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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Poderoso Chefão (1972)

Direção: Francis Ford Coppola

Roteiro: Francis Ford Coppola e Mario Puzo

Elenco principal: Marlon Brando, Al Pacino, Robert Duvall, Diane Keatel, James Caan, Jonh, Cazale, Al Lettieri.

Disponível: Netflix

Salvatore Corsitto (Amerigo Bonasera) e Marlon Brando (Don Vito Corleone) em "O Poderoso Chefão"

“Primeiro capítulo” de uma das trilogias mais veneradas da História, “O Poderoso Chefão” de Francis Ford Copolla representa um verdadeiro marco para o cinema moderno estadunidense, inscrevendo-se definitivamente no imaginário cultural de uma época e revolucionando a estética dos filmes de gângster ao imortalizar em tela, de forma dramaticamente profunda, eloquente e realista, o universo íntimo e social das famílias mafiosas ítalo-americanas. A adaptação do romance homônimo de Mario Puzo (co-roteirista da obra) converteu-se, com os anos, numa espécie de unanimidade fílmica, sumidade olímpica da sétima arte, deixando sua notável contribuição para a construção imponente da imagem histórica e artística da Nova Hollywood, movimento cinematográfico emergente entre as décadas de 60 e 70 que congregou toda uma geração de nomes brilhantes e impetuosos como Peter Bogdanovich, Jerry Schazberg, Martin Scorsese, Willian Fredkin, entre outros. Após a Segunda Guerra Mundial a família Corleone de Nova York, chefiada pelo patriarca Vito Corleone (Marlon Brando) segue em suas costumeiras atividades ilegais, cultivando as tradições e códigos éticos do clã, resistindo ao assédio dos negócios de Sollozo (Al Lettieri), um novo figurão do narcotráfico, apoiado pelos Tattaglia de New Jersey. Depois da tentativa frustrada do assassinato de Vito, o herói de guerra e caçula dos Corleone Michael (Al Pacino) assume pessoalmente a responsabilidade de vingar o pai fugindo logo em seguida para a Sicília. Com a morte do irmão Sonny (James Caan), vítima de mais uma retaliação de outro grupo mafioso, Mike retorna a Nova York ascendendo ao comando da organização. Para recuperar o respeito e o poder dos Corleone frente aos traiçoeiros rivais, o novo “Don” insurge numa escalada de violência e crueldade. A trama lapidada por Copolla e Puzo explora o universo das máfias ítalo-americanas, especialmente, através da ótica dos Corleone, não apenas interessados numa retratação bastante realista e direta da dimensão privada, ética e afetiva das relações, como também da dimensão pública, econômica e social do modus operandi desses influentes “impérios” particulares, cuja capilaridade ignora quaisquer limites legais e institucionais. A complexidade sutil e ambígua da representação da organização criminosa chama à atenção pela rejeição de traços ou caracterizações vilanescas mais tradicionais normalmente associados ao gênero, fazendo com que a narrativa nutra certo apreço pela cultura e o modo de vida da máfia italiana dos anos 40 em Nova York, expostos sob uma ótica cúmplice um tanto idealizada e reverenciosa. Nesse sentido, certos personagens e situações adquirem contornos expressivos realmente épicos, seja quando o discreto Michael vai gradativamente abandonando a coadjuvância na hierarquia da família, despontando como liderança nata e completando sua guinada apoteótica como “Don”; seja quando a imponente figura do “padrinho” entra em cena como uma espécie de bastião vivo de uma conduta ético-moral em vias de extinção, sustentando uma sabedoria e uma honra anacrônica e descartável para os novos horizontes financeiros do capitalismo estadunidense e dos negócios ilícitos. Até mesmo os laços de camaradagem e a troca de favores que implicam num “pacto” de lealdade supostamente generoso e simétrico entre o “Don” e os que buscam sua proteção e justiça parecem estar sob a constante ameaça da emergente lógica corruptiva do dinheiro.

Al Pacino interpreta Michael Corleone, encarnando o "filho" que substitui o "pai"

Em “O Poderoso Chefão” Copolla e Puzo desconstroem de forma sutil e cínica o pretensioso otimismo ideológico do “sonho” americano, revelando o poder de penetração do crime na economia e na sociedade e desromantizando certos mecanismos da engrenagem funcional do capitalismo estadunidense no incipiente pós-guerra, legitimado pela institucionalização de uma “livre” concorrência cada vez mais impessoal, amoral e voraz, disposta a eliminar violentamente os que não se dobram a ganância do lucro imediato. A partir dessa perspectiva, fica mais claro compreender a posição do personagem de Brando enquanto empecilho às promessas de acumulação vultosa e imediata de “El Turco” e seus novos aliados. Outro aspecto relevante abordado no longa diz respeito à maneira como se impõe a estrutura patriarcal entre os Corleone, pontuando a mudança radical e definitiva na relação amorosa entre Michael e Kay (Diane Keaton), lançando luz sobre a necessidade dos homens desses clãs mafiosos em formar numerosas famílias, impondo uma condição subjugada e subalterna às mulheres e, sobretudo, garantindo a conservação e a “pureza” étnica do status de comando através da garantia da hereditariedade masculina e da preservação dos laços consanguíneos. Francis Ford Coppola exibe um rigor estilístico absolutamente sóbrio na direção e que pode ser notado na concepção orquestrada e sugestiva de sua mise-en-scene e no refinamento elegante do tipo de realismo proposto. A consciência do diretor em dispor de elementos de um cinema mais moderno não anula sua influência mais clássica, ao contrário, acaba propondo uma articulação equilibrada entre ambas, percebida, especialmente, na sofisticação constitutiva dos planos e movimentos de câmera, na leitura sombria e metafórica, até meio noir aplicada a certas composições de cena por intermédio das lentes do fotógrafo Gordon Willis, no uso estratégico da trilha instrumental de Nino Rota, na direção de atores menos ortodoxa (ora seguindo as exigências mais rígidas do texto, ora prevalecendo certa liberdade de improviso nos diálogos e performances) e na própria estruturação do enredo em si, onde se verifica o tradicional término da jornada triunfal de um “herói” às avessas, uma vez que o que se sustenta em tela, nada mais é do que a glorificação da ascensão criminosa. Como filho legítimo da Nova Hollywood “O Poderoso Chefão” ostenta um virtuosismo dramático natural e eloquente, desta forma, Copolla consegue se apropriar muito bem, como já mencionado, da leitura cênica inspirada e bastante autoral de parte do elenco para impressionar o espectador com uma gama variada de sequências memoráveis, desde as mais sombrias, dramáticas e sarcásticas, até as mais tensas, poéticas e violentas. A própria representação de um tipo de violência estilizada e indiscreta perseguida pela direção ganha assim contornos simbólicos e sugestivos, além de evidenciar, no caso dos Corleone, toda complexidade que sua conduta ético-moral e suas práticas encerram, comportando uma espécie de amálgama de fascínio e repulsa. É praticamente impossível absorver e medir o impacto da potência artística e a importância cultural e cinematográfica conquistadas pelo “O Poderoso Chefão” em seus exatos cinquenta anos de existência. O então novato e desacreditado Francis Ford Coppola, talvez um dos maiores expoentes improváveis de sua geração, jamais imaginaria que com seu filme de “gângsters” italo-americanos estaria ficando as bases sólidas de um legado monumental.


Por: Ábine Fernando Silva

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1 commentaire


Orlando Dantas
Orlando Dantas
30 janv. 2023

Depois dessa aula maravilhosa , vou rever os filmes com mais atenção aos detalhes. Valeu ,mestre.

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