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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

The Batman (2022)

Direção: Matt Reeves

Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig

Elenco principal: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Colin Farrell, Jeffrey Wright, Andy Serkis, Barry Keoghan, Peter Sarsgaard, Jayme Lawson.


Robert Pattinson, Paul Dano, Zoë Kravitz e Colin Farrell em "The Batman" de Matt Reeves

“The Batman” de Matt Reeves já ostenta um expressivo mérito ao deixar sua marca singular no interior de um longo e super explorado universo ficcional, evidenciando não apenas uma proposta estética que possui sua razão de ser em função de escolhas criativas e conscientes pinçadas, sobretudo, numa elogiável gama de obras cinematográficas da tradição hollywoodiana, mas também rearticulando tais escolhas ao propor, a partir do legado realista e austero bastante difundido do Homem-Morcego, uma acentuada problematização no tratamento dos grandes conflitos dramáticos do filme, chamando a atenção, em especial, para a gênese detetivesca de um herói novato e sob desconfiança, atravessado por traumas emocionais, sujeito às vulnerabilidades físicas e mergulhado num cenário social caótico e resistente a diagnósticos simplistas, o que torna tudo naturalmente desafiador e difuso. Em pleno dia das bruxas, o prefeito de Gothan (Rupert Penry-Jones) é assassinado em sua residência, intrigando o investigador Jim Gordon (Jeffrey Wright) e seu então misterioso colaborador Batman (Robert Pattinson). Durante a caçada ao psicótico Charada (Paul Dano), o soturno vigilante se envolve com a jovem Selina kyle/Mulher Gato (Zoë Kravitz), sedenta por vingança. Enquanto precisa lidar com os chefões da máfia Pinguim (Colin Farrell) e Carmine Falcone (John Turturro), enfrentando a resistência das autoridades da cidade envolvidas até o pescoço com o crime organizado, o herói acaba descobrindo segredos escabrosos sobre o próprio passado de sua família, mas não pode abdicar da missão de prender o vilão, desvendando seus jogos macabros e tentando salvar Gotham da destruição completa. O roteiro construído pelo próprio Reeves e por Mattson Tomlin aposta num aprofundamento realista e circunspecto da mitologia de Batman, bebendo no legado da aclamada trilogia de Nolan, mas perseguindo uma identidade própria, claramente disposta na maneira em que se constrói a personalidade carregada e mórbida do protagonista, reticente aos afetos, expresso, inclusive, na relação distante com Alfred (Andy Serkis), indiferente às exigências da vida real de Bruce e devotado à sua incipiente e problemática jornada justiceira, num claro escapismo aos insuportáveis tormentos e traumas pessoais, o que para os propósitos da trama funciona perfeitamente, uma vez que se celebra a faceta detetivesca e cerebral do herói, fundamental aos propósitos narrativos. Na esteira dessa preocupação em criar analogias com as exigências e demandas do mundo real, irrompe a vulnerabilidade da inexperiência combativa e mental de Batman, torna-se plausível a motivação do antagonista vivido por Dano, assim como sua militância sinistra via redes sociais representa um dado concreto do engajamento do ódio na internet recrutando um exército de seguidores fanáticos, além, é claro, da exposição mais explícita e direta de sacadas críticas ao Racismo e ao Capitalismo dispostas no texto dos diálogos.

Jeffrey Wright (Jim Gordon) contracena com Robert Pattinson (Batman) no filme de Matt Reeves

Ora, atmosfera severa e grave de “The Batman” prevalece na dramaturgia buscando renegar o maniqueísmo, relativizando o peso das ações vilanescas e questionando, sobretudo, a existência ou o real sentido do “vingador mascarado”, uma vez que sua perigosa aceitação e legitimidade tendem a alimentar a cultura do justiçamento individual e a fabricação de psicopatas messiânicos, ainda que o ideal da paz e da harmonia social apareça como horizonte de boas intenções. O Homem-Morcego ironicamente parece simbolizar a doença e o antídoto para Gotham, espécie de Sodoma e Gomorra moderna cuja escassez dos justos estimula o expurgo terrorista do Charada, personagem que nas mãos dos roteiristas evoca certo ímpeto apocalíptico do Ra's Al Ghul de Liam Neeson e o niilismo desestabilizador do Coringa de Ledger, ambos referenciados respectivamente do Begins e do Cavaleiro das Trevas. Até mesmo a reflexão em torno das possíveis benesses da “filantropia”, apaziguadora da consciência dos ricos, ratificadora de um capitalismo mais humano e pretensamente salvador ressurge aqui na produção de Reeves que escolhe abordar o conceito de forma dúbia, tomando-o ora sob o prisma sarcástico envolvendo os tentáculos influentes da máfia sobre os Wayne e as campanhas eleitorais, ora manifestando certa crença pela solução liberal, valorizada pelos cidadãos de Gotham, simpáticos à figura do bonzinho e recluso milionário Bruce Wayne e deixando um tanto explícito que o abandono da “missão” em combater as desigualdades sociais por parte dos abastados impactou diretamente a vida do garotinho órfão transformado em monstro. A direção estilizada e muito consciente das inúmeras inspirações fílmicas que incorpora molda seu realismo de forma bastante peculiar quando o funde ao conceito neo-noir da cenografia, do design de produção e da paleta fotográfica, reincorporando graficamente diversas obras do cinema de gênero, dos Hq’s e até mesmo dos games. A cinematografia escura e carregada combinada à natureza mórbida e doentia dos eventos, ao tom sempre solene e grave da encenação e da trilha alimenta o mistério e o suspense, mas também em muitos momentos evoca o terror, emprestando ao filme um sabor sórdido inexorável e lúgubre. “The Batman” é sem dúvidas a adaptação cinematográfica mais sombria, violenta e pessimista sobre o herói da DC, aspecto comprovado não apenas pelas escolhas estilísticas da obra, mas também pela problematização de questões morais envolvidas nas motivações e ações de grande parte dos personagens, muitas delas, impossíveis de serem julgadas de forma objetiva e simplista. A direção investe numa ação estilizada e soturna, perseguindo o máximo de realismo possível nas coreografias quando o Homem-Morcego destemido, mas, não tão hábil assim entra em combate, evocando novamente algo do “Begins” do Nolan. Para além do thiller noir, a trama equilibra com fluidez o drama, o romance e até aposta numas tímidas sutilezas de humor como desprendimento através do personagem de Jeffrey Wright. Indiscutivelmente Matt Reeves conseguiu imprimir sua marca numa extensa e eclética tradição de representação do Batman para as telas, encarando o desafio com respostas criativas, antenadas as problemáticas sociais da contemporaneidade e sensível a um leque de opções cinéfilas assimiladas que revigoram a estética mitológica do vigilante de Gotham.


Por: Ábine Fernando Silva

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