Direção: Richard Greenberg
Roteiro: Terry Rossio
Elenco principal: Fred Savage, Eric Savage, Howie Mandel, Daniel Stern, Rick Ducommun, Margaret Whitton, Devin Ratray, Amber Barretto, William Murray Weiss.
Na esteira do sucesso da sitcom “Anos Incríveis, 1988-1993” de Carol Black e Neal Marlens estrelada pelo carismático Fred Savage, “Os Monstrinhos” de Richard Greenberg aproveita toda popularidade e desenvoltura dramática do jovem ator para articular uma trama de fantasia lúdica e sensível, interessada em refletir o rito de passagem ou a transição da infância para adolescência por meio do incipiente drama vivido pelo protagonista Brian Stevenson (Fred Savage), cujas dificuldades de adaptação à nova vizinhança e a nova escola somam-se à triste descoberta da separação dos pais, fenômeno coincidente ao surgimento do mundo paralelo dos monstros e do anárquico Maurice (Howie Mandel), a quem o garoto rapidamente se afeiçoa, encontrando nesta amizade a atenção, a confiança e o companheirismo necessários para enfrentar os duros dilemas da realidade. Após se mudar mais uma vez com a família para uma nova casa, o solitário Brian descobre por intermédio do irmãozinho Eric (Ben Savage) e de seu coleguinha Todd (William Murray Weiss) a existência de uma criatura bagunceira que visita a residência durante a noite, deixando tudo literalmente de pernas para o ar. Desta forma, o intrigado garoto constrói uma engenhosa armadilha capturando o desordeiro visitante e muito rapidamente se tornando seu grande parceiro de aventuras e travessuras, conhecendo e frequentando todas as noites o universo sem limites das estranhas criaturas, conectado bem debaixo da sua cama. Não obstante, o garotinho passa a correr o risco de perder o vínculo com sua própria realidade e identidade, podendo se transformar também em monstro, uma vez que a intensidade do contato e permanência no bizarro submundo implicaria neste fenômeno, desejado inescrupulosamente pelo rabugento Snik (Rick Ducommun), uma das lideranças tirânicas dos monstrengos. Ao descobrir os planos maléficos do vilão que chantageava o pobre Maurice para concretizá-los, Brian põe em perigo a vida do irmão, raptado e aprisionado por Snik. Disposto a resgatar Eric, o destemido garoto acaba unindo forças com Kiersten (Amber Barretto), sua colega de classe, com o vizinho Todd e também com o valentão do colégio Ronnie (Devin Ratray), partindo juntos para o fantástico submundo dos monstros, onde o apoio inestimável do melhor amigo Maurice fará toda a diferença. O roteiro de Terry Rossio explora realidade e fantasia de forma direta e espontânea, sugerindo a relação intrínseca entre as duas dimensões, mas propondo a existência do mundo dos monstros e o surgimento do endiabrado Maurice como reflexos da crise e da ameaça de desintegração matrimonial do casal Stevenson, induzindo os pequenos irmãos, especialmente o mais velho, a uma espécie de “escapismo” ou refúgio no imaginário, comprovado pelo fato de que no enredo apenas as crianças são capazes de enxergar e interagir com os seres sobrenaturais. Além disso, a súbita manifestação e existência da criatura azulada e hiperativa se justificariam a partir da resistência do protagonista em aceitar a transição pré-adolescente, aspecto inevitável que se consolida na jornada do herói mirim que amadurece no decorrer da aventura abrindo caminho para a puberdade e o interesse amoroso.
Maurice também simboliza o preenchimento do vazio e das carências afetivas do pequeno companheiro (metáfora do amigo imaginário própria da infância), revelando-se ao expectador um jovem com certa inclinação rebelde e sérias dificuldades de estabelecer vínculos, haja vista a dinâmica nômade do trabalho do pai e consequentemente as constantes mudanças de lar, fatores influentes sobre sua personalidade. A trama desenvolve com muita naturalidade e sinceridade a relação entre o personagem de Savage e o personagem de Mandel, oferecendo uma série de situações transgressoras e engraçadas, onde a irresponsabilidade e a travessura irrompem da ação inconsequente da dupla, em excelentes interações dramáticas. A caricatura do ser baderneiro que emerge de um portal mágico situado debaixo da cama (espaço por excelência das bagunças e bugigangas infantis) referencia automaticamente um estereótipo punk bastante em voga nos anos 80, não sem certo escracho intencional, depreciativo e com alguma pitada de humor ácido e inconveniente. Há uma espécie de função socioeducativa de grande valia exercida pelos monstros na narrativa já que ao promover e disseminar o medo na mais tenra idade, as mais diversas e esquisitas criaturas fantásticas estariam ajudando a humanidade e, por conseguinte os pequenos a enxergarem seus limites e obedecerem aos pais (função moral), além do mais, a bagunça e a algazarra madrugada adentro nos ambientes domésticos creditada injustamente às crianças, consequentemente punidas pelos adultos, teria também efeito pedagógico importante na formação do caráter e da personalidade, isto porque implicaria numa espécie de aprendizado oriundo da imposição do castigo, da disciplina e da experimentação precoce de sentimentos negativos como a indignação, a raiva, etc. Guardada as devidas proporções, o longa de animação da Pixar “Monstros S.A, 2001” de Pete Docter parece no mínimo, inspirar-se demasiado neste trabalho de Richard Greenberg para não citar as fundadas acusações de plágio levantadas pelos fãs de “Os Monstrinhos”, a mais óbvia referente às evidentes semelhanças físicas entre os personagens James P. Sullivan e Maurice. A direção de Greenberg aposta na dramaticidade espontânea e singela das relações entre os personagens por meio de planos sensíveis, capazes de revelar com minuciosa verdade as personalidades, reações e emoções, sobretudo do protagonista e de seu inusitado e engraçado novo amigo. A condução do elenco mirim e da encenação dentro deste processo de transmitir com naturalidade a ternura e os efeitos emotivos da representação constituem uma das grandes qualidades de “Os Monstrinhos”, chamando a atenção para a simpatia, esquisitice, traquinagem, meiguice e o carisma tácito que figuras como Brian, Maurice, Eric, Todd e Kiersten suscitam junto ao público. Há uma atmosfera fantástica e aventuresca que arrebatam a narrativa, escamoteando o drama dos irmãos Stevenson, além do flerte visual com o terror, principalmente quando o filme aborda a estética non sense dos monstros, seus figurinos malucos e maquiagens extravagantes, alguns efeitos especiais artesanais, além de explorar o universo paralelo das criaturas fantásticas por meio de um design teatral "improvisado", uma cenografia bizarra, pouco iluminada, repleta de parafernálias, objetos diversos e brinquedos velhos, reproduzindo a lógica da já mencionada bagunça debaixo da cama. “Os Monstrinhos” parece figurar como um daqueles curiosos exemplos de filmes injustamente esquecidos, pelo menos no Brasil, num limbo de produções com grande potencial criativo. Embora a caricatura oitentista de gênero (fantasia/terror) com todos os seus vícios estilísticos possam acenar alguma desconfiança com a obra, a certeza da bela mensagem, do entretenimento fácil e do encanto com os personagens garantem o ótimo programa familiar.
Por: Ábine Fernando Silva
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