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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

O Convite (2015)

Atualizado: 4 de jun. de 2021

Direção: Karyn Kusama

Roteiro: Phil Hay e Matt Manfredi

Elenco principal: Logan Marshall-Green (Will), Tammy Blanchard (Eden), Michiel Knoville Huisman (David), John Carroll Lynch (Pruitt), Emayatzy Evett Corinealdi (Kira), Michael Doyle (Tommy).

Logan Marshall-Green interpreta o atormentado Will em "O Convite" de Karyn Kusama

Narrativa de tensão gradativa constante, "O Convite" da cineasta americana Karyn Kusama estrutura-se na ambiguidade dos motivos e num suspense minucioso e envolvente. A escolha da dupla de roteiristas Phil Hay e Matt Manfredi em revelar alguns plots fundamentais e estrategicamente submersos ao longo da trama, sem deixar o interesse do público esmorecer em relação aos eventos da superfície narrativa se mostra inteligente e criativa, ainda mais quando insiste em alimentar aquele gostinho de dúvida a respeito da fidedignidade da perspectiva interpretativa dos acontecimentos pela ótica do abalado Will (Logan Marshall-Green). Além disso, o texto detalhista, sugestivo e sinuoso, embora entregue pistas importantes sobre os eventos e personagens, jamais sucumbe ao óbvio, segurando a tensão e a dúvida de maneira habilidosa, apresentando oportunamente novos dados, estimulando a criação de possíveis conexões e inferências, logo descartadas, mas, sempre concorrendo no sentido de intrigar e envolver. No que se refere à cinematografia, a paleta mais escura, alaranjada e com uma saturação intensa consegue captar com precisão o ambiente carregado e claustrofóbico da residencia, assim como os enquadramentos discretos e ângulos de câmera sugestivos se interessam pelas interações coletivas, pelas atitudes estranhas e manipulativas dos anfitriões, articulando uma atmosfera sombria, tendenciosa e falsa, intensificando novamente o mistério e as especulações. A trilha também contribui para esta imersão na ambiguidade e no suspense, elementos não atenuados no quebra-cabeças da edição que conecta passado e presente do protagonista, oferecendo dados importantes, jamais suficientes. E em se tratando de uma obra com um forte apelo teatral, "O Convite" aproveita muito bem a seu favor o jogo cênico das representações individuais e coletivas bem orquestradas pela direção, trazendo um elenco heterogêneo em performances coesas e diletantes, sobretudo o principal, não desmerecendo, contudo, a importância de certos personagens secundários no desenrolar dos acontecimentos, numa sensata conveniência estratégica. Destaque para Logan Marshall-Green na pele do melancólico, confuso e angustiado Will, taciturno, cismado e visivelmente incomodado com a “confraternização” entre amigos organizada por sua ex-mulher e o novo companheiro. E por por falar na perturbada Eden, Tammy Blanchardt incorpora com desenvoltura o tipo instável emocionalmente, incapaz de esconder suas feridas, ainda que tente parecer uma mulher renovada e feliz. Já Michiel knoville Huisman empresta a David a caricatura do bom partido com uma camada cínica de dissimulação cordial e interessada, aspecto tão forçado em sua exagerada solicitude que inevitavelmente levanta suspeitas, confirmadas mais adiante pelas intenções macabras de liderar o banho de sangue durante o jantar. Por último, vale ressaltar a presença sisuda e ameaçadora que o ator John Carroll Lynch imprime ao enigmático Pruitt através de seu semblante misterioso, olhar lunático, gestos reticentes e atitudes intimidatórias (a revelação feita pelo grandalhão em determinado momento da reunião dos amigos é propositalmente provocadora, inconveniente e brutal).

Cena de "O Convite". Paranoia, manipulação, armadilha? Façam suas apostas!

Conforme os acontecimentos progridem e somos totalmente surpreendidos por novas evidências (descobrem-se aos poucos rompimentos e traumas não superados dentro de um ambiente que fora o palco de momentos terríveis), mais imersivo e intrigante o filme acaba se tornando. A perspectiva ambígua de Will ganha corpo à medida que se consideram as consequências naturais da tragédia sobre um sujeito em processo de luto, depressão e que pode estar lidando com os eventos ao seu redor, sob o prisma da culpa, da não aceitação da separação e da morte prematura do filho. Por outro lado, os anfitriões estão constantemente forçando uma simpatia fake, demonstrando uma artificialidade no tratamento dos convidados e tomando atitudes muito estranhas e intrigantes como fechar todas as portas, receber uma visita inesperada, exibir do nada um vídeo de uma moribunda numa espécie de cerimônia ritualística, além de anteriormente isolarem todas as janelas com grades. Quando a dubiedade, manipulada pela direção perspicaz de Kusama parece representar apenas um elemento dramático esgotado em si mesmo, mostrando o suposto efeito impiedoso da culpa e do abalo psicológico sobre um sujeito dilacerado como mote do filme, eis que surge a pancada de um "plot twist" arrebatador e "O Convite" ganha novos rumos e contornos, migrando do suspense psicológico/drama para uma espécie de terror slasher acachapante, onde a luta pela sobrevivência assume de vez a matéria narrada. Impossível não associar o longa da diretora americana com "O Bebê de Rosemary, 1968" de Polansky e sua reflexão sobre coletividade nociva, invasão de privacidade, perda de autonomia, lavagem cerebral e tentativa de cooptação por seita. Da mesma forma, os acontecimentos reais da invasão domiciliar e os assassinatos na mansão do próprio cineasta polaco na Califórnia em 1969, perpetrados por seguidores de Charles Manson, aparecem de certa forma, no subtexto de "O Convite", uma vez que praticamente todo o enredo se passa numa casa localizada num bairro rico de celebridades em Hollywood que referencia muito a vizinhança da tragédia no caso Manson. O enfrentamento da coação fanática e homicida dos artífices da seita (David, Pruitt, Eden e Sadie), cujo propósito delirante justifica-se na anulação e superação do sofrimento da vida pela ritualização do suicídio (só que neste caso, sem o consentimento dos convidados que serviriam de oferenda) torna o clímax do filme extravasante e estarrecedor ao revelar-se finalmente o caráter daquele convite sacrificial, terrivelmente levado a cabo em todas as residências da vizinhança com suas lanternas vermelhas acesas nos quintais (símbolo do ritual), captadas num plano aberto e panorâmico elucidativos, denunciando a amplitude macabra de uma tragédia brutal e coletiva.


Por: Ábine Fernando Silva

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