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  • Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Prisioneiro da Grade de Ferro (2003)

Direção: Paulo Sacramento

Roteiro: Paulo Sacramento

Elenco principal: Seu João, Adilson, Marco, Romualdo, Luis Walter, Hendrik, Bernd, Junior Mulan Mboi, Willian Guimarães de Souza, Pernambuco, Lagoa, Rodrigo, Mirandê, Rubinho, Claudinho, Mr. Pequeno, Joel, Marcos.


Imagem de um dos corredores do ex-complexo carcerário Carandiru do filme de Paulo Sacramento

Lançado em 2003, um ano após a demolição dos últimos edifícios do maior complexo carcerário da América Latina, o documentário “O Prisioneiro da Grade de Ferro” estrutura-se como uma espécie de incursão crua, real e fatalista realizada por cerca de sete meses no interior das dependências do Carandiru, interessada em revelar a rotina dura e tensa dos detentos, articulando algumas vozes e narrativas pessoais que convidam o expectador a conhecer um universo de tragédias humanas ignoradas pela sociedade e negligenciadas pelo Estado, um contingente expressivo de indivíduos mergulhados no ódio do descaso, das condições precárias de existência, da falta de perspectivas e na solidão sufocante da reclusão. O filme de Paulo Sacramento se vale da experimentação artística colaborativa, permitindo que alguns presidiários participem diretamente da composição narrativa desenvolvida através dos nove pavilhões, seja na proposta do enredo relatando suas experiências pessoais e rotinas, seja também filmando muitas cenas reveladoras e momentos íntimos expressivos. Constrói-se um quadro lúgubre e desolador da penitenciária, onde o talento, a arte, os sonhos e as esperanças manifestadas formam um amálgama repulsivo com as injustiças, a opressão, as condições sub-humanas e o abandono. O roteiro do documentário se desenvolve a partir do prelúdio da implosão do complexo Carcerário que num movimento de recuo em slow motion reconstitui os pavilhões para daí iniciar uma narrativa crua protagonizada por diferentes personagens, inclusive pela própria câmera perscrutadora, montando uma espécie de “mosaico” nefasto, triste e decadente. A excursão pelos noves pavilhões retrata o dia a dia da cadeia, o trabalho, diversão e a espiritualidade que se manifestam dentro de certo limite organizado, de certa conformação, sem muitas expansões ou extravasos. O registro se concentra no encarcerado tendo em vista os relatos da experiência prisional, não se permitindo muitas revelações ou detalhes sobre o crime, o processo ou a vida levada antes do cumprimento da pena (poucos personagens compartilham este detalhe). A impressão que se tem é que a detenção funciona dentro de uma lógica particular tensa e silenciosa, pactuada pelos reclusos, imersos numa ordem pacífica de aparências, haja vista a quantidade insuficiente de funcionários e agentes penitenciários, testemunhas oculares da falência de um sistema precário e hipócrita que falha conscientemente em sua função de reinserção social e simplesmente trancafia um amontoado de seres humanos dentro de espaços pequenos e insalubres pouco importando as consequências dessa tragédia. Prevalece uma espécie de ética coletiva à margem da dinâmica interna, fundada por leis que os próprios marginalizados determinam, sendo assim, acordos, limites e regras de convivência deve ser cumprido, caso contrário, paga-se com a própria vida. Não bastasse, portanto, a violência institucional principalmente em forma de abandono, o encarcerado precisa encontrar uma maneira de sobreviver à violência das armas que irrompe dos conflitos pessoais, do acerto de contas e das dívidas por drogas e álcool.

Cena de "O Prisioneiro da Grade de Ferro"

A forma denunciatória como o roteiro de Sacramento aborda a cadeia chamando a atenção para a superlotação, a alimentação precária, a insalubridade (infestação de ratos), as doenças, a falta de remédios e assistência médica, além da morosidade jurídica revoltante com os processos e penas, sensibiliza, perturba e provoca, sobretudo porque justificam a capilaridade e o poder aglutinador das facções criminosas, movimentos nascidos do fracasso governamental e do desprezo social em relação à condição desumana nos presídios. Por outro lado, o filme articula também alguns momentos de alívio dramático e descontração por meio de manifestações artísticas surpreendentes, revelando o desperdício de um potencial humano carente de oportunidades, cujo destino poderia ser outro, haja vista a gama de talentos que se manifestam na poesia, na música popular, nas artes plásticas, no artesanato, nas artes marciais e no futebol. “O Prisioneiro da Grade de Ferro” descortina um universo humano de encarcerados de diferentes nacionalidades, de vários cantos das periferias do Brasil, de muitas etnias, orientações religiosas e sexuais. A direção de Sacramento constrói uma atmosfera de descaso e repulsa permanentes com uma câmera de mão cúmplice e perscrutadora, uma espécie de entidade volante que percorre repartições, corredores, celas e pátios, operada muitas vezes pelo próprio preso que por intermédio do registro amador e espontâneo capta da forma mais banal e natural possível às ações e rotinas que falam por si só; interessando-se pelas pequenas distrações, pelos breves momentos de alegria fugaz, pelos ritos religiosos tão significativos e pelos sofrimentos diversos que conjugados a uma hostilidade indiferente e massacrante induz o expectador a um constante mal estar e revolta. O foco no ponto de vista do detento corrobora um realismo narrativo visceral, não parecendo haver fingimentos ou encenações, não se utilizando trilha, exceto o som produzido dentro do próprio ambiente, além do mais, a montagem oportuna não negligencia o essencial do drama episódico de cada personagem e de cada pavilhão, poucas vezes incluindo cenas externas, contribuindo para a semântica claustrofóbica, denunciatória e indigesta. “O Prisioneiro da Grade de Ferro” constitui um verdadeiro “autorretrato” do fracasso institucional assumido e orientado para a reprodução perversa da violência, sustentando a tese da insignificância do valor das vidas humanas encarceradas, apenas mais uma fração da tragédia social e histórica de um país desigual, elitista e violento.


Por: Ábine Fernando Silva

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