insatisfação e desprezo em relação ao mundo beligerante e prepotente do qual proveio, destilando em certas ocasiões suas observações mordazes, mas que por outro lado e de forma um tanto irônica, acaba tendo que aguentar tragicamente o pesado fardo das humilhações, injustiças e arbitrariedades perpetradas pelas autoridades símias, reprodutoras de uma realidade social, cultural e política nem um pouco estranha a Taylor. A inversão chocante e sarcástica dos papéis das espécies num planeta outrora palco da soberania absoluta do “suprassumo” do homo sapiens constitui um dos elementos mais bem explorados na trama pelos roteiristas, sensíveis a lógica do espelhamento ao retratarem o universo dos macacos como um reflexo de certas sociedades humanas (porque não a estadunidense?), sobretudo, do ponto de vista da dominação e da subjugação de outra raça, tomada como uma praga, selvagem, inferiorizada e “sem alma”. É como se a narrativa, de forma alegórica relacionasse a conduta arbitrária, violenta e injusta dos macacos com o próprio modus operandi da conduta do homem branco no interior da sociedade classista estadunidense da época, implacável, segregacionista, cruel e racista com seus próprios semelhantes, ao passo em que veicula a mensagem incrédula e fatalista fundada na impossibilidade de se permitir uma segunda chance a esta espécie bípede destruidora. Desta forma, o atormentado "Olhos Brilhantes" passa a viver na pele o pesadelo da condição animalesca e marginal da raça, enjaulado e impossibilitado, primeiro, de provar sua peculiaridade intelectual e comunicativa; e mais adiante, destituído de qualquer direito de defesa previsto pelo código jurídico sustentado pelo Dr. Zaius, o burocrata orangotango símbolo da manutenção da ordem e da tradição, além de grande antagonista de um herói que ao final da narrativa caminha junto com Nova em direção a um novo "paraíso", reeditando a gênese do mito de Adão e Eva. Por outro lado, o humanismo e a valorização do pensamento livre e científico integram a base da concepção de mundo e da ação dos chimpanzés Zira e Cornelius, dispostos a abalar as estruturas de sua própria realidade em nome da verdade e da justiça. Toda esta profundidade e riqueza temáticas ventiladas na trama de “O Planeta dos Macacos” vêm acompanhadas da construção de um universo ficcional épico extraordinário, ancorado na trilha orgânica ininterrupta e sinérgica de Jerry Goldsmith, mas, sobretudo, na articulação visual eloquente de Franklin J. Schaffner, cujas imagens poderosíssimas atingem seu ápice na impressionante e escabrosa revelação do destino da Terra, confirmada pelo que restou da esfacelada Estátua da Liberdade disposta nas areias da praia, símbolo do final de uma era e da bancarrota civilizatória da mais relevante potência capitalista do globo. Os belos planos e ângulos apurados do diretor absorvem a magnificência das paisagens naturais e do ambiente rural, estimulando mistério e fascínio, interessando-se também pelo minimalismo arcaico das dependências símias e captando através de planos mais fechados e sensíveis a riqueza das expressões humanas no semblante dos primatas, sobretudo dos protagonistas chimpanzés, ressaltando o diletante trabalho da maquiagem. Schaffner conduz a jornada de Taylor articulando muito bem a ação e a aventura, sem deixar escapar as sutilezas das manifestações irônicas e sarcásticas do texto, seja na postura impertinente do protagonista, seja na mentalidade xenofóbica dos macacos. Em contrapartida, o teor trágico, melodramático e emotivo advindo dos grandes momentos de interação e dos diálogos impactantes entre os personagens de Charlton Heston, Kim Hunter, Roddy McDowall e Maurice Evans tornam a experiência do filme ainda mais rica, complexa e memorável. “O Planeta dos Macacos” permanecerá sempre atual, estarrecedor e fascinante, resultado da perspicácia artística de grandes mentes criativas reunidas sob a batuta de Franklin J. Schaffner, um dos maiores herdeiros da clássica narrativa épica hollywoodiana.


Por: Ábine Fernando Silva

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