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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Terror Cego (1971)

Direção: Richard Fleischer

Roteiro: Brian Clemens

Elenco principal: Mia Farrow, Norman Eshley, Paul Nicholas, Robin Bailey, Dorothy Alison, Diane Grayson.

Mia Farrow (Sarah) em "Terror Cego" de Richard Fleischer

O apreço metódico e o esmero estilístico de Richard Fleischer em articular o suspense flertando com elementos do drama e do terror constituem uma das grandes qualidades narrativas de “Terror Cego”, longa cuja trama parcimoniosa e atmosférica recorre ao topos do psicopata prestes a aniquilar sua presa, investindo num estímulo sensorial oportuno e inteligente, uma vez que o público também é convidado a mergulhar na condição peculiar e vulnerável da heroína (tácita cegueira) diante da iminência de um ataque repentino, intensificando, desta forma, a expectativa, o medo e a imprevisibilidade para além da estratégica escamoteação da identidade do maníaco, protelada praticamente até os momentos finais do terceiro ato. Após se acidentar gravemente ao cair do cavalo, Sarah (Mia Farrow) perde completamente a visão, retornando à casa a qual morava com os tios, logo depois de deixar o hospital. Lúcida de sua delicada situação e buscando se readaptar à nova vida, a jovem precisa decidir seu destino profissional e seu futuro amoroso com o namorado Steve (Norman Eshley), um pequeno proprietário rural e criador de cavalos da região. Não obstante, um maníaco misterioso está no encalço da moça, não lhe poupando os tios, a prima e quem quer que se interponha ao seu desejo homicida, levando o pânico e o terror à desorientada Sarah que passa a enfrentar o insuspeito perigo contando com a própria coragem e sagacidade, alguma dose de sorte e a providencial ajuda do companheiro para escapar com vida desta terrível ameaça. O roteiro de Brian Clemens vai “direto ao assunto” apresentando logo de cara seu mote, evidenciado pela presença sombria de um misterioso serial killer a espreita que cedo ou tarde investirá sobre uma jovem aparentemente vulnerável devido às consequências irreversíveis do trágico acidente que lhe tirou a visão, enquanto aos poucos se debruça sobre a incipiente tragédia pessoal da moça, enfrentada com certa resiliência e aceitação, aspectos que, à primeira vista, podem soar estranhos ao expectador. Buscando autonomia individual e uma adaptação mais rápida à nova realidade, Sarah enfrenta a cegueira com bastante dignidade, tentando evitar ao máximo a dependência física e emocional das pessoas que a cercam ao passo que se desafia a lidar com a rotina e os obstáculos do ambiente doméstico, habituando-se a circular e reconhecer os cômodos da casa e realizando sozinha suas próprias atividades essenciais, algo que o roteiro dinamiza com alguma pressa atropelando um pouco a coerência. Por outro lado, a trama apreensiva de “Terror Cego” no melhor estilo hitchcockiano articula com cuidado o mistério em torno do psicopata, despistando para certas possibilidades, sempre alimentando novas suspeitas e segurando a surpresa da revelação até seu desfecho. As motivações claras do assassino são deixadas de lado, embora algumas pistas sobre seu perfil estético, hábitos e personalidade sejam dispostas ao longo dos acontecimentos, de novo, estimulando a imaginação e a inferência em relação a uma suposta vingança particular, ódio puro e simples ou mesmo uma atração sexual e homicida em relação à jovem cega.

Farrow contracena com Norman Eshley no longa de Fleischer

Do ponto de vista dramático, Clemens consegue enriquecer o texto da obra, transitando com espontaneidade entre o “drama” e o “romance” que emergem sutilmente na narrativa, distendendo sua matéria para além do “suspense” e do “terror” propriamente ditos. Os efeitos dramáticos advindos da cenografia e do design de produção com sua imprescindível função narrativa tornam-se decisivos no filme, uma vez que as cenas mais angustiantes, tensas e reveladoras estão relacionadas com o ambiente interno da casa e também com simbólicos objetos capazes de fornecer informações vitais sobre o maníaco (as botas, um bracelete de prata) ou mesmo constituírem obstáculos e recursos indispensáveis para a escapada da personagem de Farrow durante a perseguição de Jacko (Paul Nicholas). Além do thriller angustiante focado no encurralamento de um psicopata sem rosto, o longa de Fleischer investe no potencial clichê das peripécias de auto superação promovendo uma protagonista forte e sensível, cuja personalidade firme e escolhas desmentem a aparente fragilidade física ou suposta incapacidade proveniente da deficiência. Aliás, Mia Farrow não poderia ser a escolha mais acertada para o papel, haja vista sua desenvoltura para o drama e para um tipo de performance que amarra bem uma expressividade abalada e instável juntamente com uma coragem e um instinto de sobrevivência singulares, muito embora a atriz “escorregue” um pouco em certos momentos na emulação da deficiência visual da personagem. Além disso, “Terror Cego” veicula a temática social do preconceito e da marginalização do povo cigano, articulando-a de forma eficaz e oportuna ao seu arco principal, denunciando as relações tensas, abusivas e as práticas discriminatórias de parte da população inglesa da região que automaticamente associa os crimes perpetrados pelo serial killer na mansão dos Rexton a um sujeito integrante do acampamento da comunidade nômade, aspecto que a própria narrativa insinua ao público, também confrontado e provocado em sua possível certeza de natureza etnocêntrica. Richard Fleischer é parcimonioso e perfeccionista na efetivação do clímax, demonstrando um controle absoluto da cinematografia em cada modulação de tom narrativo, comunicando contenção, sobriedade e fluidez na montagem, além de acuidade e sutileza na utilização ou não da trilha. O diretor norte-americano se vale de uma decupagem que conjuga muito bem cenários, personagens e objetos numa relação de progressão da trama e fluxo semântico, posicionando a câmera com discrição e cautela quando se trata do psicopata e toda sua representatividade (planos detalhes, planos sequencias e subjetiva), fechando mais o enquadramento quando o foco são as expressões e reações de Sarah, principalmente ao lidar com seu algoz, também compondo formalmente belíssimos planos abertos que cobrem sensivelmente os espaços fechados e as paisagens bucólicas, estas fotografadas com solenidade em cenas mais poéticas, dramáticas e melancólicas. Fleischer consegue alcançar com facilidade o drama e o romance em “Terror Cego”, aproveitando, por outro lado, o terror e o resultado de sua violência de forma distanciada e gráfica, sempre em prol do suspense e entregando ao expectador ao final de aproximadamente noventa minutos uma experiência narrativa tensa, extravasante e recompensadora.


Por: Ábine Fernando Silva

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