Direção: Ted Kotcheff
Roteiro: David Morrell (livro), Michael Kozoll, William Sackheim, Sylvester Stallone
Elenco Principal: Sylvester Stallone (John Rambo), Richard Crenna (Coronel Samuel Trautman), Brian Dennehy (Xerife Will Teasle), Bill McKinney (Kern), David Caruso (Mitch), David L. Crowley (Shingleton).
Ponto de partida de uma franquia de sucesso mundial “Rambo: Programado para Matar” ao contrário de suas pirotécnicas e mirabolantes sequências cinematográficas aproveita a ação muito mais como pretexto para um enredo que aponta para os traumas e as perturbações psicológicas de um veterano de guerra lapidado pelas experiências dolorosas no Vietnã, motivos fatalistas mais do que satisfatórios para o surgimento de uma “bomba relógio” sociopata pronta para detonar ironicamente dentro do própria nação que a engendrou. Alguns anos após retornar da Guerra do Vietnã, John Rambo (Sylvester Stallone) resolve recomeçar a vida numa pacata cidadezinha interiorana a convite de um amigo, outro ex-combatente do mesmo pelotão. Ao constatar que o único companheiro de front que lhe restava havia falecido de câncer vítima do letal desfolhante “Agente Laranja”, o taciturno ex-militar resolve debandar do lugar sem mais ambições, porém, o autoritário e enxerido Xerife Will Teasle (Brian Dennehy) cruza impertinentemente seu caminho e num acesso de autoritarismo arbitrário, abuso de poder e preconceito encarcera o solitário forasteiro que se valendo de suas habilidades formidáveis de combate e acometido por um surto psicótico associado aos sofrimentos e torturas como refém dos vietcongues logra escapar freneticamente para as montanhas da região, tornando-se um foragido da justiça e tendo sob seu encalço um verdadeiro “exército” de policiais tentando detê-lo a qualquer custo.
O roteiro de “Rambo: Programado para Matar” tem muita sutileza no desenvolvimento da personalidade e dos motivos de seu protagonista já que basicamente no primeiro ato do filme o espectador quase nada sabe a respeito daquele amargurado e coagido sujeito, vítima das arbitrariedades exageradas e da estupidez das autoridades locais, sobretudo do Xerife Will. A implacabilidade da “máquina de guerra” vai aos poucos sendo experimentada, tanto por suas indiscutíveis técnicas de confronto que vai deixando muitas vítimas pelo caminho, afinal Rambo foi “programado para matar”, como pela participação estratégica e reveladora do Coronel Samuel Trautman (Richard Crenna), militar que conhece toda a capacidade de seu destrutível exército de “um homem só” e que tenta orientar as forças policiais que acabam se dando conta da encrenca em que se meteram. O combustível que faz a história do longa decolar soa incoerente e pouco plausível se levarmos em conta que de uma forma ou de outra a polícia estava lidando com um “herói de guerra”, um sujeito que embora desprezado pela sociedade e desvalorizado pelo própria Pátria tinha lá sua importância militar, altas habilidades e conexões com o exército estadunidense. O roteiro compensa esta fragilidade de motivos na figura maléfica, insistente e incontrolável do impulsivo xerife, na estupidez caricata dos policiais que vão se dando conta que estão brincando com “fogo” e que podem não sair com vida da caçada, além da justificativa de que de uma maneira ou de outra, ao se embrenhar nas matas e montanhas para sobreviver à perseguição, Rambo acumulou uma série de crimes, destruições e mortes fazendo de sua captura e punição condições inegociáveis. John Rambo deixa um rastro de destruição de proporções homéricas, através de escapadas perigosas, explosões e rajadas de metralhadoras que dão a dimensão do incontrolável ímpeto de um sujeito psicologicamente perturbado, que enxerga na destruição do mundo à sua volta uma vingança à altura da marginalização, da hostilidade social, da falta de oportunidades de trabalho e de vida dignas devido ao protagonismo numa guerra que envergonhou os Estados Unidos. Soma-se a isto a vulnerabilidade emocional do combatente que presenciou horrores inenarráveis, testemunhou perdas pessoais inestimáveis e enfrentou uma tortura cruel em cativeiro vietcongue. Ted Kotcheff dirige de forma eloquente a jornada desta “arma de guerra” ambulante utilizando um mise-en-scene visualmente ambicioso, com muitos planos abertos e contemplativos, cuja caracterização selvagem e hostil dos espaços, frios e inóspitos sugerem a evidência de um mundo que fechou as portas para Rambo. Da mesma forma, a articulação destes ambientes repulsivos com a violência do desajustado anti-herói são traduzidas nas belíssimas fotografias de Andrew Laszlo. A decupagem do longa se concentra na construção de uma atmosfera épica e de um tom implacável entorno de Rambo, vítima e carrasco ao mesmo tempo. Já a música de Jerry Goldsmith acompanha a ação reforçando o tom solene, intrépido e destemido de uma trama que legitima a violência por meio dessa magnificência visual, da montagem dinâmica, da hesitação em entregar de imediato à razão de uma conduta tão destrutiva e inconsequente que ao final do filme se justifica de forma acentuadamente dramática. Do ponto de vista dos desafios que o papel do personagem de John Rambo propõe, Sylvester Stallone transita sobre terreno seguro, já que seu característico e quase inexpressivo “olhar de peixe morto”, a conduta taciturna, sisuda e a quantidade quase ínfima de falas embora não computem maiores obstáculos, ajustam-se satisfatoriamente a proposta do filme que lhe oferece uma possibilidade de maior desafio interpretativo e dramático em seu desfecho (quando finalmente compreendemos os motivos da algazarra sociopata levada até às últimas consequências pelo protagonista). “Rambo: Programado para Matar” certamente é o filme mais sombrio e cerebral da franquia, guardando certo alinhamento temático com obras como “Taxi Driver", 1976, Martin Scorsese e “O Franco Atirador", 1978, Michael Cimino, grandes realizações cinematográficas pioneiras ao tocar na ferida aberta sobre a Guerra do Vietnã tão cara aos Estados Unidos.
Por: Ábine Fernando Silva
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