Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Paul Schrader
Elenco principal: Robert De Niro, Jodie Foster, Harvey Keitel, Cybell Shepherd, Albert Brooks, Peter Boyle, Leonard Harris.
Uma das obras mais icônicas e emblemáticas da ‘Nova Hollywood’,“Taxi Driver” tornou-se incontestavelmente um clássico Cult, catapultando de vez a carreira de Martin Scorsese, um dos maiores nomes do cinema americano de sua geração. A produção moderna do então “jovem” realizador ítalo-americano conseguiu, como poucas à época, captar com muito realismo e espírito crítico a crise social, política e moral que atravessava a grande metrópole nova iorquina e os Estados Unidos em plenos anos 70, apontando contradições alarmantes no seio do mais influente sistema capitalista ocidental e remoendo de forma sutil, os traumas ainda vivos do Vietnã. O ex-combatente de guerra Travis Bickle (Robert De Niro) decide se tornar taxista em Nova York para contornar o tédio e as severas crises de insônia. Cada vez mais solitário e deprimido, o jovem acaba se envolvendo com Betsy (Cybill Shepherd), a secretária de campanha de um comitê eleitoral e após um sério desentendimento com a moça, segue vagando desolado com seu táxi por uma cidade sórdida, tomada pela criminalidade e repleta de problemas sociais, até conhecer e interessar-se por Iris (Jodie Foster), uma prostituta mirim sob controle do cafetão Sport (Harvey Keitel). Tomado por desejos psicóticos e intenções presunçosas, Travis adquire um verdadeiro arsenal, disposto a partir para um tudo ou nada e livrar a garotinha das garras de seu aliciador. O roteiro sombrio de Paul Schrader propõe um sarcástico estudo de personagem, interessando-se em explorar os comportamentos e a visão de mundo de um jovem ex fuzileiro, sozinho e deprimido, acometido pela insônia e incapaz de se conformar com um ambiente urbano insólito e caótico, atravessado pelas desigualdades sociais, a violência das gangues, o tráfico de drogas, a prostituição e o rascismo. Nova York irrompe no filme de Scorsese como uma espécie de Babilônia decadente, hostil e abjeta, completamente alheia às promessas do "American Way Of Life", despertando em Travis um sentimento homicida e fascistóide, colocando no centro do seu “delírio” a ideia de purgação e higienização social, o que por sua vez, também parece simbolizar certa reação insana e violenta de caráter reacionário aos impactos imediatos da contracultura e ao “radicalismo” dos diversos movimentos sociais que sacudiam os Estados Unidos entre as décadas de 60 e 70. O texto de Schrader amarra com perspicácia seus argumentos sociológicos ao drama individual de um sujeito que tenta lidar com enorme vazio e falta de propósito existencial, cuja pregressa experiência no front vietnamita parece ter contribuído para o desenvolvimento de uma mentalidade sociopata. Ora, a falta de assistência psicológica ao ex militar, sua completa alienação da realidade refletida no trato pessoal, sobretudo, com as mulheres, seu próprio abandono solitário, o ódio meio difuso pelas contradições do mundo e a banalização de uma cultura condescedente às armas de fogo funcionam como ingredientes explosivos para o personagem vivido por De Niro e um prenúncio “maldito” da obra aos trágicos e recorrentes banhos de sangue levado a cabo por “atiradores” ao longo da história estadunidense das décadas seguintes.
A necessidade do protagonista em se manter em movimento circulando de táxi pela cidade parece proporcionar o efeito contrário a uma tentativa de “driblar” a depressão e o ocaso da existência, uma vez que o trabalho de motorista o lança numa posição de cúmplice do caos e testemunha ocular de mais violência, corrupção e degradação, estimulando impulsos mórbidos e destrutivos. Nesse sentido, Scorsese “destila” de forma um tanto ambígua todo seu sarcasmo irônico quando promove a “herói” nacional, um sujeito como Bickle, cujo perfil patológico e as inclinações psicóticas deveriam demandar cuidados psiquiátricos. Por outro lado, é perfeitamente possível que uma parcela do espectador até ratifique a jornada do perturbado taxista, identificando-se com suas ideias e glorificando seu pretenso altruísmo salvador direcionado à pré-adolescente Íris, no entanto, a trama parece “zombar” da espetacularização midiática e da “celebração” coletiva do gesto sanguinário e suicida perpetrado pelo ex-fuzileiro ao final do terceiro ato, lançando luz sobre uma tendência meio doentia dos estadunidenses em heroicizar psicopatas. A estilística de Scorsese em “Taxi Driver” se alinha a um rol de propostas estéticas inovadoras que sacudiram a indústria cinematográfica norte-americana nos anos 70 (batizada como a Nova Hollywood), permitindo que diversos elementos expressivos do cinema moderno, efervescentes mundo afora, fossem criativamente incorporados por toda uma geração nova de artistas, transformando de uma vez por todas, a maneira de fazer filmes em Hollywood. Nesse sentido, o tratamento mais franco e natural da crítica social, dos conflitos raciais e políticos; a abordagem crua e direta de uma violência gráfica exacerbada e estilizada flertando com o “slasher”, além da escolha de uma decupagem bastante livre e realista, cujo recurso da câmera de mão e o aspecto mais documental dão a tônica de muitas sequências, tornam-se a marca registrada de uma narrativa sombria e provocativa, simpática às experimentações e ao improviso cênico, equilibrando com eficácia o registro intimista do solitário “herói”, assim como seu processo de degradação mental e a turbulência urbana sórdida e caótica de Nova York. Scorsese articula uma atmosfera densa de alheamento e angústia ancorado no trabalho orgânico e sombrio do fotógrafo Michael Chapman, absorvendo o decadentismo humano e urbano do cinema noir, bastante evocado também no jazz compassado e melancólico de Bernard Herrmann, presente em algumas sequências desoladoras e deprimentes em que Travis perambula pela cidade. A relevância do impacto artístico e a atualidade da crítica social proposta por “Taxi Driver” são indiscutíveis e imensuráveis para a História do Cinema ao longo das mais de quatro décadas desde seu lançamento. Embora a produção protagonizada por De Niro já fosse a quinta no promissor e instigante currículo de Martin Scorsese foi justamente por meio deste trabalho, premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes (1976) que o realizador ítalo-americano deixou seu “cartão de visitas” para um público mais amplo, forjando uma identidade estilística e autoral bastante peculiar e consagrada nas décadas seguintes.
Por: Ábine Fernando Silva
Comments