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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Som do Silencio (2019)

Direção: Darius Marder

Roteiro: Darius Marder e Abraham Marder

Elenco principal: Riz Ahmed, Olivia Cooke, Paul Raci, Mathieu Amalric, Lauren Ridloff.

Riz Ahmed interpreta o baterista Ruben em "O Som do Silêncio" de Darius Marder

Produção original “Amazon Prime” e destaque nas premiações do Bafta e do Oscar em 2021, “O Som do Silencio” do cineasta norte-americano Darius Marder investe num trabalho semântico e sensorial apurado de sonoplastia para narrar os dissabores do baterista Ruben Stone (Riz Ahmed) que vê sua vida profissional e amorosa desmoronar repentinamente devido a uma tácita perda de audição. O longa de Marder mobiliza escolhas estilísticas eficientes e criativas para estimular o expectador a experimentar com realismo o desespero e os sofrimentos do jovem músico que custa a aceitar o duro e irônico golpe do destino, propondo novas matizes expressivas a velhas roupagens temáticas, haja vista o recorrente topos hollywoodiano dos “dramas de superação”. Um baterista de Metal e ex viciado em heroína perde repentinamente a audição, experimentando o pesadelo acordado ao ter que interromper a turnê, a carreira e consequentemente o namoro com a vocalista Lou (Olivia Cooke) para tentar tratar o inoportuno problema. A alternativa ao alcance do rapaz é o apoio “filantrópico” de um centro comunitário isolado que desenvolve um projeto de reinserção social e assistência psicológica para surdos. A partir daí, Ruben precisa enfrentar o desafio da adaptação à sua nova condição biológica e social, muito embora necessite lidar com a auto aceitação e com as barreiras de um mundo alheio e insensível às pessoas com necessidades especiais. O roteiro assinado pelos irmãos Marder explora o drama de forma crua e direta, retratando a perda repentina da audição do talentoso baterista, sua intrepidez em não aceitar o fenômeno, além da turbulenta reação psicológica e emocional ao ter que se afastar das duas coisas que mais ama na vida (a música e a companheira). A insistência do rapaz em encontrar uma solução que não o prive de seguir sua rotina de sempre logo cai por terra, uma vez que os limitados recursos financeiros impelem-no a recorrer a uma entidade autônoma de surdos, cujos métodos terapêuticos bastante ortodoxos entram em conflito direto com o comportamento irrequieto, inseguro e os anseios do protagonista, encontrando respaldo na própria experiência de vida e na conduta rígida de Joe (Paul Raci), o mentor e responsável direto pela instituição. Há uma espécie de filosofia da valorização da autoestima e da autonomia voltada para o aperfeiçoamento de aprendizagens que conectem ou reconectem os surdos com o mundo e a vida social, sobretudo, do ponto de vista da construção de laços afetivos, de apoio e solidariedade com os próprios semelhantes, algo que encerra certo teor hermético e radical em relação à realidade para além das fronteiras da comunidade, mas que acaba fazendo muito sentido quando se considera toda a resistência coletiva e cultural arraigada nesta mesma realidade que invisibiliza e menospreza as pessoas com deficiência. Ruben custa a compreender o significado do que lhe acometeu, negando com todas as suas forças a situação, encarada como um problema no qual precisa se livrar e chegando a recorrer, inclusive, a uma dessas fórmulas supostamente milagrosas (dispositivo auditivo), cujo resultado pouco eficaz revela muito mais a intenção charlatanesca e capciosa de certas empresas inescrupulosas que se beneficiam do desespero alheio.

Riz Ahmed e Olivia Cooke contracenam no drama de Darius Marder

O segundo ato de “O Som do Silêncio” desenvolve bem o processo de adaptação e inserção do músico na comunidade, ratificando a tese de que o ser humano é capaz de se reinventar diante da tragédia, com esforço, vontade, união, afeto e engajamento, ainda que a trama mantenha viva a pertinência do drama através da intransigência de um sujeito que no fundo não aceita a ruptura com seu velho “eu”, alargando ainda mais seus sofrimentos enquanto alimenta suas conexões emocionais com o mundo exterior, sobretudo, por causa da namorada, mesmo aparentemente aceitando os pré-requisitos e a rigidez metodológica do grupo. A recorrência de interações dramáticas tensas, carregadas e conflituosas exacerbam o talento e a dedicação do elenco principal com o projeto, prevalecendo na notável performance turbulenta de Riz Ahmed uma obstinação meio teimosa e truculenta no que se refere ao esforço vão pela cura, de um lado motivada de forma instável e distante, nas breves aparições de uma Olivia Cooke intensa em transmitir também a crise de sua personagem, insegura e desorientada emocionalmente e de outro, rechaçada de antemão na filosofia disciplinada, intransigente e ressignificante sustentada pelos modos austeros, pela postura firme e pela comunicação sábia muito bem articuladas na interpretação de Paul Raci. Darius Marder investe na construção de uma atmosfera dramática angustiante, chamando à atenção para o impacto emocional e psicológico do trauma do baterista, assim como para sua resposta impulsiva e desesperada com a escolha de uma decupagem crua e direta, cujo recurso da câmera de mão instável e documental, da recorrência de planos mais fechados e movimentos expressivos em dolly in produzem efeitos realistas contundentes ao captar sensivelmente a intimidade, as reações e convulsões emocionais da encenação que somadas ao exímio trabalho de edição e mixagem de som, enriquecem a experiência sensitiva e co-participativa do público, provocado a experimentar de maneira mais íntima, direta e verdadeira a tragédia do jovem. As modulações da frequência do som, a diminuição gradual da capacidade de percebê-lo, o desconforto gerado pelo aparelho auditivo distorcendo e “metalizando” a acústica natural, da mesma forma que a sensação de vácuo do silencio absoluto são recursos sonoplásticos oportunos que potencializam o alcance estético da obra, justificando de certa forma, como um exercício apiedado de compreensão, a tese da dificuldade de aceitação da deficiência, traduzida pelo desespero da diluição de tudo que realmente importava na vida de Ruben. Esse viés expressivo e realista na linguagem do longa manifestado também no aspecto gráfico da paleta fria, na montagem dinâmica de uma mesma cena com variados cortes, na ausência de trilha em prol do som natural ambiente, tende a tornar o expectador cúmplice e solidário ao personagem de Ahmed, torcendo para uma escolha mais radical, conformada e sensata que se vislumbra ao sujeito e que de fato se efetiva no horizonte da jornada, muito embora, o rompimento com a vida pregressa venha carregada do ônus das dores, frustrações e decepções inevitáveis. “O Som do Silencio” prova mais uma vez o senso flexível e oportuno dos serviços de streamings em apostar no patrocínio e na produção de obras cinematográficas menos genéricas e de grande impacto artístico, tornando seus catálogos originais mais influentes e abrangentes em termos de público. Ainda são poucos e raros os exemplares, no entanto, algumas ótimas novidades presentes nos circuitos de importantes premiações internacionais dos últimos anos apontam para essa tendência revigorante e alvissareira. Os expectadores agradecem.


Por: Ábine Fernando Silva

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