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Foto do escritorÁbine Fernando Silva

The Matrix (1999)

Atualizado: 21 de set. de 2021

Direção: Lilly Wachowski e Lana Wachowski

Roteiro: Lilly Wachowski e Lana Wachowski

Elenco principal: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Gloria Foster, Joe Pantoliano.

Carrie-Anne Moss (Trinity) e Keanu Reeves (Neo) em "The Matrix"

Primeiro episódio de uma das franquias mais influentes das últimas décadas, “The Matrix” constitui uma espécie de divisor de águas para a ficção científica distópica ao explorar elementos importantes de outros gêneros cinematográficos mais comerciais, sem, contudo, restringir-se a certos apelos narrativos e clichês que normalmente impregnam este tipo de produção. O projeto inicial das irmãs Lana e Lilly Wachowski desenvolve um conteúdo reflexivo anti-sistema que bebe de muitas fontes da cultura pop (romances, Hq’s, animes, etc.), emprestando à sua trama um vigor subversivo reelaborado e criativo, principalmente através de suas escolhas narrativas e estéticas, bastante impactantes à época. “The Matrix” foi uma aposta ousada e de alcance vasto, uma vez que certamente consegue agradar ao expectador simples e despretensioso com seu fluxo narrativo dinâmico e eletrizante, sem deixar de fascinar aqueles que procuram um enredo de ficção científica provocativo e inteligente. O filme das Wachowski investe no perfeccionismo visual e gráfico da cinematografia, recorrendo à versatilidade de enquadramentos estilizados e ângulos de câmera apurados para promover o encanto pela ação e exaltar o potencial metafísico da cenografia, principalmente nos ambientes do simulacro (onde um tempo considerável do filme se desenvolve), reproduzindo uma artificialidade coerente à natureza dos espaços, ainda que emule a diversidade física e humana do mundo real com suas assimetrias e imperfeições. No interior da "matrix" a paleta esverdeada remete aos contextos digitais, evidenciando um universo de aparências, ardilosamente estruturadas pelas máquinas. Fora dela, predominam as tonalidades escuras (cinzas e azuladas), demarcando uma oposição radical e nada sutil entre simulação e realidade. O figurino estilizado dos personagens constitui outro espetáculo a parte, símbolo inconfundível do universo narrativo e elemento que evidencia a antítese visual impactante dos rebeldes na “matrix”, complementando uma espécie de “avatar”, conferindo-lhes uma identidade ambígua, marginal e misteriosa, com suas vestimentas escuras e coladas, sobretudos e jaquetas de couro, botas de cano alto e óculos pretos arrojados. Indubitavelmente fora do simulacro, o aspecto de Neo, Morpheu, Trinity e companhia ganha outra expressão e tonalidade, mais rústica e descuidada. Em relação à gama imensa de possibilidades que desafiam quaisquer leis da física no interior da realidade programática e moldável articulada pelas máquinas, o roteiro explora o conceito com amplitude criativa, proporcionando sequencias de ação imersivas e empolgantes, um dos elementos que mais se destacam no longa.

