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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Taxi Driver (1976)

Direção: Martin Scorsese

Roteiro: Paul Schrader

Elenco principal: Robert De Niro, Jodie Foster, Harvey Keitel, Cybell Shepherd, Albert Brooks, Peter Boyle, Leonard Harris.

Robert De Niro interpreta Travis Bickle em 'Taxi Driver" (1976) de Martin Scorsese

Uma das obras mais icônicas e emblemáticas da ‘Nova Hollywood’,“Taxi Driver” tornou-se incontestavelmente um clássico Cult, catapultando de vez a carreira de Martin Scorsese, um dos maiores nomes do cinema americano de sua geração. A produção moderna do então “jovem” realizador ítalo-americano conseguiu, como poucas à época, captar com muito realismo e espírito crítico a crise social, política e moral que atravessava a grande metrópole nova iorquina e os Estados Unidos em plenos anos 70, apontando contradições alarmantes no seio do mais influente sistema capitalista ocidental e remoendo de forma sutil, os traumas ainda vivos do Vietnã. O ex-combatente de guerra Travis Bickle (Robert De Niro) decide se tornar taxista em Nova York para contornar o tédio e as severas crises de insônia. Cada vez mais solitário e deprimido, o jovem acaba se envolvendo com Betsy (Cybill Shepherd), a secretária de campanha de um comitê eleitoral e após um sério desentendimento com a moça, segue vagando desolado com seu táxi por uma cidade sórdida, tomada pela criminalidade e repleta de problemas sociais, até conhecer e interessar-se por Iris (Jodie Foster), uma prostituta mirim sob controle do cafetão Sport (Harvey Keitel). Tomado por desejos psicóticos e intenções presunçosas, Travis adquire um verdadeiro arsenal, disposto a partir para um tudo ou nada e livrar a garotinha das garras de seu aliciador. O roteiro sombrio de Paul Schrader propõe um sarcástico estudo de personagem, interessando-se em explorar os comportamentos e a visão de mundo de um jovem ex fuzileiro, sozinho e deprimido, acometido pela insônia e incapaz de se conformar com um ambiente urbano insólito e caótico, atravessado pelas desigualdades sociais, a violência das gangues, o tráfico de drogas, a prostituição e o rascismo. Nova York irrompe no filme de Scorsese como uma espécie de Babilônia decadente, hostil e abjeta, completamente alheia às promessas do "American Way Of Life", despertando em Travis um sentimento homicida e fascistóide, colocando no centro do seu “delírio” a ideia de purgação e higienização social, o que por sua vez, também parece simbolizar certa reação insana e violenta de caráter reacionário aos impactos imediatos da contracultura e ao “radicalismo” dos diversos movimentos sociais que sacudiam os Estados Unidos entre as décadas de 60 e 70. O texto de Schrader amarra com perspicácia seus argumentos sociológicos ao drama individual de um sujeito que tenta lidar com enorme vazio e falta de propósito existencial, cuja pregressa experiência no front vietnamita parece ter contribuído para o desenvolvimento de uma mentalidade sociopata. Ora, a falta de assistência psicológica ao ex militar, sua completa alienação da realidade refletida no trato pessoal, sobretudo, com as mulheres, seu próprio abandono solitário, o ódio meio difuso pelas contradições do mundo e a banalização de uma cultura condescedente às armas de fogo funcionam como ingredientes explosivos para o personagem vivido por De Niro e um prenúncio “maldito” da obra aos trágicos e recorrentes banhos de sangue levado a cabo por “atiradores” ao longo da história estadunidense das décadas seguintes.

A então adolescente Jodie Foster (Íris) contracena com De Niro no filme de Scorsese

A necessidade do protagonista em se manter em movimento circulando de táxi pela cidade parece proporcionar o efeito contrário a uma tentativa de “driblar” a depressão e o ocaso da existência, uma vez que o trabalho de motorista o lança numa posição de cúmplice do caos e testemunha ocular de mais violência, corrupção e degradação, estimulando impulsos mórbidos e destrutivos. Nesse sentido, Scorsese “destila” de forma um tanto ambígua todo seu sarcasmo irônico quando promove a “herói” nacional, um sujeito como Bickle, cujo perfil patológico e as inclinações psicóticas deveriam demandar cuidados psiquiátricos. Por outro lado, é perfeitamente possível que uma parcela do espectador até ratifique a jornada do perturbado taxista, identificando-se com suas ideias e glorificando seu pretenso altruísmo salvador direcionado à pré-adolescente Íris, no entanto, a trama parece “zombar” da espetacularização midiática e da “celebração” coletiva do gesto sanguinário e suicida perpetrado pelo ex-fuzileiro ao final do terceiro ato, lançando luz sobre uma tendência meio doentia dos estadunidenses em heroicizar psicopatas. A estilística de Scorsese em “Taxi Driver” se alinha a um rol de propostas estéticas inovadoras que sacudiram a indústria cinematográfica norte-americana nos anos 70 (batizada como a Nova Hollywood), permitindo que diversos elementos expressivos do cinema moderno, efervescentes mundo afora, fossem criativamente incorporados por toda uma geração nova de artistas, transformando de uma vez por todas, a maneira de fazer filmes em Hollywood. Nesse sentido, o tratamento mais franco e natural da crítica social, dos conflitos raciais e políticos; a abordagem crua e direta de uma violência gráfica exacerbada e estilizada flertando com o “slasher”, além da escolha de uma decupagem bastante livre e realista, cujo recurso da câmera de mão e o aspecto mais documental dão a tônica de muitas sequências, tornam-se a marca registrada de uma narrativa sombria e provocativa, simpática às experimentações e ao improviso cênico, equilibrando com eficácia o registro intimista do solitário “herói”, assim como seu processo de degradação mental e a turbulência urbana sórdida e caótica de Nova York. Scorsese articula uma atmosfera densa de alheamento e angústia ancorado no trabalho orgânico e sombrio do fotógrafo Michael Chapman, absorvendo o decadentismo humano e urbano do cinema noir, bastante evocado também no jazz compassado e melancólico de Bernard Herrmann, presente em algumas sequências desoladoras e deprimentes em que Travis perambula pela cidade. A relevância do impacto artístico e a atualidade da crítica social proposta por “Taxi Driver” são indiscutíveis e imensuráveis para a História do Cinema ao longo das mais de quatro décadas desde seu lançamento. Embora a produção protagonizada por De Niro já fosse a quinta no promissor e instigante currículo de Martin Scorsese foi justamente por meio deste trabalho, premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes (1976) que o realizador ítalo-americano deixou seu “cartão de visitas” para um público mais amplo, forjando uma identidade estilística e autoral bastante peculiar e consagrada nas décadas seguintes.


Por: Ábine Fernando Silva


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