Direção: George Stevens
Roteiro: A.B. Guthrie Jr.
Elenco principal: Alan Ladd (Shane), Brandon de Wilde (Joey Starrett), Jean Arthur (Marian Starrett), Van Heflin (Joe Starrett), Jack Palance (Jack Wilson), Rufus Ryker (Emile Meyer).
Faroeste clássico e de forte teor nostálgico, “Os Brutos Também Amam” impressiona logo de cara com sua fotografia contemplativa e poética da natureza inóspita e selvagem sendo “desbravada” por colonos entusiasmados, pela trilha eloquente de Victor Young cadenciando o ritmo dos eventos e dando profundidade ao melodrama e, sobretudo, pela promoção do que talvez seja sua mensagem mais cara, expressa na relutância em justificar e aceitar a violência como legado civilizatório, espécie de mal necessário responsável por forjar o mito fundante da sociedade moderna norte americana. O roteiro do longa é bastante simples e investe na relação entre Shane (Alan Ladd) e os Starrett, principalmente o envolvimento afetivo do cawboy com o garotinho Joey (Brandon de Wilde) que vê no fascinante forasteiro a referencia masculina e heroica não encontrada na figura do pai. A história do herói solitário, perturbado por seus próprios demônios internos e em busca de redenção se não é lá tão novidade assim no gênero, inclusive porque o filme de Stevens ajuda a forjar essa tradição, encontra na figura do misterioso e voluntarioso Shane, a inflexão ideal, uma vez que a barbárie e a desumanidade do regime das armas aparentemente não o dobraram de vez. Há muita ambiguidade na relação do protagonista com a família Starrett e considerar que o próprio forasteiro poderia tomar o lugar do patriarca Joe (Van Heflin) não seria exagero – George Stevens insinua tal possibilidade, criando momentos emotivos significativos com a manifestação de remorsos, culpas e contenção afetiva, tanto nas atitudes da senhora Marian Starrett (Jean Arthur) quanto nas atitudes de Shane – embora tal evento fosse improvável para um enredo hollywoodiano na época. À medida que o cawboy vai buscando estabelecer-se no rancho dos Starrett, ganhando a confiança, simpatia e afeto da família, ampliando seus laços sociais com a comunidade, a ameaça da violência expressa no velho “topos” da ausência das forças e organizações institucionais civilizadas, acaba se tornando inexorável, reeditando o símbolo perverso da formação moderna da sociedade americana, embasada na lei do mais forte, na glorificação da cultura das armas, na violência usurpadora e no genocídio de populações nativas, eventos fatídicos indiscutíveis que deixaram sua marca na histórica Marcha para o Oeste. A fotografia em technicolor do longa é perfeccionista e apurada, cobrindo cenários naturais inóspitos e as cenas da vida selvagem do vale do Wyoming.
A direção de George Stevens articula o melodrama com eficiência, preocupado com as interações dramáticas de gestos e expressões teatralizados, abusando dos closes e estimulando a emoção fácil do expectador (o choro de Joey na despedida de Shane é de cortar o coração). Investe-se na exploração da relação afetiva entre o renegado cawboy e o garotinho Starrett, nos arroubos sentimentais e nas inquietações íntimas da senhora Marian, reservando muito mais para o clímax suas sequências de ação mais significativas, elemento que o filme de Stevens não se interessa tanto. O roteiro preza pela construção dos laços humanos, da vida em comunidade, da gênese do estabelecimento dos colonos e sua luta para construir um lar, um “mundo novo” e a ausência do aparato jurídico e policial embora represente o elemento que justifica o argumento da tirania vilanesca do fazendeiro de gados Rufus Ryker (Emile Meyer) e seu bando, não está de todo à margem da consciência e do senso de limites dos habitantes do vale de Wyoming. Há certa cautela em se utilizar a força física e o poder de fogo e mesmo o avarento latifundiário Ryker tem algum receio de se comprometer novamente com a justiça. A trama de A.B. Guthrie Jr. recorre ao clichê maniqueísta, destacando os malvados gananciosos de um lado e enaltecendo a riqueza da vida simples e pacata dos bons colonos de outro. No entanto, o tratamento dado ao personagem de Alan Ladd - cujo passado o expectador nada sabe, ficando evidente, porém, que se trata de um sujeito em busca de um recomeço, esquivando-se de confusões e violência – possui complexidade psicológica e moral, uma vez que o misterioso pistoleiro é guiado por escolhas difíceis, sejam elas acertadas ou não, o que confere substância e realismo a sua jornada. A experiência cinematográfica de “Os Brutos Também Amam” precede e referencia outras produções valiosas e populares da História do Cinema, como “Os Sete Samurais” , 1954 de Akira Kurosawa ou mesmo o western “Sete Homens e Um Destino” , 1960 de John Sturges, obras que exaltam a destemida bravura de homens corajosos e voluntariosos que entregam suas vidas na defesa dos mais fracos e oprimidos (uma das principais facetas do velho arquétipo do herói). Mesmo com uma mensagem de forte apelo moral em seu desfecho – a memorável e apoteótica despedida do pistoleiro – “Os Brutos Também Amam” prefere um destino pouco auspicioso para Shane. A improvável condição redentora, resultado de uma existência repetidas vezes marcada pela violência e brutalidade (mesmo utilizada a serviço da justiça) condenam o cawboy a uma vida alheia à felicidade pacata e aos permanentes laços sociais e afetivos, dando sequência à mítica do herói solitário e peregrino tão celebrada na fantasia e no imaginário da tradição cinematográfica.
Por: Ábine Fernando Silva
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