Paleta de cores frias fora da realidade da Matrix

A decupagem das cenas de combate, dos confrontos corpo a corpo, das perseguições e tiroteios seguem a lógica do esmero visual, com muitos planos abertos e ângulos versáteis que registram a ação frenética em slow motion, sempre embaladas pela trilha sintética eletrizante de Don Davis. Além disso, o uso de uma montagem eficiente, atenta aos detalhes arrojados das acrobacias com armas de fogo e a coreografia exímia de artes marciais combinada aos efeitos especiais inovadores, formam um espetáculo cênico eloquente de encher os olhos, o que tornou a experiência do filme digna de imitação em diversas produções hollywoodianas posteriores (o bullet-time virou referência e marca registrada da franquia). As realizadoras conseguem arrebatar de vez o público à medida que inserem Neo (Keanu Reeves) no âmago do conflito central do enredo, atribuindo-lhe as capacidades e potenciais extraordinários que durante algum tempo de tela protelavam-se com o desenvolvimento da crise de insegurança e do titubeio do “escolhido”, o único capaz de fazer frente ao poder descomunal das máquinas. O roteiro consegue dosar a ação suficientemente bem no primeiro ato, momento de fisgar o espectador com precisão, mas a necessidade de estruturar uma mitologia a partir da qual tudo passa a fazer mais sentido e ter amplitude na trama, faz a narrativa das irmãs Wachowski tornar-se um pouco mais lenta, densa e profusa em boa parte do segundo ato, onde a reflexão de cunho filosófico ganha corpo, articulada aos diálogos instigantes e subversivos. Aliás, a imagem do despertar do herói, aquele que finalmente rompeu as “cordas de marionete” do sistema em toda sua extensão física e ideológica para lutar contra a dominação e pela liberdade converteram a obra numa espécie de metáfora da resistência e prognóstico sombrio dos efeitos alienantes e entorpecentes da internet, aspectos que superdimensionaram sua popularidade e alcance interpretativo. Já o último ato que coloca frente a frente o despertado Neo e o soberbo vilão Smith (Hugo Weaving) num confronto épico consegue ser intenso, deslumbrante e catártico, equilibrando sem reservas a dimensão eloquente e verborrágica (no bom sentido) esgarçada durante um espaço de tempo considerável. Ainda sobre a semântica abrangente e as temáticas provocativas levantadas pelo enredo, o projeto merece aplauso ao incluir de forma oportuna tantos conceitos e abstrações teóricas numa produção blockbuster, cujas óbvias interferências dos investidores tendem a recusar maiores complexidades e digressões reflexivas.

Técnica do "bullet-time" revolucionou o cinema de ação depois de "The Matrix"

A saga das Wachowski concebe uma verdadeira “mitologia” redesenhada de elementos filosóficos e teológicos tanto Ocidentais, quanto Orientais convergidos ao universo sci-fi do enredo, seja através do design de produção (objetos, cenários e figurino) seja através da simbologia dos personagens e seus arcos dialogando com elementos religiosos cristãos, budistas ou gnósticos. Thomas A. Anderson / Neo por exemplo, representa uma espécie de “Messias” ou “redentor”, único capaz de fazer frente à ameaça e ao domínio físico e mental das poderosíssimas máquinas que escravizaram os seres humanos, utilizando-os como combustível. Os diálogos entre Morpheu (Laurence Fishburne) e o protagonista são motivadores, assertivos e incitantes, repletos de uma sabedoria ancestral, reveladora e de um forte teor antissistêmico (a cena decisiva da escolha do herói entre as pílulas ‘vermelha’ e ‘azul’ tornou-se icônica e inesquecível). Em relação às performances, Keanu Reeves está longe de empolgar, embora se reconheça o esforço do rapaz nas sequências de luta, o que lhe exigiu um aprendizado rigoroso em artes marciais. No mais, o ator reproduz bem o arquétipo do redentor pouco convicto de sua capacidade, mas que ao final encontra-se consigo mesmo, aflorando seu poder adormecido. Hugo Weaving está implacável, com uma frieza mortífera, desdenhosa de gestos calculados e falas incisivas como o programa Smith, concentrando os holofotes e roubando a “cena” literalmente como um vilão extraordinário. Laurence Fishiburne demonstra a maturidade e o controle performáticos ideais para viver o líder da resistência e o profeta da esperança humana “Morpheu”, sujeito audacioso e convicto de seus propósitos, cuja capacidade de superação revela toda sua força. Carrie-Anne Moss comunica com naturalidade a agilidade destemida e habilidosa, sem ofuscar a sensibilidade emotiva, leal e convicta na pele de Trinity que juntamente com herói do filme (seu par romântico) e Morpheu encerram a tríade iconoclasta da resistência humana contra as máquinas. “The Matrix” marcou época e uma geração, figurando sem sobra de dúvidas entre as principais realizações cinematográficas da Warner das últimas décadas, haja vista todo seu alcance filosófico e perfeccionismo visual, além das originais e revolucionárias inovações técnicas da ação, responsáveis por apontar novos rumos para indústria do blockbuster.


Por: Ábine Fernando Silva

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